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O Natal do povo

O Natal do povo

Já é de domínio de todos que a vida, tal como a moeda, têm duas faces. Enquanto o Natal de alguns resumiu-se em festas e fartura, o de outros (a maioria) foi marcado pela nudez. Nudez esta que já faz parte das suas vidas. A única coisa que fizeram foi limitar-se a assistir a fartura dos outros.

A equipa de reportagem fez uma ronda pelos bairros periféricos da cidade de Maputo, a capital do país, onde tudo e todos convergem. O objectivo era ver como é que as pessoas estavam a passar o Natal e em que condições, assim como confirmar ou contrariar as declarações do Chefe do Estado aquando da apresentação do Estado Geral da Nação, segundo as quais “Moçambique continua a crescer”.

No terreno, a situação é dramática, aliás, nem é preciso esperar pelo Natal para notar as diferenças sociais que caracterizam o nosso país e a capital, em particular. Ainda existe um grande fosso entre os ricos e os pobres. No centro da cidade de Maputo, nem tudo vai bem como pode parecer aos olhos dos cidadãos mais incautos ou desatentos.

Ao longo da Avenida 24 de Julho, encontrámos aqueles que já não brotam lágrimas pelo que comer, mas sim pelo abrigo ou tecto. São os sobejamente conhecidos meninos de/na rua, os que vivem expostos às intempéries da mãe natureza. Porque um mal nunca vem só, nos dias 23 e 24 de Dezembro choveu de tal forma que as pessoas pensaram que a festa do Natal estaria comprometida.

Eram precisamente 17 horas do dia 23 quando passámos pela “mini lixeira” criada a escassos metros da Assembleia da República, a dita casa do povo (abastado). Casa do povo abastado porque o necessitado não está ali representado. Pudemos ver jovens e adultos que (sobre)vivem do que encontram nos contentores, os que desejam que não anoiteça por não terem onde dormir. Difícil foi perguntar a eles como iriam passar o Natal, porque a resposta estava mesmo ao alcance dos nossos olhos.

João France*, de 19 anos, vive catando o lixo há mais de 5 anos. Questionado sobre os motivos que o levaram a fugir de casa para viver na rua este apontou os tratos perpetrados pela sua madrasta como sendo o motivo que o levou a abdicar da vida familiar. João é órfão de pai e mãe. As condições de vida, segundo nos contou, agravaram-se quando o seu progenitor perdeu a vida, deixando-o com a sua madrasta, que aparece nas páginas da vida de João como vilã.

O seu Natal foi passado ao lado dos seus companheiros (de rua). O seu desejo era, claro, passá-lo ao lado da sua família, mas quis o destino (e a madrasta) que assim não o fosse.

A alimentação de João, à semelhança de tantos outros que se encontram nas mesmas condições, depende do que os outros deitam nos contentores. No dia 25 quase que não comeu nada durante todo o dia, alegadamente porque as pessoas ainda estavam a cozinhar. A sorte sorriu quando, no dia seguinte, 26, começaram a aparecer pessoas a deitar restos de comida nos contentores.

No bairro da Mafalala, um dos bairros periféricos da cidade de Maputo, encontrámos a família Maneze, uma família que vive, literalmente, do pão que o diabo amassou. Falta-lhe o mínimo. “Não temos nada para preparar. O pouco dinheiro que o meu marido conseguiu no seu trabalho (cerca de 100 meticais) deu para, pelo menos, comprar 1 quilograma de farinha de milho e 1 quilograma de peixe carapau. Não é muito, mas dá para enganarmos o estômago”, conta Esmeralda Zita.

Sem esperanças para o futuro, a única coisa que Esmeralda deseja é a saúde, sem a qual nada se pode fazer. Ela é desempregada e para sobreviver é obrigada a fazer trabalhos domésticos na vizinhança, tais como lavar a roupa, fazer limpezas, dentre outros. Há décadas que o seu marido foi colhido pelo desemprego e pela miséria. Ele também não trabalha. Para poder fazer jus ao papel de pai e marido, passa a vida fazendo biscates.

A quadra festiva não se resume àqueles que têm boas condições de vida. As famílias carenciadas também procuram celebrar da melhor maneira possível, com ou sem dinheiro. Basta que, para tal, haja saúde, condição indispensável na vida de qualquer ser humano.

Já no bairro Ndlhavela, município da Matola, não nos foi fácil resistir à penúria por que passa uma família de três membros (um casal e filho), cujo filho conta com seis anos de idade. Encontrámo-lo deitado numa esteira na parte frontal da minúscula casa de caniço, (talvez) pensando no que os seus pais vão desenrascar para se alimentar.

À primeira vista, parecia que o menino Tchitcho, como é tratado, estivesse doente, mas não era verdade. Ele estava com fome. Mas a revolta pela desigualdade social falava mais alto porque, bem ao lado da sua casa há pessoas que levam uma vida faustosa. Era possível sentir o cheiro de carne a ser preparada.

Isabel e José Bila são os pais do pequeno Tchitcho. Os três são obrigados a viver uma vida que o destino lhes impôs. “O meu marido está doente há já uma semana. Ele não sai de casa e o seu estado (débil) não permite que ele saia à procura do “pão”. Eu também não trabalho, não tenho onde pedir ajuda. Aqui em casa não há festa nenhuma”, comentou Isabel.

 

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