“A magnitude e a extensão das revoltas populares foram e continuam a ser tão grandes em sua unidade e em sua diversidade, que se tornaram um modelo, um êmbolo, um motivo para revoltas em vários países do mundo”. Escreve o professor Carlos Serra no Diário de um Sociólogo.
Ao estilo contínuo de alternativa aos debates dos temas actuais, locais e universais, que “escapam” aos mass media, a blogosfera em Moçambique não ficou alheia as repercussões que as revoltas do norte de África podem trazer. Apesar dos vários juízos sobre o fenómeno, uma questão dominou o debate: Será que os ventos de lá podem soprar para cá? “Claro que podem”, defenderam uns.
“Isso pode não acontecer por cá”, observaram outros. Partindo do quadro optimista de África traçado pelo Secretário-geral dos países da África Austral, SADC, Tomás Salomão em entrevista à Lusa, onde afirmou que os conflitos no Magreb eram naturais e a hora de África “está a chegar” mas terão de ser os próprios africanos a “assumir essa responsabilidade”, Abdul Karim, um blogueiro assíduo comentou no blog Reflectindo Sobre Moçambique, que os reflexos são reacções inevitáveis de um ser humano a estímulos periféricos, como desemprego, pobreza ou injustiça social, pelo que mesmo no sistema nervoso da África Austral, os nervos de estudantes, trabalhadores e desempregados, jovens e velhos, coordenam a actividade dos músculos políticos.
“Se ele considera natural os protestos na Tunísia e no Egipto, porque não considerou aceitáveis os confrontos de Maputo, nos dias 1 e 2 de Setembro de 2010? De onde ou de quem o Salomão sabe que as revoltas populares de Maputo não são partes “de um processo histórico que havia de acontecer um dia”? A África Subsaariana precisa de paz e tranquilidade, disse o amigo de Mugabe.
Que a União Africana (ou a SADC) seja por vezes dirigida por ditadores, é quase normal, adiantou, ignorando a carta da SADC sobre eleições livres e justas”. Na mesma linha de pensamento, em artigo publicado no blog Debates e Devaneios, Salomão Moyana, um reputado jornalista da praça, sugere que é necessário tomar a sério os ventos cada vez mais desconfortantes da África do Norte e do Médio Oriente.
“Tudo indica que tais ventos estão a caminho da África Austral, onde regimes parecidos com os que estão sendo derrubados no Norte, também existem em número considerável. Engana-se aquele que, para a sua auto-consolação, pensar que aqueles ventos vão parar, apenas, no mundo árabe. Em Moçambique, tomando como eixo as manifestações populares no norte de África e no Médio Oriente, os dirigentes devem avaliar o grau de insatisfação social provocada por carências de ordem vária e devem saber que medidas urgentes devem ser postas em prática para contorná-la, para o bem dos 54 por cento de pobres que sobrevivem com menos de um dólar por dia. É urgente descer às bases não para recolher dados para relatórios triunfalistas, mas para trabalhar directamente com o povo”
No entanto, bem na lógica de cada cabeça uma sentença, alguns blogueiros observam os factos noutro prisma. No blog Ideias Subversivas, Elísio Macamo apresenta uma visão diferente. Para este professor e blogueiro, a primeira consequência que a fragilidade do nosso sistema político tem para a comparação é que enquanto na Tunísia e no Egipto se derrubam regimes autocráticos (mais na Tunísia do que no Egipto, pelo menos do ponto de vista formal), em Moçambique, a ocorrer algo semelhante, estaríamos a derrubar um sistema democrático (imperfeito).
Pior ainda, estaríamos a revelar falta de confiança na democracia optando pelo grito gasto (e que já nos criou imensos problemas no passado) da vontade das massas. “Nada disto quer dizer que o que está a acontecer no Magrebe não possa acontecer entre nós. As pessoas não fazem (nem primeiro vão ler) análises sociológicas da situação antes de agirem. Dada até a fragilidade das nossas instituições constitui um milagre que o nosso país ainda não tenha sido abalado por este tipo de coisas, ou que eles não sejam mais frequentes ainda. Mas aqueles que perguntam retoricamente se isto pode acontecer no nosso país deviam, ao mesmo tempo que esfregam as mãos de antecipação, perguntar-se a si próprios até onde vai o seu próprio compromisso com a democracia”
E, a ideia de Elísio Macamo é partilhada por vários outros bloguistas, tais como Jorge Saiete, autor do Debates e Reflexão, para quem é necessário como país aproveitar-se este momento para reflectir e encontrar mecanismos de tornar a democracia mais democrática. “Não podemos continuar a chamar-nos democratas quando não vivemos e nem aceitamos os valores da democracia. No dia em que pormos em prática a verdadeira inclusão, adoptaremos a verdadeira transparência, combateremos a corrupção e adoptarmos mecanismos que nos ajudem a redistribuir melhor a “pouca” riqueza”