Aos seis anos de existência, a Universidade Lúrio (UniLúrio) impõe-se como uma instituição de ensino público de excelência na região norte de Moçambique. Com pólos nas províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, a UniLúrio já conta com um universo de 1430 estudantes distribuídos em 13 cursos de licenciatura. Porém, diga-se em abono da verdade, estes são apenas os primeiros anos de uma entidade que surgiu da necessidade do compromisso com a educação como base para o desenvolvimento do país.
A propósito de mais um aniversário da Universidade Lúrio, @Verdade visitou o campus desta instituição pública de ensino superior localizado no bairro de Marrere, arredores da cidade de Nampula. Um mero telefonema foi a chave que ligou o motor para o arranque de uma curta conversa com o reitor da universidade, Jorge Ferrão, que falou das realizações, desafios e ambições da instituição, transcorridos seis anos.
Ao longo da sua existência, a UniLúrio construiu cerca de 120 espaços funcionais de trabalho em Nampula, Pemba e Sanga (província de Niassa), além de três refeitórios em cada um desses pólos. Também foram erguidas 18 residências em Nampula, quatro no Niassa, e projecta-se a edificação de outras 25 no Niassa.
Presentemente, a universidade conta com pouco mais de 54 salas de aulas, e laboratórios devidamente equipados. Além disso, a universidade vai criar um hospital universitário e um hospital de olho.
@Verdade – Volvidos seis anos de existência da UniLúrio, qual é o balanço que faz?
Jorge Ferrão (JF) – O balanço é manifestamente positivo porque começámos um projecto de raiz, absolutamente sem nada e hoje temos já os três pólos edificados ao fim de seis anos. Convinha-nos começar com apenas três cursos porque era aquilo que nós tínhamos capacidade para fazer, nomeadamente Medicina, Medicina Dentária e Farmácia, e anos depois acrescentámos seis novos cursos, todos eles da área técnica. Temos ainda o privilégio de introduzir pela primeira vez no país os cursos de Nutrição e Optometria, e ainda assim introduzimos também em Pemba, com muita dificuldade, os cursos de Engenharia Mecânica e Construção Civil.
@V – Presentemente, quantos docentes a universidade tem?
JF – Começámos com cerca de 20 docentes, hoje temos 192 que atendem um total de 1430 estudantes. Temos um rácio de um docente para 7.4 estudantes, eventualmente um dos mais aceitáveis a nível do ensino superior em Moçambique. O importante é que ao mesmo tempo que estamos no processo de estabelecimento da universidade nós criámos um plano estratégico e neste plano nós contemplámos a possibilidade de termos 80 porcento dos nossos docentes com nível de mestrado até 2014.
Não tenho muita certeza se conseguiremos chegar lá, mas pelo menos vamos ultrapassar os 60 porcento. O ideal seria termos 70 porcento de mestrados e outros 30 de doutorados. Este ano vamos introduzir os cursos de mestrados na área de saúde e estaremos preparados para fazer o mestrado em parceria com as outras universidades para ? área de ciências agrárias.
@V – O que motivou a escolha de cursos técnicos?
JF – Basicamente aquilo que nós notámos quando nos foi dada a missão no primeiro inquérito constatámos que o rácio médico/paciente era de um para 50 mil e claramente se notava que havia falta de pessoal na área de ciências de saúde, então decidimos enveredar por essa área. E eu acho que foi uma das melhores apostas que poderíamos ter feito porque é de pessoal de saúde que nós temos falta, sobretudo numa região como Nampula, Zambézia, Cabo Delgado e Niassa.
A estratégia foi aproveitar os recursos que teríamos para formar um médico e indexar também a formação de outros profissionais de saúde, por isso privilegiámos, a Medicina Dentária, a Nutrição, a Optometria e a Enfermagem. Em relação à Enfermagem, estamos a ter a possibilidade de mudar um quadro em que os enfermeiros iam fazer cursos de História e Geografia e hoje têm a possibilidade de continuar na sua área de formação. Mas a motivação principal foi a carência do pessoal médico na região norte de Moçambique.
@V – Transcorridos seis anos, qual é o impacto da universidade na sociedade?
JF – Acho que um dos maiores ganhos que nós temos passados esses seis anos é o facto de se provar que é possível inovar no processo de formação e, ao mesmo tempo, investir em infra-estrutura. Não é concebível que a gente faça o ensino superior sem infra-estruturas.
E nós pautámos desde o primeiro instante por fazer investimentos fortes em infra-estruturas. Naturalmente porque é um ensino público, é um ensino estruturante, e a questão de infra-estrutura vai obrigar que os restantes também criem infra-estruturas, pois só assim nós podemos fazer esse ensino com excelência. O segundo ponto: nós trouxemos para Nampula e a região norte muito capital humano, tivemos de levar pelo menos 10 docentes de nacionalidades diferentes.
Por outro lado, tivemos a possibilidade de trazer outras nacionalidades como discentes. Terceiro elemento: eu acho que foi a inovação que fizemos a nível metodológico porque, não tendo grandes recursos, optámos por associar o nosso ensino à extensão universitária. A extensão universitária provou- nos que era possível buscar muito conhecimento junto das pessoas, e fazer com que a postura do estudante e do docente fosse diferente em relação àquilo que é um conhecimento tradicional.
O último ponto nós abrimos o horizonte dos estudantes, sobretudo do ensino secundário. Nos primeiros três anos, Nampula não meteu nenhum candidato na universidade, a maior parte vinha de outras províncias. Nos últimos anos, Nampula já consegue ter um volume de estudantes superior a outras províncias e estão a entrar por mérito próprio e não porque criámos uma cota especial para Nampula.
