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“É nosso. Temos de trabalhar para o Governo!”

“É nosso. Temos de trabalhar para o Governo!”

Na sua recente e efémera presença em Maputo, o Grupo de Dança Tradicional Chibango, da Vila de Gorongosa, na província de Sofala, travou uma conversa com o @Verdade, cujo conteúdo o estimado leitor é convidado a acompanhar. Nem vale a pena dizer que não se arrependerá.

Era uma vez, há muito muito tempo, na altura em que ainda viviam os nossos antepassados, no distrito de Gorongosa, na província de Sofala, houve seca e as machambas tornaram-se improdutivas.

A partir daí, os nossos antepassados – com destaque para os líderes – juntaram-se com a comunidade a fim de resolver o problema ambiental, a seca, que causava fome. A solução encontrada foi a realização de um ritual em que, durante um mês, as populações cantaram e dançaram invocando os espíritos dos seus ancestrais, rogando por bênçãos.

Algum tempo depois veio a chuva. As populações ficaram felizes. Começaram a semear e houve uma boa produção nas machambas. No fim, colheram os cereais e produziram uma bebida alcoólica. Criaram uma cerimónia tradicional – chamada mhamba – e ofertaram o álcool, hángua, aos espíritos em reconhecimento ao seu apoio, ao mesmo tempo que diziam palavras de gratidão.

As festividades prolongaram-se. As comunidades que participaram no ritual, caracterizado pelo canto e pela dança, criaram os Nghoma, batuques, e, utilizando a parte metálica dos machados e enxadas, produziram uma melodia. Dançaram! Instalou-se um ambiente de festa na aldeia. Os nossos antepassados preconizaram que aquele ritual devia ser perpetuado no tempo e no espaço, porque se havia tornado um símbolo da nossa tradição.

O outro facto importante é que, eles, os ancestrais, não determinaram um tempo específico do ano em que a cerimónia devia ser realizada. Por isso, realizamo-la em qualquer período, na província de Sofala. Crianças, adultos, homens e mulheres de todas as idades, juntos, celebram na dança de Chibango.

Ao certo não sabemos quando é que se fez  a primeira cerimónia. O certo é que foi há muito muito tempo. E nós devemos segui-la por toda a eternidade.

De qualquer modo, recentemente, em 2007, eu, José Chiringa Luís, o chefe do grupo Chibano e o meu subchefe, João Nhagumbo, decidimos adoptar o nome de Grupo de Dança Tradicional Chibango de Mapaza por uma questão de identidade. Antigamente, a nossa colectividade era conhecida pelo nome de grupo de Mapaza apenas.

José Chiringa Luís: A bebida tradicional hángua faz-se a partir de mapira que se mergulha na água, seguindo alguns procedimentos depois. Mas a cerimónia, em si, chama-se mhamba e assemelha-se ao kuphalha que se faz no sul do país. No mhamba, os anciãos dirigem-se aos espíritos e fazem pedidos diversos, ao mesmo tempo que expressam gratidão pelas dádivas.

José Chiringa Luís: É verdade que há muitos grupos em Sofala que praticam a dança tradicional de Mapaza. Desconhece-se a quantidade exacta. No entanto, ela é mais explorada na Vila de Gorongosa.

José Chiringa Luís: No total somos 18 elementos na colectividade, 11 homens e sete mulheres. A reduzida quantidade de gente que veio a Maputo é condicionada por questões de logística.

José Chiringa Luís: Sempre que o Governo realiza eventos, nós somos convidados a participar. Já estivemos na província de Gaza, em 2008, no contexto de um Festival Cultural realizado. Por exemplo, em 2012, devíamos ter ido ao Festival Nacional de Cultura, em Nampula, mas as autoridades governamentais entenderam que se devia priorizar a participação do outro grupo.

José Chiringa Luís: Não temos nenhuma dificuldade. Por isso, sempre que formos convidados a realizar alguma actividade cultural, estaremos disponíveis. Sinto que, na verdade, nós precisamos de um fardamento – para nos identificar nas viagens – porque não temos.

