Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

“Vasculham-se” candidatos para a Universidade da Rua!

“Vasculham-se” candidatos para a Universidade da Rua!

Num futuro breve, se tudo correr conforme o planeado, o conceituado artista plástico moçambicano, Gonçalo Mabunda, irá fundar um novo estabelecimento de ensino superior no país – a Universidade da Rua. O sonho existe há três anos, mas o processo de selecção dos estudantes é muito antigo. Antes de mais, o escultor quer conhecer os seus pupilos até ao tutano…

Gonçalo Mabunda é um daqueles artistas cuja iniciação no “fantástico” mundo das artes plásticas foi fruto do mero acaso. No entanto, a qualidade dos resultados da sua produção não deixa de ser surpreendente.

Gonçalo, que já sonhou em tornar-se uma personalidade de dimensão de Picasso, Salvador Dalí, entre outros artistas célebres desta terra, descobriu a possibilidade de ser o que é a partir de um trabalho de que o povo moçambicano possui imenso orgulho: a “Transformação de Armas em Enxadas”.

A diferença é que as armas que – removidas dos escombros do conflito armado dos 16 anos que se instalou no país logo depois da independência – foram destruídas por Mabunda, tornaram-se objectos de arte. Ou seja, ganharam um valor sublime.

Nos princípios da década de 1990, Gonçalo ingressou na Associação Núcleo de Arte, em Maputo, como funcionário. Algum tempo depois, ficou infectado pelo vírus das artes de tal sorte que começou a dar os primeiros passos. Era/foi irresistível. Nunca mais desistiu. Em meados da mesma década, o artista inicia o seu trabalho com materiais metálicos.

Com a criação da “Transformação de Armas em Enxadas”, em 1997, (uma iniciativa dinamizada pelo Conselho Cristão de Moçambique), o artista empenha- se no aproveitamento do armamento para gerar a sua arte: “Na verdade, eu pretendia homenagear os milhares e milhares de compatriotas nossos que foram dizimados pela guerra, usando as mesmas armas”, considera.

É importante notar que, com esta experiência, foi como se o artista tivesse encontrado o buraco para a sua agulha: “Penso que foi a partir daí que tive a oportunidade de ser um artista mais moçambicano, mais africano, produzindo obras a partir de armas que haviam dizimado a vida dos nossos concidadãos e, ao mesmo tempo, talvez de alguns dos meus familiares”.

Mas mais do que isso, o autor da obra “O Viajante Inocente”, ao lembrar-se daqueles anos em que se definiu como um artista da paz, não consegue conter a emoção. É como diz em jeito de recordação. “Em cada arma que eu pegava – o artista continua a trabalhar com armamentos –, ficava com a impressão de que pode ser a mesma que tirou a vida a um familiar.

A partir daí, a minha relação com aquelas armas transcendeu a dimensão do simples fazer uma obra de arte. Conquistou um valor muito profundo, um desafio em que se aprende a conhecer o valor da vida, de modo que se possa opinar em relação aos fenómenos sociais que decorrem no país”.

Na verdade “O Viajante Inocente” é um homem, numa mota, que – depois da declaração da paz no seu país – decide viajar de Maputo a Rovuma e do Zumbo ao Índico. Esta obra, além da motorizada, é constituída por quase todas as armas que até aquela data haviam sido recolhidas no país.

Tratando-se de um continente como África, as pessoas – incluindo os moçambicanos – pensavam que a paz em Moçambique não duraria muito. Em oposição – e é bom que assim seja –, felizmente, “estamos num país interessante que é Moçambique que consegue ter muitos anos de paz. É um país exemplar. Gostaríamos que isso continuasse assim”, sonha.

Uma Universidade da Rua

Já há bastante tempo que Gonçalo Mabunda trava uma relação fraterna com os meninos da rua. Tanto é que o artista possui um conhecimento profundo da sua vivência. “A primeira vez que tive oportunidade, fui apresentar o Victor Carvalho – que é meu amigo – aos meninos da rua que também são meus amigos. Ele ficou maravilhado. Louco! Os meninos da rua que sempre estão connosco não roubam. São pessoas honestas. Eles apenas pedem esmola e sobrevivem”.

É por essa razão que “eu acho que tenho o dever de os resgatar – ensinando-lhes a trabalhar com material reciclável para produzirem objectos utilitários. Por exemplo, podemos realizar iniciativas como a criação de uma peça teatral em que eles participam como protagonistas. Para mim, eles é que são os verdadeiros actores. E são capazes”, diz o artista que nos revela que possui um projecto que se chama Universidade da Rua, a ser criado especialmente para abrigar os meninos da rua.

Na verdade, de acordo com Mabunda, “a Universidade da Rua é uma tentativa de explicar como os meninos da rua podem ser equiparadas a pessoas com nível universitário e sábias. É que eu não posso conseguir viver na rua. Mas, lá, eles passam dias e longas noites. Com ou sem problemas, eles conseguem viver. Às vezes, quando eles vêm para a minha casa, eu fico bastante aborrecido devido à sua condição social e humana”.

Pessoas honestas

Se existe uma pessoa – na sociedade moçambicana – que conhece as várias razões que movem as crianças a abandonar as suas famílias é Gonçalo Mabunda. Ele convive com os miúdos no seu habitat, a rua. Leva-os para o seu meio. Conhece-os profundamente e, por essa razão, pode defendê-los com conhecimento de causa.

Senão percebamos, por exemplo, “se eu fosse um calhorda iria fazer muito barulho na sociedade – na verdade, inventando mentiras – afirmando que quero criar um orfanato para as crianças a fim de roubar dinheiro, como fazem os outros. Não é isso o que me interessa. Primeiro tenho de aprender como é que eles vivem.

Só a partir daí é que serei capaz de saber como lidar com eles. E como é que faço isso? Sempre vou aos lugares onde eles se encontram nas noites a pedir esmola. Convivo com eles, às vezes eles vêm à minha casa e convido-lhes para o restaurante”.

Infelizmente, como muitos o fazem e o fariam, “o pessoal do estabelecimento manifesta-se contra a sua presença. Mas eu explico-lhe que nós não pretendemos roubar e que vamos pagar pelos serviços que nos irão prestar.

Afinal, o espaço é público”, realça o artista ao mesmo tempo que engendra uma eterna esperança: “Com base na Universidade da Rua, penso que – a ser implementada – serão criadas as condições para que, no futuro, alguns dos meninos da rua possam levar uma vida condigna.

Porque da maneira como nós nos relacionamos com eles, incluindo a forma como eles nos aceitam, não restam dúvidas de que eles são maravilhosos.

Os miúdos são porreiros. Nós percebemos que eles têm algo muito valioso como pessoas. Não têm maldades. Só precisam de uma oportunidade e, muitas vezes, nós, os pais, é que estragamos as oportunidades das crianças”.

Enfim, a Universidade da Rua é uma iniciativa que se está a orquestrar há três anos. Envolve o artista plástico moçambicano, Gonçalo Mabunda e os seus amigos Lulu Sala e Victor Carvalho.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts