Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Uma cultura de @Verdade!

Por razões óbvias, nesta edição resolvi revelar a minha percepção em relação à actividade que, de há uns tempos para cá, neste semanário, tenho estado a realizar em benefício do estimado leitor – a cobertura de eventos culturais.

Mas, antes de mais, para melhor compreensão, penso que é mestre estabelecer uma analogia com um dos pensamentos de Fernando Wagner, um crítico de arte português que, invariavelmente, tenho estado a citar quando na sua obra Teoria e Técnica Teatral considera que “na música ou na pintura há uma técnica tão perfeitamente definida, que ninguém ousaria dar um concerto ou exibir um quadro sem anos e anos de estudo e uma carreira dura, difícil e bem programada”.

No jornalismo cultural também é assim. Ou, no mínimo, devia ser. Na verdade, eu também não sei porque é que estou a defender tais pensamentos porque, para já, sou o antónimo de tudo isso.

Não tendo tido uma carreira dura, difícil e bem programada, como Wagner apregoa, não podia exercer esta actividade. Afinal, como se pode imaginar, eu sou um “operário” no activo que, no lugar de sublimar a nobreza de tal actividade, estaria a macular o jornalismo cultural e, por extensão, as próprias artes.

Sobre a cultura, um certo livro, Jornalismo Cultural nas Redacções, de Igor Pereira Lopes, considera que é “um sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefactos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma sociedade”, para num outro desenvolvimento acrescentar: “A perpetuação ou aquisição de cultura é um processo social e não biológico, razão pela qual se usa, às vezes, o termo herança social em lugar de cultura”.

(In)felizmente, em resultado de tal relação com a tarefa, efectivamente, nos últimos tempos tenho estado a perceber que, como o actor, poeta e declamador português, José Rui Martins dissera em certa ocasião, num dos seus concertos, 20 Dizer, em Maputo, a “cultura não é apenas a produção de livros, de peças de teatro, de quadros. A cultura é a forma com que cada colectividade se define através de símbolos que cria. São os símbolos de comunicação que provêm da forma que cada povo tem de dançar, de comer, de jogar futebol, de sonhar, de falar e de calar”.

É a par disso que um novo aporte da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, elaborada pela Unesco, em 2002, é evocado: “A cultura é o conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e em que se englobam, para além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de vida em comum, os sistemas de valores, as tradições e as crenças”.

Na verdade, o que eu pretendo explicar é que, por exemplo, na cidade de Maputo, manifestação cultural (ou cultura) também seria aquela gente que “empacotada” se deixa transportar num camião sem as mínimas condições de segurança; aquela mulher que, rendendo-se ao elevado custo de vida, abandona todos os lugares possíveis a fim de, no centro da urbe, montar uma cozinha e vender refeições; a forma inerte como, nós, os cidadãos, convivemos com a imundície, sempre que vemos alguém a transformar os espaços públicos em urinóis; a queda de espírito crítico que em nós, certas pessoas, se deixa rechaçar pela pobreza, pelo imediatismo-consumismo, resultante da nossa conformação com a ignorância.

Sendo cultura, então, tudo isso merece alguma análise no nosso espaço de jornalismo cultural. Porque cultura passa a ser a forma como nós pensamos, nos manifestamos, produzimos não somente a nossa herança social, mas também como é que queremos que nos comportemos no dia-a-dia sob o ponto de vista social, económico, político e desportivo. E quando chegar a fase de analisar tais realizações, eventos, como manifestações culturais, espero que me compreendam.

De qualquer forma, a minha grande preocupação nesse jogo consiste no facto de que apesar de, explicitamente, estar a tentar fazer misturas explosivas de realidades como resultado de uma eventual incompreensão do conceito cultura, algo complexo, reconheço que ao jornalismo cultural se reservou a tarefa de reflectir (exclusivamente) sobre as artes.

No entanto, numa situação em que proliferam instituições de formação de nível superior, preocupa-me a falta de sensibilidade e a escassez de protagonistas para fazer face à produção que dali irá derivar: faltam críticos de tudo, inclusive do próprio jornalismo cultural. Eles demitiram-se da sua função social, criticar. Por essa razão, pessoas da minha estirpe, sem a mínima sensibilidade para o ramo, continuarão a proliferar no sector não por culpa própria, mas em resultado da indiferença dos que, tendo competências para o efeito, se mantêm inertes.

Esta é a minha percepção, talvez um sonho, sobre o jornalismo cultural verdadeiro, vibrante, que suscita debate no espaço social (sem ter que, necessariamente, passar pelo lugar-comum do sensacionalismo barato e infundado).

Na verdade, um jornalismo que não somente divulga, como também analisa o divulgado, reflecte no mesmo processo de comunicação. Um jornalismo cultural em que o repórter não tenha medo de criticar os seus amigos artistas, fazedores de artes, dirigentes de actividades e instituições culturais sob pena de passar por este ou aquele tipo de ostracização.

Nisto, sim, ao longo desse curto período de tempo em que me relaciono com a tarefa, para mim, @Verdade tem sido uma escola. Por tudo isso, ainda que sem a mínima condição para ser o actor da mesma acção, sou grato pela oportunidade de actualizar estas páginas. Mas acima de tudo, pela ensejo que se me concede de exercer a minha liberdade e sentir-me livre de verdade, sem compromissos com ninguém.

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