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Universal Plástico pontapeia Lei do Trabalho

Esta história é apenas um exemplo das várias violações grosseiras das normas previstas na Lei n.º 23/2007 de 1 de Agosto, em vigor em Moçambique. Se o leitor ainda não foi vítima de uma dessas infracções protagonizadas pelos empregadores, numa situação em que certas entidades criadas para dirimir os litígios resultantes da má interpretação do mesmo dispositivo ou do desleixo agem de maneira inconveniente, pelo menos conhece alguém que já foi injustiçado.

Inácio Mahumane trabalhava numa empresa chamada Universal Plástico, no bairro de Tchumene II, na cidade da Matola. Ele reside igualmente na Matola, na unidade “H”, quarteirão 36. Hoje está desemprego e deverá correr atrás de editais para o provimento de vagas de emprego porque depois de sofrer lesões devido a uma queda durante o exercício das suas funções foi despedido como um cão e sem nenhuma indemnização.

À semelhança do que acontece em várias firmas do território nacional, naquela sociedade, existe gente que está a trabalhar há mais de seis meses sem contrato, segundo narraram alguns empregados que não esconderam a sua insatisfação com o patronato. Eles contaram-nos que, para além de outras transgressões, exercem as suas funções num ambiente de racismo, o critério de fixação de salários é penalizador na medida em que há colaboradores que diariamente só auferem 130 meticais e não sofrem nenhum desconto para o sistema de segurança social.

Em relação ao caso de Inácio Mahumane, no final de Julho passado, ele encontrava-se a manobrar uma máquina de produção de artigos plásticos no seu posto. Nesse dia, por volta das 19h:00, o aparelho avariou, de repente. O jovem pegou numa ferramenta e subiu para reparar o desarranjo porque entendeu que não devia paralisar a sua actividade por causa de um dano cuja solução estava ao seu alcance. Entretanto, por azar, ele caiu e contraiu lesões nas costelas, facto que o impossibilitou, por algum tempo, de exercer trabalhos pesados. Aliás, nunca mais voltou a trabalhar porque foi expulso.

Depois do acidente, o nosso interlocutor não teve socorro imediato, uma vez teve que aguentou até ao fim da jornada laboral dos seus colegas, com os quais devia ser transportado numa viatura da companhia até Malhampsene, a partir de onde cada um iria tomar outro carro para o seu domicílio. Durante o trajecto, já num outro veículo, as dores nas costelas intensificaram-se.

A vítima pediu ao motorista para que fosse levado ao Centro de Saúde da Matola “H”, onde não foi submetido a nenhum exame médico porque naquela hora da noite somente o banco de socorros é que estava a funcionar. Antes de se dirigir àquela unidade sanitária, Inácio Mahumane contactou a Universal Plástico para informar sobre o que acabava de lhe acontecer, tendo o patronato desembolsado 200 meticais para o tratamento. Além de outras regalias a que o lesado tinha direito em virtude do acidente contraído durante o trabalho, a empresa prometeu dar uma compensação, o que não se concretizou.

Na manhã seguinte, Inácio Mahumane deslocou-se ao Centro de Saúde da Matola “H”, do qual foi transferido para o Hospital Geral José Macamo a fim de ser submetido um exame de Raio-X, que confirmou ter sofrido pequenas fracturas nas costelas. Por conseguinte, o paciente devia ficar três semanas de repouso e sem exercer nenhuma actividade pesada.

Expulso de forma desumana

Volvidos dois dias, o nosso interlocutor dirigiu-se novamente à firma para informar ao patrão de que o hospital lhe recomendara um repouso de 21 dias. Ao invés de ser bem recebido, Inácio Mahumane foi desprezado, insultado, ameaçado e escorraçado pelo empregador como um vira-lata. “O patrão disse-me que eu estava despedido porque não tinha nenhum compromisso comigo, não havia assinado nenhum contrato e que devia receber 130 meticais que faltavam porque o tratamento médico já havia consumido todo o meu salário”.

Inácio ficou furioso, rangeu os dentes e abandonou o local sem beneficiar dos referidos 130 meticais, uma vez que tinha direito a um salário e uma indemnização em consequência do acidente que sofreu. Aliás, o jovem admite que trabalhou dois meses sem contrato mas isso não é motivo para ser espezinhado e desvalorizado.

