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Vem aí o Matsambane!

Vem aí o Matsambane!

João Cossa viveu a azáfama da proclamação da independência nacional, em 1975, o mesmo tempo em que começa a dedicar-se à música. E, com orgulho, acompanhou o nascimento do festival Marrabenta, nos anos em que o Pandza conquistava o seu espaço. O artista explica o aparente desaparecimento  das bandas no seguintes temos: “Os empresários conotaram as bandas com ratos dos seus bolsos”. Presentemente, pretende impor o disco Matsambane no mercado rural. Perceba como e porquê.

João Cossa é o principal baixista da famigerada Banda Vuthu Gaza do compositor e intérprete moçambicano, Domingos Honwana, ou simplesmente Xidiminguana. Tornou-se membro da referida colectividade artística em 1978, a convite de Francisco Domingos, o filho, já falecido, do guitarrista e líder do agrupamento. O mesmo era viola-solo.

Mas antes, em 1975, ainda que de forma efémera, João Cossa já havia passado por outras bandas, nomeadamente, Os Nascentes cujo vocalista, já falecido, era o músico Sozinho.

No ano seguinte, 1976, passou a tocar com os Maguluvezes, colectividade na qual permaneceu por tempo indefinido até que, quando o seu vocalista, Daniel, ressentindo-se das responsabilidades conjugais, partiu para África do Sul em busca de melhores condições de emprego, a banda desapareceu.

No princípio, Xidimnguana tocava sozinho mas quando decidiu criar a sua banda – reduzindo, assim, a dependência que tinha em relação a artistas como Alexandre Langa, Ernesto Zevo – criou a sua equipa. Foi nessas circunstâncias que João Cossa passou a trabalhar com o homem que, com o seu génio, faz a guitarra dizer palavras, respondendo às suas perguntas.

Recordando-se dos primeiros anos da República Popular de Moçambique, Cossa explica a dinâmica artístico-musical. “Nós fazíamos concertos em vários lugares no centro da urbe porque, nessa altura, existiam. Por exemplo, actuávamos nos cinemas Scala, Olímpia, 700, no Centro Cultural Universitário, no Café & Bar Gil Vicente, na Praça de Touros, nos complexos desportivos, entre outros espaços. Além, realizámos digressões dentro e fora do país”.

Não temos empresários

Questionado sobre se, ao longo da sua carreira,  houve tempo em que percebeu que o movimento musical em que participava se ressentia das transformações sociais, tendo desmoronado, João Cossa explica que se, contrariamente ao passado, agora parece que as coisas estão a mudar para o pior, em relação à música tradicional, “é pura e simplesmente porque já não temos empresários que apostam nesse género musical”.

“Na altura havia empresários como, por exemplo, Alex Barbosa, Damião Parruque, as Organizações Recreativo, a Gazatur Entretenimentos Lda, dirigida por Vasco Mathe, entre outros, que apostavam na nossa música. Recordo-me de que a Gazatur foi a primeira organização que trouxe os Soul Brothers, Penny Penny, e a Banda Makhanana, a Moçambique porque, nessa época, a cultura de fazer música em bandas vigorava”.

Entretanto, como depois “apareceram outros empresários e empresas – como a Bang Entertainment – que começaram a investir mais nos músicos que actuavam em ‘playback’. Essa organização, por exemplo, não apostava nas bandas e isso ainda prevalece. Ou seja, o que desapareceu foram os empresários, mas as bandas existem”.

É em resultado dessa realidade que músicos como João Cossa – que é instrumentista dos Vuthu Gaza –, por causa do cenário que se instalou, passaram a trabalhar noutros projectos, uma vez que a sua colectividade nem sempre tem actividades. É que, agora, os realizadores de eventos culturais quando chamam Xindiminguana – excluem a sua banda e – associam-no a outros instrumentistas seleccionados de acordo com critérios desconhecidos.

