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Um outro conceito de cadeia

ESTADO DA NAÇÃO REAL: Justiça ofuscada pelos mesmos problemas

É uma cadeia, mas não reúne um dos principais requisitos para tal: a vedação. Não faz parte dos estabelecimentos prisionais que constituem um fardo para a instituição que a tutela, neste caso o Serviço Nacional das Prisões (SINAPRI) porque os reclusos produzem o que comem e ainda abastecem o mercado local e uma parte dos centros de reclusão da zona Sul do país.

Estamos a falar da Penitenciária Agrária de Mabalane, localizada no distrito com o mesmo nome, a norte da província de Gaza e a cerca de 300 quilómetros da cidade de Maputo. Tem capacidade para albergar mil reclusos mas neste momento acomoda apenas 800, provenientes das três províncias da região Sul do país, nomeadamente Maputo, Gaza e Inhambane.

O que a distingue das outras cadeias é o facto de ser um centro aberto, onde a vida do recluso não se limita apenas em acordar, tomar o banho do sol e, no fim do dia, regressar à cela. Ali, o preso tem de produzir para poder ter as duas refeições diárias que constituem a ementa.

Eles dedicam-se à prática da agricultura e pecuária, actividades desenvolvidas nos 300 hectares de terra arável de que a penitenciária dispõe. Mas, devido a várias limitações que caracterizam as instituições do país, são explorados apenas 60 hectares, nos quais são cultivadas diversas culturas (milho e feijões) e hortícolas (repolho, tomate, couve, cebola e batata reno), dentre outros produtos.

No que diz respeito à pecuária, a penitenciária possui mais de 60 cabeças de gado bovino e mais de 100 caprinos e ovinos, sendo proprietária de dois tractores e suas respectivas alfaias.

Porque a zona em que foi instalada não tem condições agro-ecológicas para a plantação de arroz, a direcção da cadeia solicitou a disponibilização de uma parcela com mais de 200 hectares às autoridades do distrito de Chókwè, na qual parte dos reclusos produzem o cereal.

Este ano, devido à chuva que caiu nos primeiros meses, foram aproveitados apenas 40 dos 200 hectares previstos. A outra parte foi destruída pela fúria da mãe natureza.

É o resultado desta produção que garante a subsistência dos reclusos da Penitenciária de Mabalane, responsável também pelo abastecimento das cadeias da zona Sul, com destaque para as da cidade e província de Maputo.

Mas porque os fundos que são alocados através do Orçamento Geral do Estado não são su ficientes, o que não constitui novidade para qualquer cidadão que se diz moçambicano, o excedente é comercializado no mercado local. Aliás, os interessados é que se dirigem à penitenciária para adquiri-lo.

Doenças

Mas nem tudo vai bem naquele recinto. À semelhança do que acontece nas cadeias deste vasto Moçambique, em que os índices de infecção pelo vírus do HIV são alarmantes, na Penitenciária Agrícola de Mabalane não podia ser diferente.

Há reclusos que padecem desta doenças e de outras a ela associadas, tais como a malária e a tuberculose. Embora não tenha avançado números, o director da penitenciária, Tomas Wache, desdramatiza a situação alegando que os presos não contraem tais enfermidades ali, “trazem-nas” de fora.

Entretanto, o mais preocupante é o facto de a penitenciária não dispor de pessoal médico permanente. O único técnico de saúde que presta assistência aos presos em caso de necessidade foi afecto pelo centro de saúde do distrito, ou seja, desloca-se ao local e trabalha a tempo parcial.

Este é um problema que tem os dias contados pois, segundo o director, “atribuiu-se uma bolsa de estudo a um dos nossos funcionários. Ele está a formar- -se em enfermagem. Após a conclusão, ele estará ao dispor dos reclusos a tempo inteiro. Queremos garantir o mínimo de cuidados de saúde”.

Educação

O recluso é apenas uma pessoa privada de liberdade e porque a cadeia serve para reabilitá-lo e devolvê-lo à sociedade, a direcção daquele estabelecimento prisional construiu uma escola com quatro salas de aulas, que lecciona da primeira à oitava classe, incluindo a alfabetização e educação de adultos. O corpo docente é constituído por professores pertencentes à Direcção Distrital de Educação de Mabalane.

