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Uma nova Líbia começou a ser preparada em Paris

A guerra ainda não terminou, mas em Paris começou ontem a preparar-se o futuro da Líbia, exactamente 42 anos depois do golpe que deu o poder a Muammar Khadafi. Com os erros do Iraque e Afeganistão bem presentes, os dirigentes internacionais prometeram agilidade no apoio à reconstrução do país e, em troca, pediram aos novos líderes que promovam a reconciliação, julgando quem tem de ser julgado, mas não excluindo ninguém do processo de transição política.

Mustapha Abdel Jalil e Mahmou Jibril, presidente e “primeiro-ministro” do Conselho Nacional de Transição (CNT), chegaram à “conferência de apoio à nova Líbia” com um pedido de ajuda urgente e um dossier para a transição.

Saíram de Paris com a promessa de que 15 mil milhões de dólares apreendidos a Khadafi serão “imediatamente descongelados”. “Os fundos da Líbia do passado serão desbloqueados, para financiar o desenvolvimento da Líbia do futuro”, disse o Presidente francês, Nicolas Sarkozy.

O Governo francês recebeu luz verde da ONU para desbloquear 1500 milhões de dólares (valor semelhante ao descongelado pelos EUA e Reino Unido) e outros países seguiram o exemplo. O primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, não revelou montantes, mas disse à Lusa que Lisboa “tem estado bastante empenhada” no processo, nomeadamente através da chefia do comité de sanções.

O valor total anunciado é uma fracção dos mais de cem mil milhões apreendidos a Khadafi – a sua libertação depende da aprovação de uma nova resolução da ONU, para a qual será decisivo o apoio da China, que enviou um representante a Paris mas que ainda não reconheceu o CNT.

Para além do dinheiro, Jalil regressa a Bengazi (onde ainda continua sediado) com a garantia de que continuará a contar com o apoio da NATO – “vamos continuar as operações enquanto for necessário para proteger a vida de civis”, disse o primeiro-ministro britânico, David Cameron – e, sobretudo, com a legitimidade internacional reforçada.

Em Paris não estiveram apenas os aliados iniciais, mas também vários dos países que criticaram a intervenção militar e que agora, receando ser penalizados nos seus interesses comerciais, acabaram por reconhecer o CNT. Foi o caso da Rússia, que disse esperar que “o novo governo não comece a avaliar os contratos com base em critérios políticos”.

ONU vai enviar missão

Em Paris ficou decidido que o processo de transição “será liderado pelos líbios” e que caberá à ONU chefiar a ajuda internacional – o secretário-geral, Ban Ki-moon, prometeu o “envio tão breve quanto possível” de uma missão civil para coordenar a ajuda humanitária e identificar as prioridades da reconstrução.

Mas os novos líderes líbios ficaram também a saber que a ajuda terá contrapartidas. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, avisou que o CNT terá de “combater o extremismo” e garantir que as armas de Khadafi “não se tornam uma ameaça para os países vizinhos”.

Há, porém, um esforço superior que lhes é exigido, o da reconciliação com aqueles que estiveram ao lado do ditador. “Os erros feitos noutros países devem servir-nos de exemplo”, lembrou Sarkozy, numa referência ao sectarismo que dificultou a transição iraquiana. Só que o perdão não deve excluir a punição dos responsáveis pelas “atrocidades”, a começar por Khadafi. “Cabe aos líbios decidir livremente como o querem julgar”, afirmou o Presidente francês.

Mas enquanto nas salas se prometia ajuda, nos corredores discutiam-se interesses comerciais. Pela manhã, o CNT veio negar a existência de um acordo secreto para a venda de 35% do petróleo líbio à França, noticiado pelo Libération, que revelou ter tido acesso a uma carta enviada pela rebelião ao emir do Qatar.

“É uma piada. É totalmente falso”, disse o porta-voz da entidade, Mahmoud Shamam, sublinhando que seria impossível à Líbia reservar um terço do seu crude a um único país quando pretende honrar os contratos já em vigor. A Reuters notou várias incongruências na carta que põem em causa a sua autenticidade, como o facto de identificar mal a data em que a França reconheceu a rebelião ou estar assinada por uma desconhecida “Frente Popular para a Libertação da Líbia”.

Também o chefe da diplomacia francesa, Alain Juppé, disse desconhecer o acordo, mas considerou “lógico e justo” que os países que se colocaram primeiro ao lado da oposição tenham preferência na celebração de novos contratos.

“A operação na Líbia custou caro, mas é também um investimento no futuro. Uma Líbia democrática será um país que se vai desenvolver, que será um factor de estabilidade, segurança e desenvolvimento na região”, disse Juppé à rádio RTL. Também o seu homólogo britânico, William Hague, não se coibiu de falar de negócios. Quando questionado sobre a disputa entre franceses e italianos pela parte de leão na reconstrução líbia, respondeu: “Não iremos ficar para trás”.

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