Dia e noite, debaixo da chuva e do sol, moçambicanos de diversas proveniências cruzam-se e esgueiram-se à procura de uma solução para a sua vida. Uns optam pela venda de diversos produtos, desde as recargas de telemóveis até às comidas, e os famosos “modjeiros” apimentam o ambiente daquele lugar com o incansável “para onde vai mamã, para onde vai papá”. Este é o cenário que molda o dia-a-dia no Terminal Interprovincial da Junta, em Maputo.
Diga-se que é uma referência obrigatória da cidade, à semelhança dos mercados de Xipamanine, Central, entre outros locais. O Terminal da Junta é, desde há muito, um local de partidas e chegadas de pessoas provenientes de todos os cantos do país.
O nome Junta deriva da extinta Junta Autónoma de Estradas de Moçambique, actual Administração Nacional das Estradas (ANE). A Junta Autónoma de Estradas de Moçambique estava localizada no actual prédio da ANE, na Avenida de Moçambique, ao lado da Faculdade de Engenharia. No princípio, atribuiu-se o nome de Junta à zona circunvizinha e, posteriormente, ao terminal.
A guerra dos dezasseis anos foi uma alavanca para que o local fosse conhecido. Pessoas vindas de diversos distritos das províncias de Maputo, Gaza e Inhambane, fugindo da fustigadora guerra, procuravam abrigo nos bairros que naquela altura se encontravam inabitados tais como Luís Cabral, Unidade 7 e Inhagoia.
Terminada a guerra, a certeza de que podia se voltar para casa era maior. Os que voltavam, não deixavam de contar aos seus parentes da existência de um terminal obrigatório.
Na altura, quando o carro entrasse na cidade de Maputo só podia parar em três lugares, nomeadamente no mercado Drive-in ou Zimpeto, Benfica e Junta. Facto curioso é que poucos preferiam descer no Benfica, ainda que pretendessem chegar aos bairros circunvizinhos (Bagamoyo, Choupal ou 25 de Junho).
O que fazia com que ninguém optasse pelo Benfica era a elevada onda de criminalidade que assolava a zona. Criminalidade esta que mais tarde veio assolar o terminal que se assume como sendo o mais famoso do país.
Junta: a casa dos “sem tecto”
Não é de se espantar ver senhoras que a alta noite preparam refeições naquele local. A verdade é que há pessoas que precisam dessas refeições a essa hora. Eles são os residentes da Junta. Ao anoitecer, há quem não tenha um lugar para repousar. Quando isso acontece, os carros parqueados no terminal são a (única) alternativa.
Raul Malate deixou a sua terra natal, Manjakaze, província de Gaza, em 2003, à procura de melhores condições de vida. Ao chegar à capital do país, viu-se na obrigação de dormir no papelão, cobrindo o único lençol que trazia e apoiando a sua cabeça numa penosa malinha que continha duas calças e três camisas, por duas semanas. Malate conta que ouviu falar da Junta com o seu primo que, na altura, vivia supostamente numa casa arrendada no bairro Luís Cabral, onde pagava 250 Mt por mês.
O suposto primo, contou ao jovem que conseguia facturar no seu negócio de recargas de telemóveis, pouco mais de três mil meticais por mês. Dos três mil, tirava 250,00 para a renda e 750,00 para as despesas correntes, e o resto ficava para a poupança.
O panorama desenhado pelo primo fez com que Malate se apaixonasse pela “vida da Junta”, mesmo sem conhecer. Pode-se dizer que, por alguns meses, viveu um amor platónico pelo terminal da junta. “Nos meus sonhos via-me com muitas recargas na mão. Recargas estas que, depois de vendidas, dar-me-iam os três mil meticais. Era um sonho que eu alimentava todos os dias, até que certo dia consegui juntar 1500 meticais, com os quais pude pagar a passagem de Manjakaze a Maputo, onde iniciaria o meu almejado negócio”, conta.
Pouco menos de 250 Mt do jovem foram gastos em transporte, e assim ficava com 1200 para que, ao chegar a Maputo, alugasse um quarto e o restante serviria de trampolim para o negócio da venda de recargas. Mas o azar bateu-lhe à porta: ao chegar ao terminal da Junta foi interceptado pelos amigos do alheio que se apoderaram dos seus pertences, deixando-lhe apenas com a mala que trazia. Só não conseguiram levar o dinheiro porque este estava escondido nos sapatos.
Era o início de uma aventura que parecia ter começado em Manjakaze. Ao entrar no bairro Luís Cabral à procura de um quarto para arrendar, as suas melancolias começaram a falar mais alto porque, contrariamente ao que o primo lhe tinha dito, não havia naquele bairro um quarto de cuja renda fossem 250 meticais.
