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Papel que alimenta vidas

Papel que alimenta vidas

Na baixa, a meca comercial da cidade de Maputo, a azáfama é uma rotina. Um lugar com cartões de papel amontoados chama a atenção dos transeuntes. É o negócio do papel…

Todos os dias, de segunda a sábado, na esquina entre as longas avenidas 25 de Setembro e Filipe Samuel Magaia, próximo do Mercado Central, na baixa da cidade, um negócio pouco comum e um aglomerado de pessoas sobressaem aos olhos dos que por lá circulam. Trata-sede um local de venda de caixas de papelão, uma actividade que se tornou ao longo de décadas na solução para a precariedade financeira de muitas famílias.

Nesse lugar que, nas primeiras horas do dia, parece tratar-se de um terreno baldio, a vida começa relativamente cedo, pelas cinco e meia da manhã. Verificar, arrumar e expor as caixas são os actos primordiais protagonizados por este grupo de pessoas que diariamente têm de percorrer longas distâncias em busca duma fonte de rendimento familiar, que lhes permite, simultaneamente, a inserção no sistema do mercado informal.

A actividade é exclusivamente praticada por homens. Chefes de famílias, cuja faixa etária anda acima de 30 anos – o mais velho do grupo tem 71 anos de idade –, baixo grau de escolaridade, este é o perfil de grande parte deles que, por esta razão, têm dificuldades de encontrar um emprego formal.

Na sua maioria oriunda de bairros limítrofes da cidade de Maputo e não só, eles cruzam-se debaixo de um sol intenso para ganhar o sustendo diário e, consequentemente, fomentar a economia e contribuir para o crescimento do país, ainda que informalmente.

Um mundo à parte

Diante das dificuldades da vida causadas pela falta de emprego, pouco mais de uma centena de moçambicanos recorre à venda de caixas de papelão na baixa da cidade, pois foi a única alternativa que estas pessoas encontraram como estratégia de sobrevivência.

No local, as lições e as regras são traçadas dia-a-dia pela necessidade de sobrevivência e pelo curso da própria vida. Desconhece-se ao certo quando e como o mercado de caixas surgiu, mas Pedro Novela, que faz daquele espaço o seu posto de trabalho, garante que há muitos anos busca o sustento ali.

Aliás, conta-nos que o pequeno mercado surgiu por volta da década de ‘80 e apenas meia de dúzia de pessoas se dedicava à actividade. Presentemente, o número de vendedores cresceu e a procura também.

Naquele espaço, que não é apenas de venda exclusiva de caixas de papelão – também é possível adquirir cordas e fitas-cola –, há moçambicanos de todos os cantos do território nacional, com particular destaque para as províncias de Gaza, Maputo, Sofala e Zambézia.

Ali, a geografia não faz qualquer sentido por entre as pessoas que são uma espécie de imigrantes dentro do seu próprio país, movidos pelo instinto de sobrevivência. As suas vidas são pautadas por episódios inesperados de quem luta com dificuldades sem fim para ter o que comer.

A maior parte dos vendedores orgulha- se dos feitos que conseguiu graças ao negócio. Constituir família, edificar uma casa e colocar os filhos na escola são algumas das coisas positivas conquistadas durante anos de trabalho. Em média, a renda mensal varia entre o menor e o maior salário mínimo nacional, ou seja, dois mil e cinco mil meticais.

Mas nem tudo é um mar de rosas. O valor que eles amealham nem sempre chega para as despesas básicas, nomeadamente alimentação, a conta de água e luz, o transporte e a refeição diária no local de trabalho. “Esta é a nossa casa, passamos o dia todo aqui. Mata- -bichamos, almoçamos e lanchamos neste lugar. Vamos para casa apenas para dormir”, afirmou Celso Cuambe, vendedor de caixas de papelão há pouco mais de 10 anos.

No final do dia, regressam à casa com o dinheiro obtido para as necessidades da família. Mas antes têm de arrumar as caixas, cobrem-nas com uma lona e deixam naquele mesmo lugar sob vigilância de um agente de segurança que no fim de cada mês recebe um valor do grupo de vendedores pelo trabalho extra.

