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Malambe – Hipopótamos brincando como crianças

Este paquiderme pode transformar-se em fúria dos rios. Alguns canoeiros com quem tive o imenso prazer de conversar, na extensa albufeira de Cabora Bassa, nos finais de Dezembro, disseram-me isso. Se você colocar a sua canoa entre o macho e a fêmea, pode crer que, se as coisas tiverem que correr mal, vão correr mal de certeza. E as vítimas serão todos, menos o hipopótamo. 

É um animal retumbante. Um brutamontes capaz de ir até as profundezas do rio, onde estão implantadas as pedras desde que existe o leito, para tomar balanço. Voltará à superfície e, como um míssil mar-terramar, abalroará a pequena embarcação, deixando tudo por conta do caos. Estou numa das zonas da belíssima albufeira de Cabora Bassa, depois de ter percorrido mais de 150 quilómetros a partir da cidade de Tete.

Viajo numa estrada que ainda nem foi inaugurada oficialmente, construída por uma empresa chinesa, e que nos oferece curvas de serpente, algumas delas muito perto do ângulo recto. Vou passar por Marara, no distrito de Changara, onde o meu companheiro de viagem me diz: “Este é o local onde está o maior produtor de gado bovino em todo o país e, mesmo assim, continuamos a importar leite”.

É um regalo estar aqui, nos arredores do paraíso. É uma dádiva. Tudo o que acontece neste lugar é comandado pela natureza. Em quase todos os momentos do dia e da noite é possível ouvirse o som do silêncio. As águas são silenciosas como o movimento imperceptível dos répteis mais perigosos do Zambeze, excepto nos dias em que a albufeira vai deixar o vento falar forte.

O peixe sai vivo das redes nestas águas alargadas pela barragem e é recolhido para ser comercializado fresco, ou transformado em xikowa (peixe seco). Mas o que mais me fascina é, nas noites, poder dormir ao relento, usufruindo da própria natureza. Também é a liberdade de estar a menos de 100 metros da batente das águas e ter a consciência de que, de repente, o hipopótamo pode chegar até nós. É um gozo dormir a coberto da noite e das estrelas, sem medo de nada, nem dos mosquitos, entregando o corpo à brisa agradável do rio Zambeze. E eu estou ali, sem medo, nem nada.

Desprezando a fúria dos rios e a terrificante presença dos crocodilos. Sou uma pessoa estranha no meio de toda aquela pureza. De toda aquela luz. E quero dormir sonhando apenas com a albufeira e tudo o que nela existe. Estou deitado de costas, com as mãos na nuca por cima de uma almofada improvisada, contemplando as estrelas e a lua que se ergue imponente. Dos dois lados tenho dois companheiros habituados a estas andanças, que roncam profundamente como se estivessem a dormir nos seus leitos aconchegantes e sinto inveja deles. Também quero dormir e sonhar e não consigo.

Não oiço nada à volta senão o roncar dos meus camaradas. Sinto-me sozinho no seio daquele paraíso e o medo começa a abater-se sobre mim. Vejo fantasmas que vou criando e outros fantasmas que não serão propriamente criados por mim. Então levanto-me, no momento exacto em que dois hipopótamos emergem das águas, tranquilamente, correndo e brincando na orla, como duas crianças. A lua deixava-me ver tudo aquilo como se fosse de dia. Hipopótamos, anunciei!

E eram hipopótamos de verdade, brincando na orla e falando entre eles, a um som indescritível. Era um espectáculo que Deus nos oferecia, naquela noite de luar e estrelas. Na albufeira de Cabora Bassa. Um show que terminou com o raiar do dia quando os dois monstros regressaram às águas, um por cima do outro, provavelmente excitando-se mutuamente para a cópula que se seguiria.

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