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7.000.000.000 – Homem, um caso de sucesso

7.000.000.000 - Homem

Já estivemos à beira da extinção, fomos dizimados por guerras, fomes, epidemias e catástrofes naturais, mas triunfámos: em breve seremos 7000 milhões. E agora?

Torre de Tóquio, 10 de Dezembro de 2010, 21 horas. O elevador abre as portas no último andar e sigo rapidamente com os visitantes para as janelas panorâmicas da rival laranja e branca da Torre Eiffel. O céu está limpo, o tempo está frio e seco, e a vista é deslumbrante.

A maior cidade do mundo não tem fim. Olho em todas as direcções, para a zona do Palácio Imperial, para as pontes sobre o rio Sumida, para Ginza, Shinjuku, Ueno, Asakusa, Yanaka, Akasaka, Harajuku, Shibuya, Aoyama… e o mar de luzes e néons onde vivem e trabalham 36 milhões japoneses estende-se até à linha do horizonte. De dia, a estranha visão de uma área metropolitana que não acaba é a mesma, do alto da orgulhosa torre de 332,5 metros.

Em Tóquio cabe a população de Moçambique mais a população de Portugal, o primeiro país europeu a chegar ao Japão, há quase cinco séculos.

É uma megacidade onde se concentram quase 30% dos japoneses e simboliza, tal como o próprio Japão, um dos cenários possíveis – talvez o melhor – de uma Terra superpovoada no futuro, num momento em que todas as estimativas apontam para que, algures entre o final deste ano e o princípio de 2012, a população do planeta atinja os sete mil milhões de habitantes.

Façamos as contas. O Japão tem uma área de 378 mil km2, a floresta espalhase pelas zonas montanhosas e ocupa 80% do território. No que sobra, que corresponde a menos de metade (400 mil km2) da área de Moçambique, tem de caber tudo: 127 milhões de pessoas, cidades, habitações, infra-estruturas, fábricas, torres de escritórios, terrenos agrícolas.

Ou seja, todos os espaços têm de ser aproveitados até ao último metro quadrado, e a conquista de terras ao mar surge, com frequência, como a única solução. É o que se pode ver em qualquer foto de satélite no recorte geométrico, quadrangular, de toda a baía de Tóquio.

Explosão demográfica na Ásia

Este é, cada vez mais, o cenário de muitos países da Ásia, continente onde já se concentra mais de 60% da população mundial. Só que, à excepção da Coreia do Sul, Taiwan e Singapura, a capacidade de organização, a eficiência no uso do território e a minimização dos impactos ambientais estão longe de atingir os níveis do Japão. Além disso, a população deste país, que tem uma das maiores esperanças de vida da Terra (superior a 80 anos), está a envelhecer e a diminuir, porque os japoneses têm cada vez menos filhos.

Na China, apesar da limitação legal do número de filhos por casal (um nas cidades e dois nas zonas rurais); na Índia, apesar dos avanços no planeamento familiar; na Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas, Tailândia ou Vietname, o crescimento vertiginoso da população tem sido uma constante nas últimas décadas.

A China é, desde os primórdios da civilização humana, o país mais populoso do mundo. As condições naturais do território, a sua biodiversidade, o clima, a qualidade dos solos agrícolas, a generosidade dos dois gigantescos rios que os atravessam – o Amarelo e o Yangtsé -, a forte coesão e o talento da etnia dominante, os Han (a maior etnia do mundo), permitiram que a sua população prosperasse em larga escala.

Mas o que mais impressiona não são os 1354 milhões de habitantes que hoje tem – quase 20% da população mundial -, mas antes como foi possível chegar a estes números com tantas adversidades ao longo da sua história. Guerras, revoltas populares sangrentas, vagas de fome, epidemias, inundações sem fim, secas gigantescas, matavam milhões de pessoas cada vez que ocorriam e marcaram sistematicamente a longa história do país.

Mesmo no século XX, a Revolução Chinesa (1949) e as suas desastrosas experiências de colectivização da agricultura e de engenharia social – em especial o Grande Salto em Frente e a Revolução Cultural – provocaram vagas de fome que dizimaram milhões de pessoas. Como se não bastasse, a política de controlo de nascimentos, iniciada com Deng Xiaoping em 1980, evitou que a China tivesse hoje mais 400 milhões de habitantes, segundo os cálculos feitos pela Comissão Nacional de Planeamento Familiar chinesa.