Naquele espaço não só os homens ganham a vida. Há também mulheres a fortalecerem as suas participações na economia familiar. Florinda Matavele e Vanessa Chiungo são exemplos disso. A primeira dedica-se à confecção de alimentos há dois meses. E a outra adquire sacos vazios a seis meticais nas padarias e comercializa-os a 10 meticais, uma actividade que pratica há cinco anos.

Saudades do tempo das “vacas gordas”

Se nos tempos idos o negócio corria de vento em popa, actualmente não se pode dizer o mesmo, visto que se tem registado momentos nada agradáveis.

Aliás, hoje em dia a concorrência cresceu e os principais fornecedores de caixas, sobretudo os trabalhadores das lojas e dos armazéns, deixaram de olhar para as mesmas como se de lixo se tratasse e passaram a vendê-las como uma forma de aumentar o rendimento mensal que geralmente não ultrapassa os dois mil meticais.

“O meu patrão dá-me estas caixas para deitar no lixo, mas apercebi-me de que posso ganhar algum dinheiro para o chapa com elas”, disse Nelson Sabão.

Pedro Novela conta que, antigamente, era possível vender mais de 50 caixas de papelão por dia, além de não haver a preocupação com a despesa de aquisição das mesmas. Hoje, atingir metade daquela cifra é uma verdadeira missão impossível.

Por mês, em média, pelo menos duas mil caixas de papelão são vendidas naquele mercado. Elas são adquiridas nos armazéns e lojas algures na baixa da cidade a preços que rondam entre três e 20 meticais e revendidas por quantias que variam de cinco a 50 meticais.

Um negócio sui generis

Pedro Novela – Nasceu em Manjacaze, província de Gaza, há 71 anos. Muito cedo abandonou a sua terra natal em busca de melhores condições de vida na capital do país e nunca mais voltou. Começou por dispor de um salão de cabeleireiro, mas a crescente necessidade de sustentar a família, aliada à falta de instrumentos de trabalho, levaram-no a mudar de actividade, passando a dedicar-se à comercialização de caixas de papelão. Novela é o mais antigo vendedor de caixas de papelão no localpróximo do Mercado Central, na baixa da cidade de Maputo.Dedica-se àquela actividade desde 1981. Tudo começou quando lhe foi formulado um convite para trabalhar com um amigo, numa época em que poucas eram as pessoas que se faziam àquele espaço para ganhar o sustento diário. Presentemente, o negócio já não rende como no passado. “Hoje há muita gente a vender caixas e na sua maioria miúdos”, comenta. Residente no bairro de Polana Caniço “A”, casado e pai de seis filhos, Novela afirma que, graças ao negócio, sustentou a sua família e colocou os descendentes na escola. Com a venda de cartões de papelão, Pedro Novela amealha, por mês, em média, entre dois mil a três mil meticais.

Celso Cuambe – Natural da cidade de Maputo, Celso Cuambe, de 30 anos de idade, faz da vendade caixas de papelão o seu ganha-pão há pouco mais de 20 anos. As condições de vida definhavam e tornavam-se insustentáveis. Aliás, as dificuldades financeiras por que passava foram alguns dos motivos que fizeram com que Celso recorresse àquele local. Ou seja, abraçou a actividade pela necessidade de sobrevivência nos princípios dosanos ‘90. Mas a sua história começa quando, todos os dias, passava por aquela zona da cidade e avistava vários jovens e miúdos da sua idade a exercer aquela actividade. A urgência de ganhar dinheiro, de forma honesta, para ajudar na renda de casa levou-o a entrar naquele mundo e, neste momento, não quer que lhe falem noutra actividade, até porque, afirmou, os bens que conquistou até agora resultaram do negócio de caixas. “Este é meu emprego e é com esta actividade que garanto o sustento da minha família, os meus filhos vão à escola e construí a minha casa”, afirmou. Pai de um casal, Celso Cuambe vive maritalmente no bairro de Infulene e orgulha-se do trabalho que faz. Interrompeu voluntariamente a 8ª classe para se dedicar, a tempo integral, ao negócio que lhe garante uma renda mensal que varia entre três mil e quatro mil meticais.