IPAJ decide a favor do patronato

Inconformado com a injustiça a que estava sujeita, o jovem deslocou-se ao Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) com o intuito de pedir auxílio e ver os seus direitos escrupulosamente respeitados. A instituição emitiu a primeira convocatória a solicitar a comparência da Universal Plástico mas esta não se fez presente. Foi necessária uma segunda “intimação” mas na altura da audição das partes aconteceu algo inesperado: a técnica do IPAJ, Charmila Amaral, deu razão ao patronato sem aprofundar o caso. E disse que a vítima não tinha direito a nenhuma compensação, uma vez que não havia firmado nenhum contrato de trabalho com aquela firma.

Numa atitude supostamente de caridade, ao invés de 130 meticais, a companhia entendeu que devia pagar 1.000 meticais a Inácio. “Fiquei decepcionado com o procedimento de alguns sectores da justiça moçambicana que, ao invés de garantirem o cumprimento dos nossos direitos, infringem-nos. Que país é este? Continuarei a lutar para que haja justiça”. Inácio Mahumane afirmou que o patronato lhe prometeu um ressarcimento de 40.000 meticais pelos danos contraídos durante o trabalho, porém, nada disso aconteceu.

Não há lugar a indemnização

A empresa Universal Plástico defende que não há razões nenhumas para indemnizar Inácio Mahumane alegadamente porque não tinha qualquer vínculo contratual com ele. Num outro desenvolvimento, a sociedade alegou que o visado não foi demitido porque nem sequer existe um documento que comprova essa medida.

Um dos gerentes da companhia, identificado pelo nome de Gonçalves, disse-nos, telefonicamente, que a firma custeou as despesas de assistência médica do jovem por causa do acidente durante o exercício das suas funções. Entretanto, o que está acontecer agora são calúnias e difamações somente para manchar a firma. Estes supostos crimes podem culminar com um processo-crime contra Inácio.

Segundo Gonçalves, os 1.000 meticais desembolsados a favor do reclamante foram mediante um consenso alcançado entre as partes depois da intermediação do IPAJ. Houve, inclusive, uma acta elaborada nesse sentido. Aliás, o membro da Universal Plástico alegou ainda que Inácio ficou lesionado porque tentou fazer um trabalho que não lhe competia.

“Se tivéssemos que seguir a lei do trabalho o empregado não seria remunerado nem sequer um centavo, mas porque somos humanos tivemos a bondade de lhe ajudar com 1.000 meticais e custeamos a assistência médica”, disse Gonçalves, para quem é muita ingratidão da parte de Inácio querer receber uma compensação de 40.000 meticais depois de ter sido ajudado pela empresa.

O trabalhador tem direito a ressarcimento

O jurista moçambicano José Caldeira explicou-nos que, apesar de ser obrigatória a existência de um contrato escrito e assinado pelas partes, a ausência desse documento não impede que os litígios laborais sejam regulados recorrendo-se às mesmas regras previstas na legislação vigente no país. Relativamente ao caso de Inácio houve um vínculo verbal. Se não existirem folhas de salário, o trabalhador pode recorrer a testemunhas para efeitos de confirmação da sua ligação com a empresa.

José Caldeira sublinhou que o patronato deve assegurar assistência médica e outros encargos a todo o empregado que sofrer um acidente de trabalho, inclusive durante a fase da sua recuperação. Esta obrigatoriedade está plasmada no artigo 124 (Formas de Cessação do Contrato de Trabalho), número um e alínea d, da Lei n.º 23/2007, que aprova a Lei do Trabalho, o qual prevê que o contrato de trabalho pode ser rescindido “por qualquer das partes contratantes com justa causa”.

O nosso interlocutor explicou ainda que o artigo 135 (Efeitos da Improcedência da Rescisão) da mesma lei defende, no número dois, que “declarados judicialmente improcedentes os fundamentos invocados para a rescisão do contrato de trabalho, o trabalhador é reintegrado no posto de trabalho com direito ao pagamento do valor correspondente às remunerações vencidas entre a data da cessação do contrato e a da efectiva reintegração, até ao máximo de seis meses, deduzido o valor que houver recebido, se for o caso, a título de indemnização no momento do despedimento”.

O número três do mesmo artigo, segundo Caldeira, estabelece que “por opção expressa do trabalhador ou quando circunstâncias objectivas impossibilitem a sua reintegração, o empregador fica obrigado a pagar uma indemnização calculada nos termos do artigo 128 da presente Lei, contando-se para a antiguidade todo o tempo decorrido entre a data da cessação e a da sentença que declarou a sua nulidade, até ao máximo de seis meses”.

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