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Uma vida marcada pela desgraça

Uma vida marcada pela desgraça

Desde cedo, a existência de Alfredo Homo foi marcada por episódios inesperados. Aos 10 anos de idade, foi atacado por uma paralisia da qual resultou uma deficiência física. Hoje, com 37 e os membros inferiores sem mobilidade, luta numa cadeira de rodas com dificuldades sem fim para ter o que comer. Mas o seu maior dilema é provar a uma sociedade preconceituosa que, apesar de ser deficiente físico, é capaz de levar uma vida normal como qualquer outra pessoa.

Natural de Massinga, província de Inhambane, Alfredo Julião Homo nasceu em 1974 numa família humilde. Teve uma infância igual à de qualquer outra criança moçambicana que cresce numa zona rural, enfrentando diariamente adversidades de toda natureza e à mercê do que a terra pode oferecer.

Os olhos carregados de sonhos brilhavam no rosto do pequeno Alfredo. Estudar, formar-se, trabalhar e construir uma família são alguns dos objectivos que povoavam o imaginário do rapaz.

Mesmo com as condições de vida a definharem, mantinha a chama dos seus alvos acesa. Mas quis a vida que a sua sorte fosse outra. Em 1984, contava apenas 10 anos de idade, a paralisia toma conta de si. A doença viria a incidir nos seus membros inferiores (pernas).

Sem assistência médica, Alfredo atrofiava-se no leito da sua casa diante do olhar imperturbado e sereno da sua mãe que tinha de ir à machamba à procura de comida para o sustento da família. O pai, um emigrante na África do Sul, não tinha muito tempo para acompanhar de perto a saúde do filho.

Durante quatro anos a padecer de paralisia, o petiz não visitou sequer um centro de saúde, pois o seu progenitor não aceita a ideia de ver os seus rebentos a frequentarem uma unidade sanitária, uma vez que depositava a sua confiança nos médicos tradicionais.

A paralisia nos membros inferiores fez com que interrompesse as aulas. “Para me deslocar à escola, era um grande problema. Passei vários dias sem colocar os pés na sala de aulas, uma vez que as minhas pernas estavam muito fracas e não tinha força para andar”, conta.

Depois de várias (e fracassadas) tentativas de tratar a doença a nível dos curandeiros, Alfredo acabou por parar numa unidade sanitária em estado grave. Em 1989, foi transferido do Hospital Provincial de Inhambane – onde se encontrava internado – para o Hospital Central de Maputo, onde viria a ser submetido à prática de exercícios físicos no Departamento de Fisioterapia durante quase um mês. Mais tarde, recebeu alta e foi-lhe oferecida uma cadeira de rodas.

Nos princípios dos anos ‘90, Alfredo regressou à sua terra natal, Inhambane, onde retomaria os seus estudos. Porém, como um azar nunca vem só, em 1992 perdeu o pai e, em virtude disso, o que já era difícil piorou. Começaram a debilitar-se as condições de vida, o que lhe fez interromper os seus estudos, numa altura em que frequentava a 4ª classe.

Desamparado num furacão de privações que fustigava a sua família e com os sonhos esmorecidos, Alfredo Homo abandonou a sua terra natal com destino à capital do país em busca do el dorado.

A difícil vida em Maputo

Sem dinheiro, apenas tinha para o bilhete de ida, e com um punhado de roupa, Alfredo chegou a Maputo, tendo pedido alojamento em casa do tio, na zona de Manduca, algures no município da Matola.

Graças a um irmão que trabalha nas minas da África de Sul que lhe ofereceu cerca de mil meticais, decidiu investir num negócio. Obteve produtos alimentares de consumo imediato, nomeadamente bolachas, rebuçados, chocolates, entre outros que preenchiam as prateleiras da sua pequena banca improvisada de madeira.

Apoio de instituições de caridade

A cadeira de rodas que recebeu no Hospital Central de Maputo foi-lhe útil durante cinco anos. Em 1993, já necessitava de uma nova e, um ano mais tarde, graças à Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) viu o seu desejo realizar-se, mas foi sol de pouca dura. “Levou pouco tempo porque os tubos que a compunham eram frágeis e não resistiam ao areal da minha zona e, como consequência, partiram-se”, diz.

Depois de danificada a primeira cadeira de rodas, a CVM não ficou indiferente, ofereceu-lhe uma segunda cadeira cuja duração não foi além de dois anos devido à sua fraca estrutura física. Porém, uma terceira não passou de uma miragem, e Alfredo ficou entregue à sua própria sorte.

Por volta do ano 2000, filiou-se à Associação dos Deficientes de Moçambique (ADEMO), a qual viria naquele ano a oferecer-lhe uma cadeira de rodas supostamente mais resistente do que as anteriores, embora fosse em segunda-mão. Mas depois de cinco anos, voltou à estaca zero. Sem recursos, a ADEMO não podia arranjar uma nova.