@V – É verdade que a UniLúrio pretende construir um hospital universitário?
JF – Estamos a pensar num hospital universitário e desde o ano passado temos vindo a dar passos junto do sector privado de modo a obtermos um equipamento de ponta. Nós queremos fazer um hospital de 70 camas que servirá para aumentar a capacidade de oferta de Nampula, mas, mais do que isso, daríamos possibilidade aos médicos que existem de criarem os seus próprios espaços de trabalho. Eu não estou contra a proliferação desses pequenas clínicas, mas acho que podemos oferecer alguma coisa com mais qualidade aos nossos pacientes.
Podíamos ter um ponto de referência para fazer análises que pudessem ajudar no diagnóstico. A ideia é continuar a trabalhar nesse hospital e vermos se no começo do próximo ano, entre Março e Abril, podemos arrancar. Por outro lado, temos a ideia de fazer um hospital do olho em parceria com a Índia. Iniciámos as negociações este ano, em Maio, vamos usar uma parte do bloco de salas que temos. Esses são os projectos que temos. Mas a nossa universidade, para crescer, ela precisa também de virar uma incubadora de empresas.
A primeira empresa que incubámos chama-se Centro de Estudos Interdisciplinares da Lúrio, e aqui vamos fazer e já estamos a fazer várias testagem de produtos alimentares. Estamos também às portas de lançar o nosso programa de rádio. Já comprámos o equipamento, vamos fazer a montagem nas próximas semanas. O terceiro empreendimento que queríamos fazer teria a ver com a produção de soja e precisaríamos de fazer parceria com uma empresa.
@V – Quais são as dificuldades enfrentadas nos últimos tempos?
JF – Quando vim começar o projecto havia duas ideias que gostaria ter desenvolvido. Uma seria de ter criado uma área de conservação na província de Cabo Delgado, sobretudo para os estudantes de Biologia, e nós fizemos a parceria com a empresa Cabo Delgado Biodiversity and Tourism para ficar com essa área, mas a prática provou-nos que não basta apenas a intenção, é preciso muito mais recursos para viabilizar o projecto.
As condições estão lá. A segunda é a área de Desporto. Todas as universidades que existem aqui em Nampula deviam ter um projecto desportivo um pouco mais relevante. Eu tenho um equipa boa de atletismo, mas não formei, apenas enquadrei os atletas. Nós damos um apoio e eles correm em nosso nome, mas não conseguimos estruturar um boa equipa de basquetebol e andebol.
Estamos desaparecidos no escalão máximo de futebol a nível da cidade. Essa é uma mágoa que fica. Felizmente, tenho dois jogadores de ténis muito bons e para motivá-los estamos a organizar o campeonato nacional da modalidade, o campo está a ser construído e as bancadas também.
@V – O que se pode esperar dos primeiros médicos formados na UniLúrio?
JF – Esses meninos é como se fossem os nossos filhos. E cada um de nós tem uma expectativa muito grande em relação aos seus filhos. Eu tenho muitas expectativas, mas também sou realista. Eles, a nível familiar, vão ser perfeitos, mas não têm um hospital de ponta, o nosso hospital em nada se compara ao Hospital Central de Maputo, então temo que haja algum défice em relação ao contacto com certas disciplinas.
Nampula até recentemente não tinha um dermatologista e estamos a forçar para que haja, mesmo noutras áreas a carência é grande. A universidade já contrata muitos médicos para colmatar a falta de especialistas numa determinada área mas precisamos mais de sintonia entre a universidade e o hospital.
O Hospital Central de Nampula é um hospital universitário, não era antes de nós chegarmos. Se esse hospital não tivesse esses estudantes, eu não sei se teria a mesma postura. É preciso que o hospital faça investimentos sabendo que é um local de referência na formação.
@V – Qual é a sua opinião em relação à qualidade de ensino superior em Moçambique?
JF – Esse é um pronunciamento que já fazemos há bastante tempo. Vamos compreender que não havia instituições e foi necessário criar, foi necessário abrir espaço para o sector privado. Estamos os dois, ensino público e privado, dando oportunidades. Hoje temos para cima de 110 mil estudantes no ensino superior, queremos mais.
Mas também é verdade que depois de atingirmos o patamar de 100 mil já temos que olhar para as condições em que estamos a oferecer essa formação porque doutro modo é um problema. Temos de parar e reflectir sobre o que estamos a oferecer e em que medida isso vai ajudar no desenvolvimento do país. A nossa universidade ocupa a posição 384 a nível das universidades africanas, mas esta avaliação é feita por fora. Nós não estamos a fazer dentro do país e precisaríamos duma avaliação para saber qual é o nosso padrão.
Eu não compreendo porque não se está a fazer. Já se fizeram vários investimentos para a criação de uma comissão nacional, mas não funciona. Se tivéssemos uma avaliação interna a nível do ensino superior, eventualmente não teríamos muitas reclamações. Quando não há qualidade, não há condições para trabalhar.
@V – O que é que a sociedade pode esperar da UniLúrio?
JF – Eu coloco a questão de uma forma contrária: o que é que a UniLúrio tem que esperar da sociedade? Mas temos que melhorar o ensino secundário, eu sou um grande apologista de que o ensino superior tem de estar ligado ao ensino secundário, nós precisamos de trabalhar muito com o ensino secundário e não vale a pena esconder isso.
Tenho também a convicção de que temos de diversificar os tipos de cursos, temos de ter algum equilíbrio entre os cursos de carácter técnico e as humanidades. Enfim, temos de desenvolver mais em desporto, literatura, teatro, cultura e promoção de bem-estar social. Queríamos também que a sociedade não ficasse excluída desse processo, tem de ter responsabilidade nesse processo de ensino.