Mas também teve consequências sociais negativas: preferência dos casais por rapazes, abortos em massa e infanticídios (de raparigas), desequilíbrio dos sexos, mercado matrimonial altamente desfavorável aos homens, casamentos tardios, aumento da prostituição, do rapto e do tráfico de mulheres.

Uma espécie que triunfou

A história da China é, sem dúvida, um bom exemplo de como nós, humanos, somos uma das espécies mais bem-sucedidas à face da Terra. Enfrentámos uma série imensa de privações e de adversidades, destruímo-nos uns aos outros na luta constante pelo controlo dos recursos naturais, mas somos eternamente persistentes e viemos para ficar.

Nascemos no coração de África, espalhámo-nos em vagas sucessivas por todos os continentes, resistimos a quatro eras glaciares, mas também é verdade que estivemos quase à beira da extinção. Tudo aconteceu há 70 mil anos com a gigantesca erupção do vulcão Toba, na ilha de Sumatra (Indonésia).

As cinzas espalhadas pela erupção na atmosfera provocaram um “inverno vulcânico” que levou a uma descida de três a cinco graus nas temperaturas médias do planeta, acelerando a transição para uma era glaciar que emergia nessa altura. Este “inverno vulcânico” terá durado pelo menos 200 anos e os cientistas estimam, com base em estudos genéticos das populações actuais, que a Humanidade tenha ficado reduzida entre 3000 e 10.000 pessoas.

“A nível dos animais vertebrados, somos, sem dúvida, a espécie mais bemsucedida na Terra”, reconhece José Feijó, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e comissário geral da exposição

“A Evolução de Darwin” (Fundação Gulbenkian), que está agora no Porto depois de ter percorrido várias cidades europeias. O biólogo refere apenas os vertebrados porque “quando falamos dos insectos ou das bactérias, a história é outra”. Mas por que razão somos tão bem-sucedidos? “Pelo desenvolvimento das capacidades cognitivas, de linguagem e de abstracção, que marcam a grande diferença dos humanos em relação às outras espécies”.

Foram estas capacidades únicas – surgidas depois de duas etapas importantes da nossa evolução, o bipedalismo e a expansão craniana – que permitiram “a emergência de uma cultura e de uma organização social baseadas na linguagem que nos deram vantagens”, explica o cientista, recordando que “há genes relacionados com a linguagem que só os humanos têm e que foram fundamentais na definição da nossa divergência com os outros mamíferos, em termos de evolução”.

Mas José Feijó, que dirige também a Unidade de Imagiologia Celular do Instituto Gulbenkian de Ciência, assinala que “o nosso sucesso como espécie arrastou o sucesso de outras espécies animais que dependem de nós”.

Sucesso ameaça recursos

Os números de que o cientista fala para demonstrar esta realidade são impressionantes. Assim, há em todo o mundo 2000 milhões de cabras e ovelhas; 1500 milhões de bois, vacas e búfalos; 1000 milhões de porcos; 25 milhões de galinhas e patos; e 40 milhões de cavalos, camelos e burros.

Tudo somado, chegamos quase aos 4600 milhões de animais. Isto significa simplesmente que “os animais domésticos que têm de ser alimentados pela nossa agricultura são quase tantos como a população humana”. Ou seja, o nosso sucesso como espécie, que nos levará em breve a sermos 7000 milhões, trouxe problemas ambientais e de escassez de recursos preocupantes.

Num artigo publicado por uma equipa de cientistas britânicos na revista “Science” em Fevereiro de 2010, sobre o tremendo desafio que será alimentar uma população humana de mais de 9000 milhões de pessoas em meados deste século (projecções da ONU), eram apresentadas estimativas bem reveladoras da situação actual.

Assim, para obtermos um quilo de carne de frango precisamos em média de um quilo de cereal, mas na carne de porco já necessitamos de quatro e na carne de vaca de oito. Além disso, a produção de um quilo de carne de vaca em regime intensivo (estábulo) consome cinco vezes mais água que em regime livre (pastagens).

José Feijó é ainda mais explícito quanto a este desafio, ao salientar que “a quantidade de alimentos que é necessário produzir até 2050 é equivalente a todos os alimentos produzidos pela Humanidade desde a invenção da agricultura, há cerca de 10.000 anos”.

Dependemos basicamente de quatro produtos alimentares, directa ou indirectamente (através dos animais que comemos) – arroz, trigo duro, milho e soja.

O problema é que as áreas agrícolas não se podem expandir muito mais, devido à escassez de solos disponíveis, o que significa que só há uma solução sustentável, que não implica o derrube de florestas, a redução de habitats naturais e da biodiversidade: aumentar a produtividade por hectare.

