Um ano é muito pouco, mas foi tempo suficiente para apagar da memória dos moçambicanos as medidas de austeridade nascidas na ressaca das manifestações de Setembro de 2010. Uma passagem por Magoanine, Benfica e Inhagóia mostra que as causas persistem…
Para amainar os ânimos depois das manifestações de 1 e 2 de Setembro, o Governo moçambicano adoptou o sistema de aplicações de remendos, anunciando um pacote de medidas (supostamente) de austeridade.
A primeira reacção à notícia foi de vitória para os que se fizeram à rua para protestar contra a subida de preços dos bens básicos, até porque tudo indicava que assim aconteceria, não fosse o dia histórico em que as mesmas foram anunciadas (7 de Setembro) pelo ministro de Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, depois de uma sessão extraordinária de Conselho de Ministros.
Volvido aproximadamente um ano após o anúncio de medidas de austeridade, as razões que levaram às reivindicações prosseguem em lume brando: o povo continua a pagar o arroz mais caro, apesar de que o Governo decidiu baixar o preço deste cereal (3ª qualidade, que até hoje poucos viram no mercado) em 7 porcento, deferindo os direitos aduaneiros sobre o produto. As panificadoras continuam a reduzir o peso do pão. As contas de luz e água continuam caras, pois os 100kWh já não duram um mês e é impossível viver com cinco mil litros de água mensalmente, sobretudo para um agregado familiar de cinco pessoas.
Aliás, um levantamento feito pelo Jornal @Verdade constata esta realidade: as medidas de austeridade ainda não tiveram os efeitos desejados na vida dos moçambicanos, dos quais cerca de 70 porcento enfrentam uma situação de extrema pobreza nas áreas suburbanas e rurais e com um deficiente acesso aos serviços básicos.
Mas o Executivo de Armando Guebuza garantiu que conseguiu poupar cerca de 3,9 milhões de meticais como resultado do congelamento do aumento dos salários e subsídios dos dirigentes superiores do Estado, da redução de viagens aéreas dentro e fora do país, das ajudas de custo e dos subsídios para combustíveis, lubrificantes e comunicações.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), 2010 foi um ano difícil para os moçambicanos, pois a subida de preços atingiu 3.4 porcento – a maior escalada de custo de vida dos últimos anos – e os alimentos tiveram um peso importante. E numa ronda feita pelo @Verdade pelos principais mercados das cidades de Nampula, Matola e Maputo, pudemos verificar a subida desenfreada de preços de bens de primeira necessidade.
Ou seja, ao contrário do que as estatísticas dizem, o preço de produtos continua a disparar em flecha. Os bens alimentares como, por exemplo, arroz, farinha de milho, peixe, tomate, cebola, óleo, batata, farinha de trigo e ovos têm vindo a sofrer um aumento significativo que varia entre 15 e 20 porcento.
Onde está afinal o arroz de terceira qualidade?
A resposta é para já negativa, pois os preços de arroz continuam exorbitantes para o bolso dos consumidores moçambicanos.Nosmercados, não se encontra o rasto do famigerado arroz de terceira qualidade. As pessoas continuam a adquirir o mesmo cereal que antes consumiam, mas não pelo mesmo preço.
Um saco de arroz de 25 quilos, por exemplo, que no ano passado custava 550 meticais, hoje é comercializado a 650. Desde o arroz Tia Rosa, a 750 meticais o saco, passando pelo Xirico com uma variação de preços entre 620, 625, 650 e 720, até ao Coral, a 730. Tudo nos locais onde o povo compra o preço foi aumentado assim mesmo, de um momento para o outro, ante a raiva autêntica mas impotente das donas de casa.
Em suma: o povo continua a pagar o arroz mais caro, mesmo depois de o Executivo de Armando Guebuza ter decido baixar o preço deste cereal (3ª qualidade) em 7.5 porcento, deferindo os direitos aduaneiros sobre o produto.
As contas de água e luz continuam caras
Quando o Governo moçambicano, sob pressão da população, decidiu, no que respeita à corrente eléctrica, retirar o aumento anunciado na tarifa de energia para os consumidores de escalão social dos consumos mensais até 100 kWh, os de escalão doméstico cujo consumo mensal se situa entre 100 e 300 kWh, de 13.4 porcento para 7 porcento; e, no tocante à água, manter inalterada a tarifa de água de 150 meticais/mês para os consumidores até 5 metros cúbicos, equivalentes a 5 mil litros, a primeira reacção dos populares foi de alívio.