Neste ano lectivo, há 30 reclusos a frequentarem a oitava classe. “Temos graduado alunos anualmente. A nossa escola é interna, ou seja, não recebemos alunos externos à penitenciária. Ainda não temos capacidade para tal. Se pudéssemos, mandávamos os reclusos para as escolas do distrito, mas teríamos de ter um efectivo de guardas enorme para poder escoltá-los”.

Dificuldades

Estranho seria falar de um estabelecimento desta natureza sem di ficuldades. Recentemente, a ministra da Justiça, Benvinda Levi, veio a terreiro a firmar que 90 porcento do orçamento alocado ao Serviço Nacional das Prisões (SINAPRI) é gasto em despesas com reclusos em prisão preventiva, cujos prazos legais foram ultrapassados. Mas este não e o caso da Penitenciária Agrícola de Mabalane.

Uma das principais difi culdades, senão a principal, daquele estabelecimento prende-se com a falta de dinheiro não para alimentar ou manter os reclusos, mas sim para a materialização dos seus projectos, dentre os quais a reconstrução das infra-estruturas destruídas aquando dos ataques protagonizados pelo regime de Ian Smith, primeiro-ministro da Rodésia, actual Zimbábwè, que combatia os guerrilheiros de Nkomo e a intervenção de países vizinhos, dos quais Moçambique fazia parte, e durante a guerra dos 16 anos.

Este ano, por exemplo, o director da cadeia a firma que não foram recebidos fundos para investimentos, mas mesmo assim “estamos a implementar um sistema de saneamento que vai permitir que a água chegue às celas dos reclusos. Temos um furo de água no nosso recinto mas os presos têm de recorrer a recipientes de 20 litros para poderem ter água para o banho e outras necessidades”.

A reconstrução afi gura-se uma das principais prioridades daquele centro prisional. As paredes dos edifícios ainda têm marcas de balas.

A cozinha, o refeitório e alguns pavilhões estão literalmente em ruínas. Actualmente, a comida é confeccionada ao ar livre, apesar do perigo que isso representa, uma vez que a penitenciária está implantada numa zona seca e poeirenta.

De finitivamente, a Penitenciária Agrícola de Mabalane é uma excepção quando se trata de estatísticas do nosso sistema prisional. Dados do SINAPRI indicam que o custo médio estimado por recluso, por dia, é de 674,10 meticais.

Se esta quantia for extensiva a todos os centros de reclusão do país, pode-se afi rmar categoricamente que os presos de Mabalane teriam uma vida “faustosa”, pois cada um deles gasta apenas 60 meticais por dia, ou seja, um décimo da média nacional.

Rotina diária

Os reclusos levantam-se às cinco da manhã e só retornam às celas às 17. Durante o tempo em que estão fora, dividem-se em grupos em função das tarefas que lhes são atribuídas. Uns vão à machamba enquanto outros permanecem no recinto a fazerem outros trabalhos, tais como cozinhar.

A par disso, há reclusos que vivem em pequenas cabanas por eles erguidas e há os que estão em regime semi-aberto, que são os responsáveis em diversos sectores no campo agrícola, como a sacha, a rega, o plantio e o tratamento de diversas culturas, incluindo a guarnição.

Nos tempos livres, dedicam-se a actividades desportivas no campo adjacente e a actividades culturais. Prova disso é a existência de um grupo cultural (dança, teatro, poesia, canto) e equipas de futebol, que no último sábado abrilhantaram o convívio organizado pela APREJOR (Associação para a Reinserção do Jovem Recluso), que, à semelhança dos outros anos, levou àquela cadeia lhos e familiares dos presos.

Fugas

Embora estejam num ambiente diferente de uma prisão comum, há alguns reclusos que não se contentam com o facto de fazerem parte dos que “têm a sorte” de para ali serem transferidos. Alguns evadem-se partindo dos campos agrícolas, onde fi cam quase livres devido à confi ança de que gozam.

