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Yolanda Chicane: “Quero que a minha música seja um legado para a humanidade!”

Yolanda Chicane: “Quero que a minha música seja um legado para a humanidade!”

Na música, Yolanda Chicane, uma das geniais vozes femininas que o país possui, tem sonhos sublimes. No entanto se, na semana da Mulher Moçambicana, a imprensa audiovisual não tocar as suas músicas, os seus admiradores serão inibidos de vislumbrar o seu talento. É que, apesar dos perto de 10 anos de percurso artístico, Chicane não tem nenhum trabalho discográfico publicado. Quanta falta o disco nos faz…

A menos de dois anos para se assinalar a celebração da primeira dezena da criação da Banda Kakana, Yolanda Chicane a única figura feminina e central da referida colectividade artística já arrancou seis prémios em dois dos maiores concursos musicais nacionais, cinco dos quais no Ngoma Moçambique. Com a canção Suhura, por si interpretada, a Banda Kakaka conquistou o prémio fusão no programa Mozambique Music Award (MMA).

Yolanda diz que não está comprometida com o dinheiro e a fama entre outros bens materiais e terrenos ainda que deles, a maior parte das suas acções e sonhos, dependa. As suas metas são muito sublimes: “Quero que a minha música seja um legado para a humanidade”, considera lamentando o facto de viver num contexto social em que a maldade e a corrupção ofuscam muitos sonhos.

Fundada em 2004 por Jimmy (na guitarra) e Yolanda Chicane (intérprete), associando mais três elementos, Stélio (na bateria), Amone (no baixo) e Ivan Chitsondzo (na guitarra), presentemente a banda Kakana confunde-se com a sua vocalista.

É que, nos dias que correm, Yolanda tem realizado três projectos em volta do mesmo objecto, a música: um dueto em que toca com o baterista Jimmy. Os concertos do duo são realizados em eventos familiares e nos restaurantes; um quarteto em que se integram elementos como Zito, Sacre e Stélio.

Neste projecto os alvos são as casas de pasto, os bares entre outros espaços de entretenimento nocturno; por fim, a cantora Yolanda é associada a todos os elementos quando se tenciona realizar projectos amplos como, por exemplo, grandes concertos e/ou festivais, onde a completude da banda é indispensável.

Situação deprimente

No entanto, se num passado não muito remoto o trabalho dos músicos era entrevado por dificuldades minúsculas como, por exemplo, a falta de instrumentos de trabalho o mesmo já não acontece em grande medida. Pelo menos na cidade de Maputo. Aqui, as coisas evoluíram. Até porque estão a surgir muitos empresários que praticam o negócio dos equipamentos (industriais) sonoros.

Na verdade, os problemas dos músicos são estruturais: falta de uma regulamentação clara da actividade. Por exemplo, os animados imbróglios que caracterizam a marcação dos cachets entre músicos e empresários do ramo vegetam devido à falta de um instrumento que defina, claramente, o rendimento básico dos criadores de música.

Aliás, é como se os músicos que investem tempo a produzir obras de forma tradicional, com o envolvimento da banda, estivessem condenados ao fracasso uma vez que as possibilidades de as suas criações serem divulgadas e promovidas pela televisão são diminutas. As revistas e jornais, por mais que sejam produzidos em quantidades abismais, continuam a ser para as elites instruídas.

Em relação ao povo, a melhor maneira de informá-lo e de persuadi-lo a apreciar, cada vez mais, a sua cultura é promovê-la na Rádio e na Televisão. Esses dois instrumentos de comunicação massiva são eficazes. Nelas, a informação pode ser consumida de maneira descontraída, prazenteira e muitas vezes despercebida.

Infelizmente, na nossa era, é como se a Televisão e a Rádio estivessem ao serviço de uma cultura alheia. O problema não é, necessariamente, a não divulgação da produção cultural local, mas a promoção dos produtos de artistas nacionais que decalcam a realidade alheia. E, sobretudo, porque é a isso que a televisão moçambicana dá um tempo nobre.

Então, na visão de Yolanda, mesmo se os músicos consorciados em bandas tivessem melhores condições e capacidade financeira para operarem, com uma imprensa audiovisual indiferente o impacto não seria animador. Os seus rendimentos são irrisórios. E isso não estimula a produção, antes pelo contrário.

Como tal, pior ainda, somos obrigados a convir com a opinião elaborada pela nossa interlocutora: “A nossa sociedade ainda não está preparada para encarar as artes como uma actividade profissional. Isso chega a ser uma espécie de desprezo em relação aos músicos que trabalham de forma séria”. Para sanar a saga dos músicos, talvez a solução não se encontre distante da seguinte ideia: “Nós os cantores devemo- nos unir para definir uma série da aspectos relacionados com a nossa vida profissional”.

Num outro desenvolvimento, Yolanda Chicane repudiou a fraqueza e a parcialidade da actuação das televisões moçambicanas, mormente as que veiculam programas musicais para as massas.

Para si, “se se contabilizar os programas musicais difundidos pelas televisões moçambicanas como, por exemplo, o Music Box, o Atracções, Mais Carga percebemos facilmente que promovem mais os músicos cujas canções se produzem no formato digital”. Em consequência disso, o povo é obrigado a conhecer um mesmo tipo de artistas. E isso tem impacto negativo na cultura moçambicana como um todo.

Dignificar a humanidade

A pretensa necessidade de rechaçar os caminhos torpes que, vezes sem conta, desviam a sociedade está na origem da aposta de uma carreira musical por parte de Yolanda. Há muito tempo que ela acredita que o canto é capaz de mudar a má conduta das pessoas na sociedade. E se a música for realizada de forma a beneficiar os homens, é muito melhor.

