Na África do Sul, onde rostos brancos quase não se veem na multidão que lota os estádios do país, o futebol mantém-se como um “enclave racial” negro herdado da política segregacionista do ‘apartheid’, uma situação que dificilmente poderá mudar com o Mundial de 2010. “O futebol é um enclave racial neste país”, lamenta Joe Latakgomo, jornalista desportivo desde a época do ‘apartheid’ e autor de um livro sobre a história do futebol na África do Sul, intitulado “Mzansi Magic” (“Magia do sul”, em uma tradução literal).
O Mundial, disputado entre 11 de junho e 11 de julho, “deixará claro que o futebol não é algo mau, mas isso não quer dizer que vão ver os pais brancos incitando seus filhos a jogar futebol”, explica Latakgomo. Matthew Booth, o famoso zagueiro branco da seleção sul-africana, admite esta realidade. “Fará falta uma nova geração de torcedores” para atrair os brancos, os mestiços e os indígenas aos campos de futebol nacional, assegura.
Durante a Copa das Confederações de junho de 2009, que foi um ensaio geral para o Mundial, “conseguimos atrair muitos novos seguidores para a seleção, mas isto não quer dizer que vão ver partidas do campeonato”, explica Booth, em declarações à AFP. O paradoxo é que os sul-africanos não negros não rejeitam o futebol e têm grande interesse nos campeonatos europeus, muito populares em todo o país.
Nos anos 1960, os clubes locais como o Cape Town City FC e o Hellenic atraiam milhares de adeptos brancos e, em Durban, a comunidade indiana tinha jogadores de alto nível. Mas os clubes brancos desapareceram e a seleção atual, os ‘Bafana Bafana’ (“meninos”, na língua zulu) não têm nenhum jogador índio.
As manobras políticas do regime do ‘apartheid’ restringiram o futebol às ‘townships’, os guetos negros erguidos nas periferias das cidades, onde se acumulava a mão-de-obra com a qual funcionava a economia segregacionaista e onde o futebol servia como uma via de escape para a repressão.
Durante o ‘apartheid’, a federação branca (SAFA), que foi finalmente excluída da Fifa em 1976 após 14 anos de suspensão, foi a impulsionadora do desaparecimento do futebol multirracial, e levou aos patrocinadores e as organizações esportivas para uma organização exclusivamente negra. Nos anos de transição para a democracia, no começo da década de 90, os clubes brancos começaram a “misturar” jogadores e as equipes formadas por jogadores da mesma origem (descendentes de portugueses, gregos, etc.) começaram a desaparecer.
Hoje em dia os brancos deixaram completamente de lado o futebol local e são seguidores de rúgbi e de críquete. “O medo é outro fator a se levar em conta”, explica o jogador de futebol Matthew Booth, casado com uma miss África do Sul nascida em Soweto. “Muitos estádios de futebol estão situadas em ‘townships’ e (os brancos) não se sentem muito confortáveis”, assegura.
O defesa da seleção nacional deve sua paixão pelo futebol ao seu pai, que também era futebolista. “Na escola nos obrigavam a jogar rúgbi e críquete, os esportes dos meninos brancos”, lembra Booth. Este sistema continua vigente e contribui para a separação dos esportes em função das raças. Hoje em dia as escolas brancas continuam sem dar a seus alunos a chance de jogar futebol enquanto nas ‘townships’, as escolas não propõem nenhum esporte porque não têm recursos econômicos.
Segundo o jornalista Joe Latakgomo isto explica a “tragédia do desenvolvimento do futebol” na África do Sul.