Os nossos leitores nomearam as Xiconhoquices do ano: Autoridades alfandegárias; Combustíveis contaminados; Desporto moçambicano, confira porquê
1. Autoridades alfandegárias
Em Moma, na província de Nampula, as autoridades alfandegárias residem em casas disponibilizadas pela empresa KENMARE. Há, nesta relação, um problema de conflito de interesses. Porém, isso nem é o mais grave na ordem das xiconhoquices que nos chegam da capital do Norte. Ou seja, para além das residências, o poder da KENMARE, num país que se diz soberano, é semelhante ao de um senhor de escravos. Literalmente a KENMARE pode tudo.
O número de toneladas que esta empresa exporta não é fiscalizado pelos serviços alfandegários. Estes não têm condições técnicas nem meios para verificar. Estamos, portanto, diante de uma situação que expressa, da pior forma, a fraqueza e ausência do Estado onde realmente importa. O que sai ou entra no país é determinado pelos interessados e nunca por nós.
Esta situação caricata retrata fielmente o país que somos e o grande interesse que temos em continuar fragilizados. Talvez, desse modo, seja mais fácil governar um punhado de asnos. É que o Governo, na pele das autoridades alfandegárias, devia, mais do que ninguém, compreender que não existem almoços grátis.
É aí onde reside a xiconhoquice desta aparente falta de meios das autoridades alfandegárias. Um sector que rende dinheiro não pode ficar privado de condições para trabalhar e nem deve andar a reboque de multinacionais. Sobretudo quando este mesmo sector é uma grande fonte de divisas.
2. Combustíveis contaminados
Há xiconhoquices dignas de um óscar no cinema da pouca- vergonha. A que foi protagonizada pela directora nacional dos combustíveis ultrapassa qualquer expectativa. Disse, a senhora, do alto da sua sapiência e sentimento de justiça que os automobilistas, com provas, deveriam pedir responsabilidade às bombas de combustível. Disse-o, assim, sem lavar a boca, que outras vítimas devem arcar com a responsabilidade que cabe ao Estado.
E o que aconteceu depois? Apareceu o Ministro da Energia, Salvador Namburete, a dizer que parte das viaturas danificadas (67) já tinha sido reparada a expensas das empresas distribuidoras de combustível. O custo médio da reparação foi de 30 mil meticais e saiu, na totalidade, de empresas que foram vítimas da negligência de um Ministério.
“Acidentes e incidentes como o da recente contaminação da gasolina acontecem, o que nos coloca um desafio permanente de aprimorar os nossos métodos de trabalho para a prevenção da sua recorrência”, disse Namburete, sublinhando que, para o caso vertente, a responsabilidade da reparação de danos recai sobre as distribuidoras do produto. Se isto não é xiconhoquice das mais refinadas, então o que é?
E a responsabilidade do Governo? Quem deve fazer testes de qualidade? São as empresas distribuidoras de combustível ou o Estado? Que crime as empresas distribuídas de combustível cometeram? Se a responsabilidade recai sobre elas a quem estas devem pedir contas? Como é que o Governo se exime, assim de forma tão descarada, de uma responsabilidade que é exclusivamente sua?
3. Desporto moçambicano
O desporto em Moçambique é, regra geral, uma área com a qual o país não pode contar. É um sector da Pátria visto pelos seus próprios dirigentes como se de simples entretenimento se tratasse, cabendo aos seus fazedores reunir esforços para tornar a competitividade possível.
Se, por um lado, há unanimidade entre as federações desportivas nacionais sobre as razões do marasmo em que se encontra o nosso desporto, todas elas desaguando no aspecto financeiro, por outro, não é menos verdade que a necessidade de obter ganhos financeiros individuais é que faz com que algumas pessoas abocanhem cargos federativos de modo a (ob)ter dividendos e colocar o país onde nunca devia estar.
No presente ano, nada foi diferente, embora persista a tentativa de enganar os moçambicanos com alguns equivocados resultados desportivos, como foi o caso da nossa participação nos Jogos Olímpicos de Londres, bem como da recente fase de qualificação para o Campeonato Africano das Nações – cuja miragem conheceu o seu término no memorável inferno de Marraquexe.
A aclamação, por exemplo, do relatório de contas referente ao ano de 2011 da Liga Moçambicana de Futebol (LMF) em nenhum momento encobre os casos de corrupção que nunca chegaram a ser esclarecidos. Isto para não citar o próprio Alberto Simango Júnior que admitiu existirem casos de corrupção e de bruxaria no futebol moçambicano, ficando-se só na promessa de a combater como, aliás, nos habituaram os políticos.
O país, longe de obter resultados desportivos, manteve o seu estilo característico: ter uma piscina olímpica que serve de habitat de cobras e lagartos, enquanto, por outro lado, os nadadores apinham-se para treinar numa piscina de dimensões inferiores a que usam em competições internacionais. A presença nefasta de serviços alfandegários que continuam a reter, nas fronteiras, equipamento desportivo como bolas, troféus, redes.
Perante a inoperância de um Governo que se afunda no deixa-morrer mostram o nosso descaso colectivo em relação ao desporto. Somos um país cujo campeão nacional do desporto rei não recebeu a taça de campeão, com o agravante de o mesmo ter optado por afundar-se numa crise sem precedentes porque os seus dirigentes, esses, no lugar de ficarem unidos, querem tirar o máximo proveito do campeonato.
Uma questão que hoje em dia se coloca é: vale a pena Moçambique (a nível desportivo) ser conhecido fora do país se internamente os seus atletas não encontram o mínimo de consideração? O mesmo aplica-se no terrível facto de o país só conhecer as antigas glórias do desporto quando as mesmas perdem a vida e, ainda assim, não merecerem a mais singela homenagem.