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XÏÏKWEMBO – Jobando na Rua Araújo

XÏÏKWEMBO - Respirar

Ela grita bem alto, na rua Araújo – ali no cruzamento com a Rua da Mesquita – todos ouvem, todos olham. Os estrangeiros? Nem um olhar – entre o pudor de observar o corpo bem despido e bonito e o forçado profissionalismo fingem que ignoram – todos repentinamente surdos, cegos, sem desejos. – Assim estão aqui, não é? A incomodar meu trabalho! – depois em tom baixo, para um dos curiosos que observam – E eu hoje até estava de folga mas foi esse meu amigo da mcel que me disse que vocês vinham aqui na minha esquina, e eu vim logo! 

Para, quem sabe, se precisam de ajuda! Porque esses mulungos, nem companhia, não tem! E tu, queres companhia? Os estrangeiros são nervosos, e gritam, toda a gente sabe, o mulungo grita: – Ei aqui estamos a trabalhar, quando disser silêncio quero silêncio, ok? – Nada! Porque não vão apanhar esquina noutro lado? Eu mesmo não quero ninguém aqui com constipação nos sovacos!

Mas aqui minha terra, eu não calo! Se estão no meu sitio! É para eu trabalhar aonde afinal? O estrangeiro não reage e continua a trabalhar. É preciso continuar a trabalhar, como se ignorar o real dos lugares que nos incomodam, que não entendemos, que chocam com o nosso viver… como se esse ignorar o enfraquecesse. – Ok, atenção vamos começar… – ela continua o grito – – Aqui não há constipação nos sovacos! Esta esquina é de qualidade! – eu decido esquecer o grupo onde supostamente pertenço – poucas coisas me dão mais prazer – e sigo nos caminhos difíceis e ambiciosos da comunicação. – Mana, como estás? Tudo bem? – ela é apanhada de surpresa.

Compõe os cabelos, desce a mão que mantinha na anca, quase na linha da mini-saia desde que começara a falar, e diz com pompa, as palavras bem articuladas nos lábios pintados de laranja: – E eu estou bem, não sei do seu lado! – Mana, qual é teu nome? – Jeje, obrigada! – mudando repentinamente o tom, o olhar, o gesto.

Os estrangeiros continuam a utopia do ocidente, desde que continue o trabalho tudo vai bem. – Silêncio! – não se faz silêncio mas o silêncio foi pedido e seguimos o trabalho, e isso já é alguma coisa. – Som? – pede-se que o som comece a ser registado e a verdade é que merece ser registado, embora os micros apontem para a cena…

– Está a andar…

– Eu aqui não quero ninguém encostado sem pagar! E eu quero trabalhar e não quero minha cara aí nas máquinas, que eu, hi! Mesmo ao Faces não vou, que não gosto! E eu…

– OK, CORTA!

– Jeje?

– Sim, mana!

– Agora ali os whites estão a trabalhar e se eu pedir para calar tu calas, né?

– Ok mana, não tem problema, obrigada!

– Atenção, Som? – Está a andar…

– Porque se eu na vossa terra for…

– Jeje? – Sim, obrigada?

– Miela-te lá! Que eu também estou a jobar aqui!

– OK! Filmámos na Rua Araújo até às 3horas e quando passo para casa, no final, grita a Jeje:

– Ei, vizinha, amanhã? Voltas amanhã para trabalhar? Na passagem duas ou três pessoas voltam a cabeça, eu só respondo: – Tátá!

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