Esse objectivo tem sido alcançado no arroz, no milho e na soja devido ao uso de tecnologias transgénicas, “mas no trigo isso ainda não é possível, porque o seu genoma não está terminado”, adianta o professor da Faculdade de Ciências. É um genoma complexo, dez vezes maior que o genoma humano, e a realidade é que “a produtividade por hectare de trigo estabilizou desde há mais de uma década”.

Natalidade em queda

Se a explosão demográfica tem um grande impacto no nosso planeta, a queda da natalidade também tem consequências importantes de natureza social, económica e política. “A natalidade tem vindo a diminuir e desde 2003 que mais de metade da população mundial tem menos de 2,1 filhos por mulher, a taxa de substituição plena de gerações”, revela o demógrafo Mário Leston Bandeira, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). Se isso não tivesse acontecido, a população mundial “atingiria os 13 mil milhões até 2065, mas agora as Nações Unidas prevêem uma estabilização nos 10 mil milhões no final do século”.

A redução da natalidade “está relacionada com a modernização dos comportamentos demográficos”, sublinha o investigador. Nos países do Norte de África (Magrebe), onde a população é muito jovem devido à explosão demográfica das últimas décadas, “as políticas a favor dos direitos das mulheres estão a provocar importantes alterações sociais: estudam até mais tarde, casam-se mais tarde porque têm mais autonomia e já não aceitam os casamentos combinados”. Resultado: a natalidade caiu para dois filhos por mulher na Tunísia, “que sempre teve as políticas mais favoráveis às mulheres”.

O problema é que os jovens do Magrebe, mulheres ou homens, estão mais educados mas não encontram emprego. Por isso, “o que se está a passar neste momento na Tunísia e no Egipto tem muito a ver com esta realidade demográfica”, assinala Mário Leston Bandeira.

Nos países muçulmanos, este movimento de modernização dos comportamentos demográficos pode ter consequências inesperadas no futuro. “No Irão, que atingiu os dois filhos por mulher em 2009, já há mais mulheres do que homens nas universidades.” Adivinhem: quem poderá chegar ao poder em Teerão dentro de alguns anos?

 

Moçambique

Apesar da guerra, das catástrofes e epidemias, a taxa de crescimento populacional continua elevada. A população moçambicana cresce a uma taxa de 2,4 porcento ao ano e os índices de fecundidade são calculados em cerca de 5 filhos por mulher. Os últimos dados do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2007 indicam que, actualmente, o nosso país conta com uma população de 20,5 milhões de habitantes, dos quais um pouco mais de metade (cerca de 52 porcento) é constituída mulheres.

Os dados do Censo de 2007 representam um aumento de 27,8 porcento em relação aos 16.099.246 habitantes enumerados no Censo de 1997. E a taxa de masculinidade é de 92,7 como resultado de um total de 9.897.116 homens e 10.682.149 mulheres. Esse crescimento populacional deve-se aos progressos registados nos últimos anos na expansão do Serviço Nacional de Saúde, tendo resultado na melhoria das taxas de cobertura vacinal, de partos institucionais, da redução do número de casos de malária e de mortes a ela associadas e na melhoria da prevenção na transmissão vertical do HIV/SIDA.

A população é maioritariamente jovem, sendo 45,7 porcento com idade inferior a 15 anos, o que exige intervenções específicas por parte do Governo, em termos de educação de qualidade e relevante para o mercado, saúde e emprego, como forma de assegurar que, ao se tornarem adultos, estejam preparados para o processo de integração na vida profissional. Grande parte da população – aproximadamente 70 porcento – encontra-se dispersa nas regiões rurais sem serviços básicos de saúde, transporte e educação.

É nas regiões rurais onde se regista uma elevada incidência da pobreza e a população depende fundamentalmente de actividades agro-silvo-pecuárias e de outras praticáveis naquele meio. Cerca de 37 porcento da população concentram-se nas zonas urbanas, sobretudo nas principais cidades do país, nomeadamente Maputo, Beira e Nampula.

O crescimento da população não está em consonância com o crescimento das variáveis económicas, como a produção e a renda por pessoa. Com uma extensão territorial de 799.380 km2, apenas cerca de 45 porcento do território moçambicano têm potencial para a agricultura (80 porcento dela é de subsistência). Os principais produtos agrícolas são cana-de-açúcar, algodão, mandioca, castanha de caju e copra. No que concerne à pecuária, o país possui cerca de 1,9 milhões de vacas, 193 mil porcos e 122 mil ovelhas.

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