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Editorial – Marrôa: O Falcone moçambicano

O avião da Justiça, num voo rasante – que me perdoe o autor do livro com o mesmo nome -, fez-se à pista da Escola Francisco Manyanga, ali para os lados do Alto Maé, e disparou pesadas penas sobre os réus do “Caso Aeroportos”. Ao todo são 66 os anos que os cinco condenados têm pela frente, bem mais do que a esperança de vida de um vulgar cidadão deste país que ronda, no caso dos homens, 42 anos e no caso das mulheres 45.

Na maior parte dos países aos 66 anos já se está a gozar a tranquila reforma. O caso, contudo, ainda não está encerrado porque, como já afirmaram os advogados dos réus, todos irão recorrer para o Supremo. Independentemente do sucesso ou insucesso dessa prerrogativa, uma coisa não pode ser escamoteada: o juiz Dimas Marrôa mostrou não ceder a pressões, interpretando bem os princípios da separação de poderes preconizado por Montesquieu na sua obra “Espírito das Leis” publicada nos meados do século XVIII.

E, neste caso, atendendo à importância dos acusados, não era nada fácil – havia um ex-ministro e um PCA dos Aeroportos entre os réus. Marrôa demonstrou estar à altura do caso e não entrar em jogos de influência como aconteceu em muito casos similares no passado no nosso país. Utilizando uma linguagem “armostronguiana”, Marrôa, com este pequeno passo, proporcionou à Justiça moçambicana um salto gigantesco rumo à independência, ao descomprometimento e à dignidade que um órgão de soberania como os tribunais merece.

Sentenciar um ex-ministro a 20 anos de prisão efectiva e um PCA a 22, num país atreito a pressões e à constante promiscuidade e interferência entre os órgãos de soberania, convenhamos que não é mesmo nada fácil. Aliás, Marrôa já fez saber que recebeu várias ameaças de morte e perante elas reagiu em conformidade com a sua decisão: “É o destino [a morte] de todos nós e como fui militar sei que pode chegar a qualquer momento.” Sobre o desfecho do caso o juiz limitou-se a comentar que aplicou as penas com os dados que tinha em sua posse.

“Ela foi ditada pelas provas produzidas nos autos e pela minha consciência”, disse. Este “Caso dos Aeroportos” poderá ser a alavanca que faltava à Justiça moçambicana para começar a actuar de consciência limpa e livre de pressões externas em que cada um pretende meter a sua colherada de influência. O nosso país poderá estar no começo de uma operação “mãos limpas” como aquela que ocorreu na Itália nos anos ´90 durante a qual foram emitidos 2.993 mandados de prisão, 6.059 pessoas estiveram sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

Esperemos que neste aeroporto da Justiça caibam mais aviões como estes do “Caso Aeroportos”.

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