É por essa razão que em termos de imagem e de projecção da sua carreira, Chicane nos confidenciou que “gostaria de alcançar o mundo e deixar um legado da minha arte para a humanidade. O resto a fama, o poder, o dinheiro não me interessa. O mais importante é dignificar a sociedade humana com algo positivo”.

Por exemplo, “eu fico muito feliz sempre que as pessoas como aconteceu com alguns cidadãos da província de Nampula me dizem, visivelmente satisfeitas, que estão felizes pelo facto de eu cantar sobre a sua tradição. Outros ainda confessam que não entendem a língua em que canto mas consideram que gostam das músicas. Isso é gratificante, porque muda a mente das pessoas”.

Facto curioso é que Yolanda faz um recuo no tempo para se recordar de que “quando eu era mais nova tinha muitos sonhos um dos quais ser médica para poder ajudar as pessoas mas nunca tive o sonho de ser cantora. Sinto que uma pessoa quando é mais nova tem muitos devaneios. Mas quando cresce percebe que o maior sonho de uma mulher é ter uma família, ser amada e estar bem no lar”.

A curiosidade não somente se encontra na sua nova concepção de mudança de devaneios, mas no facto de, nos dias que correm, praticar uma actividade sobre a qual não cogitara antes poder praticá-la: a música.

De qualquer modo, “o meu maior desejo é deixar um legado que dignifique a nossa sociedade. Eu não sonho com muito como cantora. Mas há níveis que eu gostaria de atingir como, por exemplo, falar-se de Yolanda como se se estivesse a falar de Cesária Évora ou de Youssou N’dour que são pessoas que não passam despercebidas”.

De uma ou de outra forma, “para mim é sempre salutar ter em mente que, no mundo da música, tenho um objectivo. Por isso prefiro ficar muito tempo no anonimato, mas no final conseguir realizar um trabalho que seja para o bem geral da sociedade”.

A noite é do diabo!

Há vezes que a vida, nos seus diversificados contextos, nos coloca numa situação em que somos o paradoxo das nossas crenças e ideais. O trabalho não é excepção à regra. Uma das coisas que não está de acordo com os princípios da nossa interlocutora é a diversão nocturna. No entanto, contrariamente a isso, a night é o espaço do tempo glorificado pelos promotores de eventos e divertimentos públicos da capital moçambicana.

Mesmo quando algumas pessoas, como Yolanda, sintam e defendam em função das suas vivências que “os espectáculos nocturnos são para um grupo limitado de pessoas”. Aliás, sobre o assunto, a cantora engendra uma pergunta interessante: “Porque é que os artistas que exploram músicas produzidas pelos computadores têm sido bem-sucedidos?” Para si, a resposta é simples: “Eles são promovidos na televisão durante o dia. Por isso são muito conhecidos”.

O mesmo já não se pode dizer em relação aos artistas que tocam Jazz, por exemplo. “Estes trabalham à noite, e muitas vezes de madrugada, a tocar para pessoas, não raras vezes, embriagadas. A situação é simplesmente triste”, desabafa.

Como tal, “se eu tivesse poder, uma das coisas que gostaria de resgatar são as matinées dançantes. Elas são necessárias e fazem falta”.

É que, uma vez que escasseiam concertos vespertinos, muitos admiradores “só conhecem os artistas pela televisão, porque não podem participar nos eventos realizados a altas horas da noite. Eu penso que até 20.00 horas é tarde para que pessoas de tenra idade e/ou adolescentes estejam fora do seio familiar, simplesmente porque estão no espectáculo”.

É por isso que “as crianças que frequentam bares e discotecas devido à exposição ao consumo de álcool, de tabaco, entre outras drogas, tornam-se delinquentes. Na verdade, a noite é do diabo. E é como se eu trabalhasse para ele. De qualquer modo, penso que é possível mudar esta situação. É uma questão de boa vontade”.

Ora, “quando digo que estou a trabalhar para o diabo não me refiro ao público que demanda os meus concertos mas falo sobre a noite como escuridão, o espaço em que prevalece o mal, onde as pessoas têm a independência e a liberdade (?) de falar de forma desmedida sempre que se referem aos artistas, sobretudo os do sexo feminino. Isso é degradante”. Aliás, “eu gostaria que a minha mensagem tivesse (outros e) melhores grupos-alvo. Não que esses não sejam os ideais, o problema é que nem sempre estão conscientes”.

Mulher (in)consciente

Quisemos falar da mulher, a figura central de uma sociedade e que, felizmente, em Moçambique começa a conquistar o seu espaço, o que é reconhecido por Yolanda apesar de algumas reservas. Quisemos perceber a sua motivação, por isso engendramos mais uma simples pergunta: “Porquê?”

Yolanda Chicane defende que na área da música, “nós, as mulheres, ainda não estamos a trabalhar muito. O primeiro aspecto é que ainda somos poucas. No entanto, não sei se será uma ofensa, mas a maior parte deste número limitado apresenta-se à sociedade de forma desnuda. Será que é essa a emancipação da mulher que se pretende?”

Felizmente, nas outras áreas de produção, “consigo visualizar algum desenvolvimento feminino. A mulher hodierna não é a mesma que ontem era espancada sem fundamento, e muito menos com direito à defesa. Mas nas lides da música, a mulher sofre outro tipo de promoção perversa: promove tudo, o corpo inclusive. É muito triste apesar de parecer insignificante”, diz.

Então, a mulher moçambicana na música experimenta cenas muito tristes. “É por essa razão que elas desistiram da música. Há muito assédio”. O que não se percebe são as razões da indiferença feminina

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