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SELO: Zeburane, exaltador da mulher ou denunciador do “bicho” homem? – por Dadivo José

Juro que pensei muito para mexer neste “monstro”. Na verdade, tenho muitas razões para temer. A primeira das quais prende-se com o simples facto de reconhecer a minha pequenez. Costumo dizer que Moçambique tem músicos que, pela sua lírica, não obstante, já estavam no século XXI, ainda no decorrer deste. Um deles é este senhor chamado Eusébio Johane Tamele, ou simplesmente Zeburane. E, por essa razão, questiono- -me: quem sou eu para escrever sobre a enormidade deste homem?

A segunda razão está no facto de ele ser pai de filhos também músicos notáveis que, guardadores das boas práticas adquiridas do pai, serão muito rigorosos na leitura. A terceira e, por sinal, a última razão é a legião de fãs que ele tem, que encontra o expoente máximo em dois indivíduos muito chatos: Amosse Macamo, um sujeito que parece tê-lo privatizado para consumi-lo e exaltá-lo através da escrita. Outro chama-se Bernardo Domingos, que me parece ser o único que materializa as loucuras de Zeburane através da guitarra.

 

Não estou nada interessado em trazer dados biográficos deste ícone e defensor das mulheres, até porque acho que o marrabentar de Amâncio Miguel já o fez. Quero perceber o coração deste homem. Uma alma cheia de amor pelas mulheres, um homem que valoriza as “madames” e assume o sofrimento delas. Curiosamente, fico em dúvida se, de facto, ele ama a mulher ou despreza o homem mau.

Mas, parece-me também que as duas coisas servem. Pois, na verdade, é preciso detestar a guerra para amar a paz. Portanto, proponho três hinos de Zeburane, pare entrar no coração dele: “Rumba Rumba Rumba Txa Txa Txa, “Ndzi Biwa Siku NiSiku” e “Tsunela Seyo”. Nas duas primeiras músicas, feministas, Eusébio assume a personagem de uma mulher oprimida no lar pelo seu marido. E, por outro lado, na última, “Tsunela Seyo”,com uma linguagem artisticamente erótica, negoceia o sexo com a esposa assumindo-se, neste caso, como um “geatleman” louco por um beijo… ou uma limonada?

Rumba Rumba Rumba Txa TxaTxa

Gravada em 1984, esta música mostra um Zeburane que ostenta as dores de uma mulher que sofre até parecer uma barata tonta, quando volteia sem destino, nem direcção. Este homem engana a mulher na sua parentela para a pôr a dançar uma música com sabor amargo.

“Txa Txa Txa” faz-me lembrar uns ritmos latino- -americanos – “Cha Cha Cha” – não diferentes dos que Zeburane ouvia, pertencentes à Lindomar Castilho, nos seus tempos de juventude. Numa “performance” quando os personagens atingem o ponto máximo de desequilíbrio o drama acontece e os movimentos são mais ágeis. Tamele busca a dança não como instrumento de exaltação da alegria, mas como um movimento que mostra as lamúrias da pobre mulher que tanto é espancada sem culpa nenhuma, depois de ver o marido uma vez em cada três semanas. Esta esposa que nem comida tem e, pior, sujeita a suportar os prantos da sua prole.

Este é um relato melódico de um drama iniciado por uma execução fenomenal da guitarra. Aliás, não sei se o solo da guitarra é uma imitação da melodia vocal ou vice-versa. E o ritmo, então? Mesmo com o sofrimento retratado nos seus temas, aquela “Makwaya” convida a um “Txa Txa Txa” gostoso de se dançar, em solidariedade masculina para com a criatura mulher, merecedora de sublime gesto. Sim, amando a mulher o homem denuncia as barbaridades de um sujeito que casa uma mulher para abandonar. São desses que merecem um “par de chifres”. Confiam cegamente na educação opressiva da classe feminina, aquela que promove o ver e, simplesmente, calar.

Estou feliz por ter voltado a escutar esta canção, quase, 20 anos depois. É daquelas que, mesmo tendo ouvido ainda “puto”, me marcou e ficava ecoando aqui na minha cabeça. Repete constantemente, ao ritmo de tanto “Txa Txa Txa” que vejo por aí: as mulheres continuam a carregar um fardo pesado; o lar ainda não é feliz, infelizmente, para algumas; as casas ainda continuam a ser espaços de humilhação, de exaltação do poder machista de alguns equivocados.

Mas ainda bem que existe Zeburane, polícia dos lares.

*Crónica do dramaturgo moçambicano Dadivo José.

Maputo, 02 de Dezembro de 2014

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