“Não consegui casa para viver. Graças à compaixão de alguns jovens, passei a dormir na varanda de uma barraca. Há jovens que, para não sentir a “dor” da vida que levam, preferem refugiar-se nas drogas e no álcool. São esses que se dedicam ao roubo de bens dos passageiros”, diz Malate.
No dia seguinte, pediu para deixar as suas malas numa barraca ali por perto e saiu para comprar recargas para revenda, na companhia de um amigo, também sem tecto, que acabara de conquistar,
“O meu amigo contou-me que era possível viver em Maputo sem ter casa, bastando, para tal, ter um pouco de coragem. Quando ouvi isso, não mais me preocupei em procurar uma casa para arrendar. Passei a deitar-me na varanda de uma barraca. Apenas precisava de proteger os montantes do seu negócio. Era isso que fazia. Passei duas semanas dormindo na varanda com o referido amigo. O negócio, este, corria-me a mil e uma maravilhas”, revela.
Hoje, Malate dedica-se à venda de recargas e, segundo conta, consegue auferir mais do que aquilo que o primo lhe tinha dito há três anos. Vive numa casa arrendada onde paga 800 meticais por mês. “Sinto-me minimamente realizado”, conclui.
Falta de higiene na confecção da comida
Deolinda Chilaule faz o “negócio de comidas” na junta há mais de cinco anos. Conta que há dias em que não vai para casa, ou se o faz, é na madrugada do dia seguinte. “Há sempre pessoas que chegam por vezes sem familiares por perto e precisam de se alimentar. Nós ficamos aqui até de madrugada para satisfazer a essas e outras pessoas”.
Dona Deolinda, como é carinhosamente tratada, admite que o seu fogão tem estado aceso 24 horas por dia, porque logo às 4 horas da madrugada já está no local fervendo água para o pequeno-almoço, que é servido por volta das 7 horas. Depois, por volta das 8 horas, começa a preparar a sopa, que serve de aperitivo para o prato do dia.
Enquanto a sopa fica pronta, está na hora de fazer o prato do dia. É preciso ressalvar que a comida deve ser preparada para, no mínimo, 20 pessoas e deve estar (sempre) quente. Os clientes da Dona Deolinda são, na sua maioria, vendedores de recargas, cobradores, motoristas e passageiros (principalmente os que fazem viagens de longo curso).
Quanto aos ganhos, Dona Deolinda desconhece-os, talvez porque nunca tenha parado para pensar, mas estima que consegue por dia mais ou menos mil meticais.
Porém, a falta de higiene na confecção das refeições na Junta é uma realidade que salta à vista de qualquer um. Falta quase tudo para que a comida seja preparada com as mínimas regras de higiene. O primeiro factor que mina a boa higiene na Junta é a falta de água. Alguns produtos, como o arroz, são preparados sem serem lavados.
As panelas são mantidas abertas de modo que os “clientes” possam ver o que se tem como prato do dia. Nisto, as moscas não deixam de “passear a sua classe” nas tais refeições, depois de terem pousado no lixo e excrementos que podem ser vistos em qualquer ponto da Junta, como resultado da falta de sanitários públicos.
Apesar de ser um ponto de convergência de pessoas provenientes de todos os pontos, o Terminal da Junta não possui sanitários públicos. Cada um satisfaz as suas necessidades (biológicas) onde bem entende, mesmo que para tal tenha de se expor ao público.
Recentemente, um investidor decidiu colocar alguns urinóis no local, mas o que parecia ser a solução para o crónico problema de falta de casas de banho e de fecalismo a céu aberto, teve pouca adesão.
Os vendedores dizem que os preços praticados, que variam de 2 a 5 meticais, são proibitivos, daí preferirem usar os lugares alternativos, nomeadamente as paredes das barracas e os pneus das viaturas ali parqueadas.
As enchentes
Sempre que chove, a Terminal Interprovincial da Junta debate-se com um problema que já tem barba branca: as enchentes causadas pelo entupimento das condutas recentemente construídas para o escoamento das águas da Estrada Nacional Número Um para o vale do Infulene.
O facto de não haver contentores para o depósito de lixo faz com que os comerciantes deitem os resíduos sólidos nas valas de drenagem. Para além dos resíduos sólidos, as valas, por serem de céu aberto, ficam cheias de areia. Estes dois factores contribuem para o deficiente funcionamento do sistema de drenagem ali montado.
Quando a chuva passa, e as águas das chuvas desaparecem, a imundície toma conta do lugar. A argila e os demais resíduos ficam ali acumulados até que a própria natureza se encarregue de os limpar. Afinal, não há um dia em que se faça limpeza naquele lugar.