Em 2006, Homo custeou a sua própria cadeira de rodas, embora usada. “Venderam-me ao preço de dois mil meticais. Felizmente, é uma cadeira que pelo menos consegue resistir ao areal da minha zona”, afirma. Decorridos cinco anos, o seu meio de locomoção está a estragar-se aos bocados, as rodas já estão gastas, o assento quase que já não existe, e os pedais frontais clamam também por uma substituição.

Empreender para sobreviver

À semelhança de outros moçambicanos, o jovem teve de recorrer a todos os meios possíveis para desenrascar o seu ganha-pão quotidiano. “Tenho um irmão que trabalha nas minas sul-africanas, foi ele quem me deu um valor para fazer o meu negócio”, diz.

Primeiro, a sua pequena banca localizava-se próximo da paragem de Manduca, em frente ao Hospital Geral da Machava. Dois anos depois, decidiu mudar de negócio. Deixou de vender produtos alimentícios e optou por comercializar recargas de telemóvel. “Todo o dinheiro que obtive do negócio anterior investi na compra de crédito, e as recargas estão a trazer-me sucessos e não penso em largar”, garante.

Assim que mudou do tipo de negócio, também procurou um novo ponto de localização. “Saí de Manduca para o pequeno mercado informal do Vaticano, uma zona mais para o interior, a cerca de 500 metros do Hospital Geral da Machava. Escolhi este lugar, primeiro, porque é próximo de casa e uma vez que sou deficiente físico é melhor trabalhar perto, e, segundo, porque nesta nova esquina poucos sãos os revendedores de recargas”, conta.

Questionado sobre o valor que amealha por dia, Alfredo Homo respondeu que “é difícil falar de receitas neste tipo de negócios, pois os dias são diferentes e as receitas parecem mais voláteis”, mas garante que “no mínimo consigo arrecadar mil meticais diários e aos fins-de-semana chego a facturar cerca de 3 mil”.

Desde de 2005 que o Alfredo revende recargas de telemóvel das duas operadoras de telefonia móvel que exploram o mercado nacional. “Com este negócio comprei uma casa de um quarto e sala, no bairro da Manduca, onde me encontro actualmente, custou-me 45 mil meticais”, conta.

Dado o seu estado físico, mora com dois primos que também lhe ajudam nas despesas de casa. “Se eu tivesse filhos ou esposa viveria com eles, mas como não os tenho chamei os meus dois familiares”, explica.

Investir noutros negócios

Alfredo Julião Homo, através dos lucros que foi obtendo com a revenda de recargas, decidiu iniciar o negócio de frangos vivos. “Compro frangos já criados e revendo. Se eu tivesse condições podia comprar pintos e criá-los, mas isso acarreta muitos custos.

Compro ao preço de 105 meticais e revendo-os a 125, em casa tenho uma pequena capoeira para guardá-los”, diz e acrescenta que em média tem comprado 50. Aliás, segundo afirma, no dumba nengue do Vaticano, onde tem feito os seus negócios, ele até agora é o único que revende frangos. “Nos fins-de-semana, os frangos têm muita saída e isso engorda os meus bolsos”, vangloria-se.

Para alimentar os frangos, Alfredo compra 100 quilogramas de ração do tipo A-2 ao preço de 1200 meticais, e com essa quantidade consegue alimentar pouco mais de 200 galinhas por mês.

“As crianças é que empurram a minha cadeira de rodas”

Da casa até ao seu posto de trabalho, Alfredo percorre cerca de 100 metros. São os miúdos do seu bairro que o ajudam a empurrar a cadeira de rodas. “Sempre que eu quiser deslocar-me a qualquer lugar, as crianças é que têm empurrado o meu pequeno transporte pessoal, não me cobram nada, a não ser que eu dê algo, e quando quiser”, diz.

Alfredo antes da paralisia

Antes da paralisia, Alfredo Homo gostava de ir à escola, e praticava algumas modalidades desportivas, designadamente atletismo e futebol. “Parei de fazer tudo isto quando a paralisia tomou conta de mim, por vezes o meu corpo ficava imobilizado por um tempo, as pernas fraquejadas já não conseguiam suster-me em pé” recorda visivelmente triste com o actual estado em que se encontra.

Paralisia

A paralisia nos membros inferiores é o estado ou situação de imobilidade, seja ela total ou parcial. Ela caracteriza-se por uma doença que paralisa completamente os músculos das pernas, impedindo a pessoa de andar.

É causada pelo mau funcionamento de algumas áreas do sistema nervoso central, que não transmite impulsos para a activação muscular. A sede do distúrbio pode estar nas células do encéfalo ou da medula, ou nos nervos que vão ao músculo.O tratamento depende de exercícios, massagens, aplicações eléctricas, fisioterapia, entre outras.

Os sintomas da paralisia podem incluir:

Uma fadiga fora de vulgar, cansaço muscular súbito, sensação generalizada de exaustão, enfraquecimento dos músculos, dores nos músculos e/ou nas articulações; perturbações do sono, dificuldade de respiração, diminuição da capacidade de tolerância de temperaturas baixas; redução na capacidade de efectuar as actividades diárias, tais como andar, tomar banho, entre outros. Estes sintomas gerais podem produzir diversos graus de incapacidade e a evolução destes pode resultar em defi ciência física.

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