Portugueses “descontentes e inconformados com a independência de Moçambique” participaram na desestabilização do país durante a guerra civil de 16 anos. Esta acusação foi reiterada esta segunda-feira pelo antigo Presidente moçambicano Joaquim Chissano, o mesmo que em 4 de Junho de 1992 assinou, em Roma, na Itália, um Acordo Geral de Paz (AGP) com Afonso Dhlakama, o moçambicano que liderava a guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) para pacificar Moçambique.
Estas declarações foram feitas esta segunda- feira em Maputo. Chissano, que chefiou o Estado moçambicano entre 1986 e 2005, aludiu ao envolvimento de sectores afectos ao regime colonial português na guerra civil moçambicana, considerada uma das mais brutais em África, quando falava como orador principal numa palestra sobre o tema “Um modelo de reconciliação e paz”, no lançamento do Instituto de Paz e Conflito da Universidade Política de Moçambique.
“Dentro da guerra de desestabilização incluem- se portugueses descontentes e inconformados com a independência de Moçambique”, sublinhou o antigo estadista moçambicano, depois de apontar “os regimes minoritários racistas da Rodésia do Sul e do apartheid, na África do Sul”, como mentores da “guerra contra Moçambique”.
Guerra de desestabilização é a terminologia usada pelos dirigentes do partido no poder em Moçambique, FRELIMO, para se referir ao conflito com a antiga guerrilha da RENAMO, hoje maior partido da oposição. Por sua vez, a RENAMO refere-se ao mesmo conflito como “luta pela democracia”, justificando a decisão de recorrer à guerra para combater o regime de inspiração marxista-leninista adoptado pelos dirigentes da FRELIMO quando tomaram o poder após a independência do país em 25 de Junho de 1975. Para Joaquim Chissano, os moçambicanos incorporados na RENAMO foram “usados como instrumentos de desestabilização do país” por regimes minoritários da África do Sul e da Rodésia do Sul, actual Zimbabué, para “conferir à guerra uma dimensão interna”.
“Nesta dimensão interna, as partes em conflito eram a RENAMO e o Governo de Moçambique, mas o povo continuava a ser a principal vítima. Como prova disso, foram amplamente reportados vários casos de ataques e massacres contra o povo e a destruição dos seus bens, com elevado grau de sofrimento infligido”, frisou Chissano. A guerra, realçou Joaquim Chissano, não teve como alvo apenas objectivos militares, humanos ou materiais, tendo em conta que os autocarros atacados não eram alvos castrenses e o gado roubado pelas forças em conflito de militar também nada têm.
“Por outro lado, os cidadãos raptados e à força integrados nas fileiras da RENAMO eram também vítimas de guerra”, referiu o antigo chefe de Estado moçambicano. Apesar das atrocidades cometidas durante o conflito, Joaquim Chissano qualificou o processo de paz e reconciliação que se seguiu à assinatura do AGP em 1992 como “um modelo”, porque “assentou na apropriação e condução do processo pelos próprios moçambicanos e forte participação das populações”.