Nessa luta pela sobrevivência, na Avenida 24 de Julho, em Maputo, a pobreza absoluta – que se abate sobre a maioria dos moçambicanos – pariu uma Banda Lua que, em pleno dia, canta e encanta os transeuntes.
Manuel Teixeira Mortal nasceu em 1980. Foi no decurso do quarto ano desde a eclosão da guerra entre a Renamo e o Governo no país. No mesmo período, no conflito militar, o seu pai, Teixeira Mortal, que era General da Frelimo foi atingido por uma bala e não resistiu. Prostrou-se no chão, encontrando a morte. Significa que, da parte paterna, Manuel não conheceu o seu progenitor. Em 1992, nas vésperas do fim da guerra, e da assinatura do Acordo Geral de Paz, em Outubro, Amélia Rui – a sua mãe – também falece. Morgado tinha 12 anos.
O intervalo entre a morte do pai e da mãe foi palco de muitos acontecimentos – os não-acontecimentos também se incluem porque Mortal não teve acesso à instrução – cujo impacto se faz sentir nos dias actuais. As possibilidade de Mortal ter um emprego condigno numa cidade de Maputo do século XXI são diminutas. São quase inexistentes! Com apenas a terceira classe do ensino básico concluída, aos 18 anos, Mortal teve o primeiro dos seus seis filhos.
“Eu tive filhos muito cedo, então, a partir daí a minha vida complicou- se”, afirma explicando que na altura a sua esposa, Aida Honwana, tinha 15 anos. Na semana passada, encontrámo- -lo na Avenida 24 de Julho – com Lurdes e Manuel de 12 e 13 anos, respectivamente – a fazer um ‘show’.
Ali, Mortal aposta no seu génio artístico a fim de desferir golpes – espera-se – fatais à pobreza que o apoquenta. Está na luta pela sobrevivência. Com um material reciclado localmente – entre latas de tinta, bidões, elásticos, arames, chapas de zinco e restos de madeira – o artista criou a sua orquestra, um instrumento que, no seu todo, nos recorda a bateria. Ele chama-o Banda. Seja como for, a história de Mortal – cuja vida não lhe bafejou morgadios desde que nasceu – pode ser narrada com base num discurso directo.
Identidade
“O meu nome é Manuel Teixeira Mortal. Sou natural de Sofala. Comecei a tocar na infância, no distrito de Nhamatanda. Por isso cresci com memórias musicais. Sinto que tocar batuque é um dom que devo levar avante. Não obstante não ter condições, recolhi latas de tinta, bidões, uma chapa de zinco, um conjunto de arames e adaptei um pedal, acabando por criar uma banda musical completa.
A ideia de fazer concertos na rua tem como objectivo angariar algum dinheiro para o sustento da minha família. Comecei o projecto em Julho de 2012. No início eu tocava em casa, até que alguém – que reconheceu o meu talento – me sugeriu que fizesse ‘shows’ na rua, a fim de procurar patrocinadores. Na verdade, não estou à procura dos 10 ou 20 meticais que as pessoas de boa-fé me oferecem. Eu tenho um projecto grande – quero servir Moçambique.
Neste momento, estou a esforçar-me para encontrar pessoas interessadas em patrocinar a minha produção porque preciso de um gerador – sem o qual não faço muitas coisas – para amplificar o som porque a minha bateria conecta-se às colunas. Se eu encontrasse alguém para me ajudar, nesse sentido, acho que – com este projecto – poderia fazer crescer o país. Estou em Maputo há nove anos. Já vivi em vários lugares na cidade, até que acabei por comprar um terreno na Matola-Gare”.
A Banda Lua
“Eu não tenho músicas, mas possuo várias composições. Infelizmente, ainda não disponho de condições para gravá- las. Além do mais, preciso de um equipamento sonoro completo para poder desenvolver a minha colectividade. No início, como actuamos nas ruas, eu queria que o grupo se chamasse Rua. No entanto, na busca da beleza e estética, acabei por adoptar o nome Grupo da Lua.
Na rua estou há três semanas. Já tive a sorte de ser convidado para actuar num casamento de uma jornalista da Televisão de Moçambique. Ela ficou impressionada com a minha actuação. Na sua cerimónia, fiz uma actuação por algum tempo e ela deu- -me algum dinheiro – valeu a pena. Oxalá que eu encontre, cada vez mais, esse tipo de pessoas. Além do mais, já fui convidado a participar num programa musical na STV”.
Os rendimentos
“As rendas dependem do movimento das pessoas. Há quem, por pena nos dá 20 meticais enquanto outros oferecem-nos menos que esse valor. Portanto, totalizando essas oferendas, conseguimos produzir entre 500 e 700 meticais por dia. De qualquer modo, eu quero alcançar algum grau de popularidade no cenário da música moçambicana. Gostaria de realizar um grande espectáculo nos teatros de Maputo, com o envolvimento de outros músicos nacionais e estrangeiros”.
Os ídolos
“Eu admiro Zico e Refila Boy. Sob o ponto de vista de mensagem, Refila fala sobre a dura realidade do país nas suas músicas. Eu gostaria de seguir a sua maneira de actuar. O ritmo pode não ser o mesmo, mas o meu sonho é fazer um estilo de música em termos de conteúdo para a nutrição dos moçambicanos. Na verdade, na música, a boa mensagem é aquela que educa as pessoas sem insultá-las. Trata-se de músicas que falam sobre nós, os moçambicanos, a nossa vida e o nosso sofrimento. Por exemplo, o que eu estou a passar é um sofrimento. Não é essa a vida que eu gostaria de ter”.