A população tinha a certeza de que não seria necessário fazer malabarismos hercúleos para pagar as contas daqueles serviços básicos. Hoje, aproximadamente um ano depois, a certeza não se mantém, pois o povo sente que as medidas não tiveram impacto nas suas vidas como esperava que acontecesse.
A título de exemplo, o cliente cuja instalação usa contador do tipo pré-pagamento, vulgo CREDELEC, despendia 200 meticais por mês, usando três lâmpadas de 100 watts de potência cada, ferro de engomar, aparelho de TV, DVD e um frigorífico. Mas presentemente, com os mesmos bens eléctricos, tem de gastar mais 100 meticais porque os 100 kWh já não duram mais de um mês, mesmo seguindo à risca os conselhos da distribuidora nacional de energia eléctrica.
Em relação à água, para os consumidores até cinco metros cúbicos, correspondentes a cinco mil litros, é quase impossível viver com essa quantidade de preciso líquido durante um mês, sobretudo quanto se tem uma família-tipo em Moçambique que é constituída por pelo menos cinco pessoas.
Feitas as contas constata-se que cinco mil litros mensais correspondem a 167 litros diários que divididos, por exemplo, por cinco indivíduos de um agregado familiar equivalem a 33 litros por cada pessoa.
Geralmente, a descarga (ou autoclismo) gasta até 6 litros de água de uma única vez. E uma casa de cinco pessoas, onde cada uma acciona a descarga pelo menos duas vezes por dia, o desperdício em um mês será de mais de 1500 litros de água. Um banho de chuveiro durante 10 minutos chega a consumir 20 litros de água diários, enquanto um banho de caneca consome quase metade; e se os membros da família tomam banho duas vezes por dia, gastarão num mês entre os 3 mil e os 6 mil litros de água. A esses gastos mensais não estão agregados os de lavagem de roupa e louça, confecção de alimentos e consumo.
E a história do pão?
Quando o Governo decidiu subsidiar a aquisição da farinha de trigo, uma medida que visa(va) congelar os aumentos no custo das matérias-primas na cadeia de produção do pão, os consumidores passaram a queixar-se da redução do peso daquele alimento protagonizada pelas padarias.
Mas algumas pessoas acreditam que a situação é já antiga, uma vez que falta inspecção ou fiscalização às padarias, e o assunto só veio a terreiro quando o preço dos produtos começou a atingir níveis insustentáveis para os consumidores.
A legislação que serve de bengala para o Instituto Nacional de Normalização e Controlo de Qualidade (INNOQ) nesta matéria é do tempo colonial. A mesma refere que o peso do pão apresentado na tabela deve corresponder ao produto final e não a massa do pão antes de entrar no forno.
Entretanto, foi criada uma equipa multidisciplinar constituída por técnicos do Ministério da Indústria e Comércio (MIC), da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e os panificadores para trabalhar em diversos aspectos de modo que o peso do pão que chega ao consumidor corresponda ao estabelecido por norma datada de 1941 e que vai de encontro a outra em vigor na região. Mas até agora nada mais se ouviu falar.
Fomos à procura do pão de 250 gramas. Em reportagem, @Verdade fez uma ronda pelas padarias espalhadas pelas cidades de Nampula e Maputo e constatou as seguintes tendências: ao invés dos 250g de peso estabelecido por cada unidade, há casos de padarias que comercializam pão com um peso muito abaixo, o que mostra que a tentativa de persuadir as padarias – subsidiando o preço do pão – a congelarem os aumentos no custo, que levaram as manifestações violentas, não surtiu efeito.
A título de exemplo, o pão vendido numa padaria algures em Nampula, que devia supostamente pesar 250 gramas, tem 66g a menos, ou seja, 184g por unidade. Noutros pontos da cidade, constata-se a mesma realidade. Situação idêntica verifica-se em Maputo, numas das padarias do bairro de Benfica onde o pão de 250g pesa 159. Nas padarias Malhangalene, Jardim e Zona-Verde, o produto, em média, pesa 191, 140, e 161 gramas, respectivamente. Esta é uma realidade conhecida pelas autoridades moçambicanas e até mesmo reconhecida pelos próprios padeiros.