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Uma nova (esquisita) doutrina de salvação

Uma nova (esquisita) doutrina de salvação

Na emergente congregação religiosa Missão da Igreja Apostólica em Comunhão do Espírito Santo (MIACES) em Nampula, os crentes são submetidos a diversos tipos de torturas físicas e psicológicas, supostamente para redimi-los de pecados e garantirem a salvação eterna. Bofetadas, murros, pontapés, acusações de se estar possuído pelos espíritos maus, além de se despir a roupa, substituíram a tradicional oração. Alguns devotos já começaram a ficar agastados com a situação e denunciam aquelas práticas.

Alguns crentes da MIACES em Nampula que se sentem injustiçados queixam-se da sua congregação religiosa, acusando-a de, em lugar de orações, estar a submetê-los a torturas, ameaças, acusações de possuírem espíritos maus, além de lhes despir a roupa durante os cultos diante de crianças e outros devotos com o pretexto de os redimir dos pecados cometidos no dia-a-dia.

As torturas que têm sido praticadas desde Setembro último são protagonizadas por um grupo de supostos profetas constituído por 15 a 20 pessoas, escolhidos por dois pastores, nomeadamente Abacar Ali, de 37 anos de idade, natural do distrito de Monapo, província de Nampula, e Crisanto Aleixo Bulassi, de 45 anos de idade, de Mueda, Cabo Delgado.

Histórias de quem foi espancado

Selemane António, nascido em 1972, é crente da MIACES desde 1996, ano da fundação da igreja, e um dos membros que ajudou a construir as instalações da congregação. António afirma que depois de a igreja ser construída, começou-se a assistir a algumas coisas estranhas perpetradas pelo pastor distrital.

“Os pastores diziam sempre que os crentes eram pecadores e que deviam confessar todos os seus pecados, desde a nascença até aos dias de hoje”, diz e acrescenta que, ao invés de confessar os pecados, são interrogados sobre a sua vida pessoal. “Fui agredido e quase perdi os sentidos, por duas vezes, por tais profetas”, conta.

António conta ainda que, depois da confissão, todo aquele que tiver uma ideia contrária é levado para o distrito de Monapo, onde se localiza a sede provincial, para ser submetido a sessões de pancadaria e outras torturas psicológicas.

Feliciano Gabriel Joaquim, evangelista e crente há 16 anos, acusa a igreja de lhe ter torturado violentamente, alegadamente porque se recusara a confessar os seus pecados cometidos desde o nascimento até aquela data.

“Espancaram-me, rasgaram o meu vestuário e empurraram-me para fora da igreja”, diz e acrescenta ter-lhe sido dito pelos pastores e profetas que Deus decretou a sua morte, esperando-se alguns dias para isso acontecer.

Jorge Alfredo Pacuneta, de 22 anos de idade, maestro dos jovens, a frequentar a igreja há quatro anos, conta que o grupo de profetas lhe partiu o antebraço quando tentava proteger-se das agressões.

“Num domingo, dia de culto, quando fui à igreja para rezar, fui surpreendido por aquele grupo e acusaram-me de ser pecador, levaram-me, fizeram-me girar, deram-me bofetadas, socos e rasgaram a minha camisa e as calças. Aliás, estou com o braço assim porque o torceram, mas não fui ao hospital por ter fé em Deus mas continua a doer-me”, afirma, acrescentando que ficou com dores durante sete dias, e terá abandonado a igreja provisoriamente por medo de ser agredido novamente.

Mena Chale começou a frequentar aquela congregação religiosa em 2004. Assistiu à evolução da igreja e, presentemente, faz parte do grupo de profetas. “Quando cheguei à igreja provincial para ser ordenada profeta, disse que não tinha capacidade de ter visões. Na verdade, neguei porque descobri os princípios do mal para os quais estavam a ser levadas as pessoas ”, conta.

Lúcia da Silva, mãe de oito filhos, é crente desde 2000, e ocupa a função de secretária dos jovens. Ela conta que todos os domingos na igreja era acusada pelos profetas e pastores de ser desobediente e que os seus descendentes são ladrões, daí que devia jejuar todos os dias.

Como forma de ser perdoada, Lúcia devia dormir diariamente na igreja e ficar quase sem comer, o que se tornava difícil, uma vez que se encontrava a amamentar uma criança menor de cinco meses. “Os profetas obrigavam-me a não comer para obter a salvação eterna. Batiam-me violentamente e faziam-me girar até ficar tonta”, conta.

Um mau ambiente instalou-se entre os pastores, profetas e crentes na Missão Igreja Apostólica Comunhão em Espírito Santo em Nampula.

Os devotos querem que o perdão dos pecados não seja feito por via de agressões. Genita Mário é uma das mulheres que mais torturas sofreu naquela igreja. Além de agressões físicas, tiraram-lhe a roupa, tendo ficado somente com as vestes interiores durante um dos cultos dominicais.

O que dizem os pastores

A nossa reportagem foi ao encontro dos dois pastores da Missão da Igreja Apostólica em Comunhão do Espírito Santo.

Abacar Ali nega as acusações. “Não temos nenhum problema, mas o que sei é que há desentendimento entre as partes, porque a direcção quer construir naquele espaço uma escola comunitária que será financiada por alguns parceiros da igreja”, diz.

Quando tentámos insistir para percebermos o que está a acontecer, nomeadamente as agressões corporais para o perdão dos pecados, o pastor distrital não admitiu mais conversa, tendo-nos expulsado da sua residência.

Em relação ao pastor Crisanto Aleixo Bulassi, foi impossível falar com ele, pois encontrava- -se a resolver problemas das suas viaturas, uma das quais os crentes exigem supostamente por ter sido comprado com o resultado das contribuições dos irmãos da igreja.

E o pastor fundador?

O pastor fundador da Missão da Igreja Apostólica em Comunhão do Espírito Santo (MIACES), Paulo Quembo, reside na cidade de Chimoio, província de Manica.

Em contacto telefónico, disse que não tinha nenhum conhecimento sobre o caso de encerramento de igrejas e, muito menos, das agressões físicas como meio de perdão dos pecados cometidos por crentes da sua igreja na província de Nampula.

“Em nenhuma passagem da Bíblia se diz que os crentes ou pecadores devem ser agredidos, que lhes tirem a roupa, e muito menos que sejam expulsos. O que fazem isso precisam de ser investigados”, disse.

Quembo afirma que quando se detecta um crente com um problema espiritual é levado diante de outros crentes para um aconselhamento e depois fazem-se orações.

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