Só neste ano, já foram registadas sete evasões, dos quais apenas três dos presos é que foram recuperados, daí que o director considere que “não tem sido fácil recuperar um delinquente, mas tentamos fazer o possível. Mas, no cômputo geral, o comportamento deles é bom”.

História da Penitenciária Agrícola de Mabalane

A Penitenciária Agrícola de Mabalane foi criada pelo regime colonial português no dia 25 de Abril de 1963, como campo de trabalho prisional. Na altura, acomodava presos políticos, cuja maior parte era encaminhada para aquele campo para interrogações, torturas e cumprimento de penas de prisão.

Em 1973, devido à pressão da comunidade internacional, em particular da Organização das Nações Unidas, exercida sobre o regime colonial português, o qual era acusado de violar sistemática e grosseiramente os direitos humanos naquele campo, houve necessidade de alterar os seus objectivos e, através do Decreto 447/73, foi introduzido o conceito da Penitenciária Agrícola de Mabalane, vocacionada para o desenvolvimento de actividades agro-pecuárias, numa extensão de 721 hectares.

Durante o confl ito armado no Zimbábwè, a penitenciária sofreu um bombardeamento protagonizado pelo então regime da Rodésia do Sul e uma grande área da instituição foi minada. Em 1978/79, devido à impossibilidade de continuar como penitenciária tendo em conta a sua vulnerabilidade a actos de guerra (bombardeamentos pelo regime acima referido), foi obrigada a encerrar as suas actividades.

Depois do confl ito armado, já em 1996, foi reaberta, nomeada uma direcção e iniciadas as operações de desminagem, com vista a relançar as suas actividades.

A penitenciária tem capacidade para albergar um número estimado em cerca de 1500 reclusos e actualmente tem 800, transferidos das cadeias provinciais da região Sul do país.

Desde a sua reabertura, a instituição vem benefi ciando de obras de reabilitação das suas infra-estruturas, facto que se acredita possa, num futuro breve, vir a acolher um número maior de reclusos.

Alguns números:

Pavilhões: 10

Capacidade de cada pavilhão: 106 reclusos

Capacidade de cada cela: 2 reclusos

Capacidade instalada: 1500 reclusos

Capacidade actual: 1000 reclusos

Perfis

Francisco Alexandre Chilengue

Tem 34 anos de idade e foi preso por um motivo que não nos quis revelar. Condenado a quatro anos e dez meses de prisão, dos quais já cumpriu um ano e quatro meses, diz ter a sua esperança depositada nos seus quatro filhos.

Ao sair da cadeia, Francisco Chilengue pretende retornar à sua vida normal, exercendo as tarefas de professor de Golfe, o que já vinha fazendo na cidade de Maputo, concretamente no bairro Polana Caniço “B”, onde reside.

Adriano Carlos Vembane

Tem 29 anos de idade e foi condenado a 12 anos de prisão. Diz ter sido vítima de injustiça, cujos pormenores não nos revelou.

Com os quatro anos já cumpridos, afirma não ter nenhuma ideia para seguir em frente. Contudo, ao sair da prisão, tem planos de voltar a vender medicamentos tradicionais, actividade que exercia quando em liberdade.

Morador do bairro de Ndlavela, município da Matola, província de Maputo, Adriano Vembane conta que é seu desejo voltar a cumprir os deveres de pai, para com os seus dois filhos de 12 e de 7 anos.

Júlio Armando Massingue

Tem 30 anos de idade e está cumprir uma pena de oito anos desde 2008. Natural da província de Gaza, distrito de Mandlakaze, localidade de Macuácua, antes de ser preso encontrava-se a cumprir o Serviço Militar Obrigatório.

Foi parar à cadeia porque violou uma menor em Mandlakaze. Pai de dois filhos, de sete e cinco anos, Júlio Massingue diz que tem os sonhos adiados, embora espere que o tribunal considere a proposta de liberdade condicional, cuja aprovação poderá ser conhecida a 30 de Setembro do ano em curso.

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