Eram quatro da tarde quando senti os vidros a estremecerem. Pensei que fosse novamente o tremor de terra que, no ano anterior, acordou Maputo de madrugada. Não era. Ao mesmo tempo alguma coisa tinha acontecido, uma vez que aquele estrondo não era habitual.
Aprendi a reconhecer os relâmpagos e as trovoadas ao longe, nesta cidade que consegue ter quatro estações num só dia. Já não me assusto com facilidade quando eles rebentam mesmo na minha cabeça, mas aquele som estrondoso e os vidros das janelas a estremecerem puseram-me em sentido! Horas depois “fui informada” de que o paiol de Mahlazine tinha explodido. “Paiol, que paiol?”, questionei-me.
Lá me explicaram que “láááááá onde guardam as armas” tinha “rebentado” e que milhares de famílias tinham ficado desalojadas. Esta tragédia custou também o afastamento de um ministro, bem como uma data de suspeições e opiniões contraditórias sobre o que aconteceu. O lado positivo deste trágico episódio foi o facto de ter despertado no jovem cineasta Mickey Fonseca a vontade de retratar o quotidiano dos moçambicanos que moram nos arredores da ‘town’.
Aqueles que diariamente passam por várias privações, que se acumulam às escassas condições de trabalho, bem como aos precários transportes que têm de “subir” para chegar às suas casas. Ao Mickey juntou-se o Pipas Forjaz que tinha a seu cargo a captação e edição desta ‘curta’ que foi lançada a semana passada na Estação dos Caminhos-de- Ferro. Não pude estar presente, o que tenho muita pena, mas andava ocupada com o que não devia! Eles não me perdoaram e até tive direito a um raspanete merecido! Mesmo assim sei que tiveram a homenagem merecida e acredito que fazem parte das novas promessas “made in”, ao lado de muitas outras que se destacam por diversas áreas, como vou contar para a semana.
Além de serem “sangue novo” na história do cinema moçambicano, têm a humildade de saberem ouvir os “mais velhos”. Trabalham com uma equipa quase familiar, devido aos escassos recursos que se conseguem reunir para o cinema moçambicano. “Mahla” conta a “história da triste relação entre uma enfermeira que se esforça em manter o seu trágico casamento com um agente imobiliário que também vive do roubo para sustentar o seu vício pelo consumo do álcool.
Pelo meio, a explosão do paiol de Mahlazine vem tornar ainda mais trágica a história do casal.”* O filme aborda a questão da violência doméstica e chama a atenção à razão pela qual uma mulher não se consegue libertar com tanta facilidade deste tipo de relações que ao serem contadas têm sempre solução. O pior é que o que está dentro dos nossos corações…
No mês da mulher só posso agradecer este presente – pouco cor-derosa – mas que chama a atenção para os pormenores da vida real.
Um bem-haja