Francisco Cote – Nascido na cidade da Beira, há 35 anos, Francisco Tomo Cote dedica-se à comercialização de caixashá aproximadamente 16 anos. A falta de emprego foi o principal motivo que o levou a abandonar a sua terra natal com destino à cidade de Maputo. Conhecer a capital do país sempre foi o seu sonho de infância, razão pela qual não pensou duas vezes quando lhe foi formulado um convitepara ganhar a vida. Aliás, acompanhado e incentivado pelo seu irmão, Francisco deixou a cidade da Beira, interrompendo a 7ª classe, na esperança de melhores condições de vida. Mas a realidade sobrepõe-se aos sonhos, tendo ido parar no negócio de caixas de papelão. Hoje, embora as coisas não tenham corrido como imaginava, não se sente arrependido da escolha, até porque, conta, “as coisas melhoraram”, pois, graças à actividade, “consegui conquistar muita coisa na vida”. Solteiro e pai de uma menina, Francisco Cote, mais conhecido por Ambrósio entre os amigos e colegas de actividade, não faz ideia de quanto amealha mensalmente devido à natureza do próprio negócio, mas garante que obtém pelo menos um salário no valor de 2500 meticais.

Ricardo Maquice – Depois de uma experiência mal sucedida na vizinha África de Sul, Ricardo Maquice, de 41 anos de idade, decidiu dedicar- se à comercialização de caixas de papelão na baixa da cidade de Maputo. E há pouco mais de sete anos encontra- -se a exercer esta actividade. Natural de Maputo, Ricardo rumou para as terras do rand em busca do “el dorado”, mas o que lhe parecia um sonho tornou- se um pesadelo que prefere não trazer à memória. Durante muitos anos, trabalhou no país vizinho como pintor, e só regressou à terra natal porque se encontrava doente e sem apoios. Mais tarde, sem meios para regressar ao trabalho na África de Sul, procurou emprego, mas sem sucesso. E as condições de vida estavam cada vez mais difíceis. Residente no bairro de Tsalala, a luz no fundo do túnel foi um amigo, que lhe ofereceu um emprego como ajudante de vendedor de caixas na baixa da cidade. Sem alternativa, aceitou e, presentemente, dispõe do seu próprio negócio que lhe garante mensalmente pouco mais de dois mil meticais com o qual sustenta a sua família composto por cinco pessoas.

Florinda Matavele – Há dois meses, Florinda Agostinho Matavele, de 49 anos de idade, confecciona refeições naquele. Uma actividade que considera temporária visto que ela trabalha para uma família como empregada doméstica. Casada e mãe de sete filhos,Florinda viu o contrato que tinha como o seupatrão interrompido, porque a família para a qual trabalhou durante vários anos encontra-se fora do país, concretamente nos Estados Unidos da América, por tempo indeterminado. Para não ficar em casa sem nada que fazer, e enquanto aguarda o retorno do seu patrão e também devido ao custo de vida, uma vez que, com o salário que auferia, ela ajudava no rendimento familiar, Florinda decidiu arranjar uma ocupação, tendo optando pela venda de comida para os vendedores de caixas de papelão e demais pessoas que se fazem àquele lugar. Com a ajuda da sua sobrinha, desenvolve a actividade todos os dias – excepto aos domingos – mas considera-o um negócio inseguro, pois há dias que tem dificuldades de vender toda a comida, o que causa grandes prejuízos. “Um emprego é sempre uma coisa segura. Estou nesta actividade fazendo tempo”, comenta e acrescenta que é difícil calcular a média do rendimento diário devido às constantes oscilações.

Vanessa Chiungo – Residente no bairro de Laulane, Vanessa Chiundo, de 25 anos de idade, vende sacos vazios há cinco anos. A actividade começou como uma mera ocupação, mas a necessidade de ajudar o seu esposo nas despesas de casa, ou seja, no sustento da família, obrigou-a a abraçar este negócio que pratica quase todos os dias. Vivendo maritalmente, Vanessa afirmou que este é o meio que encontrou para reforçar o salário mensal do seu esposo que, segundo as suas próprias palavras, é insuficiente para o suprimento das necessidades da família, como a aquisição de bens alimentares e o pagamento de serviços, designadamente a saúde e a educação dos dois filhos. Mensalmente, com a venda de sacos vazios, amealha, em média, 2500 a 3500 meticais.

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