São carregadas às costas, bem perto do corpo da mãe. Andam em grupos fardados de verde e branco, a caminho da escola. Caminham descalças, brincam com inventos de brinquedos tão reais como pneus, paus, arames… Ao lado da minha porta vêm dar-me os bons dias: – Titia, quando vais nos levar ao teatro? – Mas pequenote, essa peça não é para crianças… – ele cresce na ponta dos pés. – Mas eu já tenho 10 anos! – Um dia levo-te. – Ah, estás a mafiar!
Aqui, em África as crianças são muito importantes, dizem- me. São a riqueza das famílias, as meninas significam um dote, os meninos trazem para os pais uma outra filha, a nora. Em algumas tradições as crianças são educadas pelos tios e não pelos pais, para fortalecer a unidade familiar, noutras logo que a menina atinge os cinco anos de idade é entregue à avó para tratar dela na velhice.
Muitas vezes, neste continente, espantam-se por eu não ter filhos, e logo saem as perguntas, – Mas senhora não pode? – dizem com tristeza. – Não quer? – o desdém estampado no rosto. Diz um provérbio africano: “Se a mulher não pode ter filhos, deixa-a carregar nas costas uma pedra.” E sinto cada vez mais o desperdício. Os deuses castigam, bem sei, quando recusamos as coisas boas. E tantas vezes deixamos a riqueza pelas ruas…
Maputo tem crianças nas ruas, a pedir, a mendigar. Não sabemos todos, de cor, as esquinas, os degraus, os semáforos onde estão? Não conhecemos tão bem os rostos, a cor dos andrajos, a frase com que nos abordam, a maneira como dançam o som do chapa que passa, ou como se batem pela moeda que receberam.
As de olhar triste e assustado, as de olhos sabidos e atrevidos.
As que falam, as que só estendem a mão.
As que correm para o carro.
As que ficam a olhar mais de longe.
As que tentam vender coisas, guardar o carro, carregar os sacos.
As que podem roubar e matar. As que dormem enroladas numa camisola e as que se aninham juntas, em famílias improvisadas.
As que jogam à bola com pedaços de papel.
As que são respeitosas e as que são rudes.
Não sentimos todos a hesitação da esmola, o que dar, se dar. Moeda, comida, mais ou menos meticais para o que vive na rua. Todos sabemos, todos conhecemos. Então? Saio do restaurante. A noite está fria. Uma criança descalça passa, veste apenas uma t-shirt, demasiado grande para o seu tamanho. Senta-se no chão, encolhe as pernas e estica a t-shirt até a tapar dos pés à cabeça, deita-se de lado, em posição fetal, e prepara-se para dormir enrolada no seu casulo de algodão, nas costas ainda se vê desenhada na cor gasta o logótipo da BP.
No caminho para o Bairro da Liberdade passo o caminhode- ferro, todos os dias aproximadamente dez crianças trabalham aqui, vendem rolos de papel higiénico das oito da manhã às dezoito horas. Estão de pé, carregadas com os enormes sacos, – Cinco! Cinco! Cinco! Cinco! – gritam o seu produto para vender, perseguem os carros, recebem a moeda… todos os dias.
Na rotunda de entrada em Maputo, naquela água parada lavam as pernas algumas crianças, despem as calças e esfregam no alcatrão os pés. Um carro passa, salpicaos, de novo se baixam a apanhar a água, com cuidado, lavam as pernas. Nenhuma criança devia viver assim.