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A Ntyiso wa wansati: Ver para querer

Quando te conheci e pensei que me podia apaixonar por ti, imediatamente pairou sobre a minha cabeça uma nuvem imensa, como as que milhares de mosquitos formam sob o céu da Comporta, ao final da tarde, quando o sol se começa a despedir na praia para adormecer atrás das ondas.

Associo a desconfiança a nuvens, tal como associo a tristeza, a dúvida, o medo, a mudança e a saudade. Em pequena, imaginava caras, castelos, casas, barcos, braços que se estendiam pelo céu, a mão de Deus a chegar à terra, envolta de branco e de pureza. Mas isso era quando ainda acreditava em Deus e nos homens. Agora, só acredito em mim.

Uma mentira nunca é só uma mentira. Esconde um mundo de equívocos e de incertezas, um mar de dúvidas, semeia a confusão e a tristeza. Mas uma mentira também é um risco calculado, um exercício de imaginação e um desafio à memória.

Todos os mentirosos que conheço são compulsivos e a maior parte deles acredita piamente no que diz quando está a mentir. Acredita que, naquele momento, está a dizer a verdade. E talvez seja, mas é a sua verdade, uma verdade que ninguém mais conhece ou partilha.

Os homens mais encantadores que conhecieram mentirosos profissionais. Sentados numa esplanada à beira-mar, eram capazes de me prometer um mundo perfeito e de me levar pelos caminhos da imaginação aos lugares mais desejados, enquanto construíam comigo tudo o que eu mais sonhava.

Os homens mentirosos são um bocadinho advogados, um bocadinho escritores e um bocadinho tristes, porque sabem que o que dizem é mentira, que nunca vai acontecer e que, quando virarem as costas aos sonhos que inventaram, deixarão atrás de si um monte indescritível de destroços.

Não acredito que, mesmo quando não olham para trás, não tenham saudades de todos os sonhos partilhados que, por medo ou incompetência, nunca conseguiram realizar.

Foi o que fizeste, depois de um ano de silêncio, quando quiseste regressar à minha vida, onde a calma te tranquiliza o espírito sempre em conflito e o medo desaparece por raros e breves momentos.

Talvez seja por isso que mentes, porque tens medo de tudo. Tens medo de crescer, tens medo de falhar, tens medo de deitar a perder aquilo em que acreditas, tens medos que os outros percebam que mentes e nunca mais confiem em ti.

Quando quiseste voltar, não soube o que te dizer. Não soube como te explicar que não me posso apaixonar por um homem que não sabe o que sente e que por isso mente, mente aos outros e a si mesmo, mente com medo de não agradar, mente porque sabe que as suas mentiras, ditas com toda a sinceridade, lhe poderão dar o benefício da dúvida.

Não posso querer a meu lado, a partilhar os fins de tarde na Comporta, enquanto o sol se esconde e a lua se acende a cada noite em fatias mais cheias, acreditar em promessas vãs, projectos sem futuro, sonhos sem realização.

Mas posso sempre ser tua amiga e puxar-te o balão para baixo, pedir-te que aprendas a gostar mais de ti para respeitar melhor os outros. Posso sempre ser tua amiga, desmontar- -te as conversas como quem derruba um castelo de cartas, rir-me do teu talento para encantar as mulheres, para depois as enganares num mar de dúvidas e confusão.

Talvez um dia aprendas a ser diferente, a não ter medo de desagradar em favor da verdade, a construir todos os dias uma relação de confi ança com alguém, porque isso é que é amor. O amor não se desenha nem se canta, o amor constrói- se e protege-se. Estou cansada de versos, presentes e promessas, quero mais e melhor. Quero poder partilhar sonhos que não são mentira.

E da próxima vez que me sentar numa esplanada a ver o pôr-do-sol a fazer planos para o futuro, quero pensar que as nuvens já não me metem medo, porque posso acreditar outra vez nos homens, como quando tinha dez anos e via no céu castelos e os braços de Deus a proteger o mundo.

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