José Chiringa Luís: Sim! Nós dançamos e cantamos com o sentimento de gratidão pela bondade dos nossos antepassados, seja em que lugar for. Em Maputo nós não apresentamos integralmente a coreografia que dura entre  oito e dez minutos. Por exemplo, excluímos a parte da mhamba em que os líderes tradicionais invocam os espíritos e servem-nos a hángua.

José Chiringa Luís: Não! Todos dançamos da mesma forma. Expressamos o mesmo sentimento. É verdade que as mulheres têm a sua forma peculiar de movimentar o corpo. São essas as marcas que as tornam diferentes dos homens.

João Nhagumbo: Como colectividade, neste momento não temos nenhum projecto. Apenas somos um grupo de artistas – sem planos.

João Nhagumbo: Os responsáveis do Parque Nacional de Gorongosa contactaram-nos, propondo-nos que devíamos ser a sua colectividade artística principal. E nós acatámos a proposta e passámos a fazer exactamente aquilo que eles queriam. É por essa razão que os nossos vínculos se mantêm.

José Chiringa Luís: Eu vim a Maputo, em 1978, quando se realizou o primeiro Festival de Dança Popular. Mas, desta vez, acho que ainda não temos ideia sobre que lugares visitaremos na capital. Esperamos que o pessoal do Parque Nacional de Gorongosa nos leve a conhecer a cidade.  Nós não temos esses planos.

João Nhagumbo: Quando eu estava em Gorongosa, planeava que assim que chegar à capital, gostaria de visitar o Estádio Nacional de Zimpento e a praia da Costa do Sol. Agora se surgirem outras oportunidades, logicamente, que irei aproveitá-las.

José Chiringa Luís: Nós só praticamos a dança. Somos artistas em tempo integral. Na província de Sofala, o nosso grupo é o principal que pratica esta modalidade artística. Somos muito conhecidos. É por essa razão que – sempre se realizam os festivais nacionais de cultura – nós já não competimos para participar. O nosso grupo é conceituado e não tem adversários. Há muitas colectividades locais, em Sofala, que nos chamam Grupo Nacional de Dança Mapaza. Outros ainda dizem que somos os Embaixadores da Cultura.

José Chiringa Luís: Nós não recebemos nada em troca das nossas actuações. Realizamos ‘shows’ de graça, excepto quando o pessoal do Parque Nacional de Gorongosa nos convida a realizar eventos. Mas, de uma forma geral, nas actividades do Governo não recebemos nenhum dinheiro. Temos participado em todas as actividades que o Governo realiza.

José Chiringa Luís: Não é normal. Mas como nós estamos aqui e esse Governo é nosso – temos de trabalhar para ele. Quando nós dançamos, o Governo compreende que temos um bom coração. E, assim, sempre irá convidar-nos nas suas actividades. É verdade que não fica bem quando nos chamam para realizar actividades de graça.

Eu penso que para o Governo, nós podemos realizar actividades de graça porque se trata do nosso Governo. Além do mais, em Sofala existem muitos grupos de dança tradicional e não seria possível pagar a todos. Isso não se faz. O Governo costuma levar grupos de dança tradicional para as suas actividades. Às vezes, dá-lhes o mata-bicho. Mas pagar mesmo – não se paga.

José Chiringa Luís: São os empresários. E eles devem pagar porque, em relação a eles, já se trata de prestação de serviços. É como se eles estivessem a alugar-nos. É verdade que nós já actuámos, várias vezes, no Parque Nacional de Gorongosa, mas para vir a Maputo tivemos de entrar em consenso. Aceitámos a sua proposta. Ao voltarmos, temos de ter alguma coisa para mostrar às nossas famílias que estivemos na capital.  Ora, quando se trata do Governo, não dá para cobrar nada além de um pequeno subsídio para transporte.

 

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