Então, a realidade impele-o a assumir que “as bandas existem, o problema é que não já não temos empresários que nelas apostam”.

Desafios que ‘finam’ os músicos

Na verdade, pelo que se pode perceber e deduzir, em função dos comentários do cantor, neste momento, o mercado está a impor novos desafios aos cantores como, por exemplo, o de se tornarem instrumentistas ‘freelancer’. Como é que eles o enfrentam?

Em princípio, está-se diante de um desafio complicado e difícil, mas que há uma mais-valia em enfrentá-lo. Até porque, antigamente, por causa da inflexibilidade das bandas, “eu só sabia tocar as músicas de Xidiminguane, acompanhando-o nos seus concertos. Mas agora, estou a aprender novas maneiras de ser e estar na música. Aprendi a tocar a viola-baixo para acompanhar a Timbila. Isso nunca antes havia acontecido comigo. Na semana passada participei num concerto de dança contemporânea, Utomipia, de Virgílio Sitole, produzindo música para os bailarinos, e penso que estas são outras experiências que me enchem de glória”.

O que o baixista pretende explicar é que se, por um lado, “esses desafios são bons para quem está predisposto a aprender, por outro, para quem não tem a flexibilidade de aprender corre o risco de ser engolido pelo mercado. Esse artista está condenado a ficar à espera da banda que, no contexto actual, dificilmente é solicitada para fazer ‘shows’, complicando-se assim a sua vida”.

Matsambane

O substantivo é changana e é o nome tradicional de João Cossa. Quando flexionado, nesse idioma, gera adjectivos que nos remetem à ideia de algo saboroso, açucarado, ou bem temperado. É assim que João Cossa qualifica o seu segundo trabalho discográfico com o mesmo título – Matsambane.

Por exemplo, “as pessoas dizem que o açúcar é doce, reconhecendo que essa doçura se deve ao facto de ter sido feito a partir da cana-doce que – de forma metafórica – sou eu, enquanto Matsambane. Ou seja, tudo o que é bom é feito por esta figura”, explica.

Com 10 faixas musicais, o referido trabalho discográfico já está produzido, faltando, apenas, disponibilizá-lo no mercado. No álbum, o artista explora temas do quotidiano – quase, exclusivamente, da vida suburbana e rural – sendo, por isso, que é lá onde quer distribui-lo. Mas ainda existe um impasse: “Tenho de gravar um disco em DVD”.

E não lhe faltam argumentos: “Escutar a música já não basta, as pessoas também querem ver. Por exemplo, se você pegar um trabalho discográfico e eu levar um DVD e, ambos, sairmos a fim de vender, em Chókwè, perceberá que quem irá vender mais sou  eu – porque as pessoas querem escutar as músicas, mas, ao mesmo tempo, ver no ecrã do televisor o cantor”.

Uma autobiografia

Sou João Cossa. Nasci no distrito de Chibuto, na província de Gaza, no dia 05 de Outubro de 1961. Frequentei o ensino primário na Cidade de Lourenço Masques, onde cheguei em 1969, depois de os meus pais se terem divorciado.

Fui impelido a abdicar do ensino quando frequentava a 6a classe, na Escola Secundária da Polana, por limitações financeiras. É que, na altura, praticamente, passei a desempenhar o papel de pai ou marido da minha (própria) mãe. Recordo-me de que houve vezes em que, regressando da escola, devia vender rapé – rizadas – a fim de ter dinheiro para comprar cadernos.

Algum tempo depois, entre 1973 e 1975, comecei a trabalhar numa carpintaria.

A minha primeira gravação musical ocorreu em 1989, com o registo do tema Vizinho, com o qual, no ano seguinte, participei no Ngoma Moçambique, antes de – no mesmo intervalo de tempo – gravar a música Joana Nkhata que acabou por ser o título do seu primeiro trabalho discográfico, publicado pela J&B Recording, em 1999, com oito faixas.

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