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‘@Verdade EDITORIAL: Um guerra que não queremos

É preciso olhar para os rostos das flores que nunca murcham para compreender que o solo desta pátria não precisa de mais sangue. O olhar cansado de uma anciã, que nos chega pelos ecrãs da Televisão Independente de Moçambique, lembra o quão triste foi a guerra dos 16 anos. As perguntas que não querem calar, num rosto calejado pelo sofrimento, são eloquentes: “Ninguém se importa com o que se passa com os moçambicanos que vivem nesta parte do país, nem com as bombas que arrasaram as nossas casas, nem que voltem a morrer os nossos filhos. Ninguém fez alguma coisa para impedir essas mortes , nem para nos ajudar a reerguer o que perdemos naqueles 16 anos de guerra”, dizia desesperada uma anciã que fugia do centro da tensão dirigindo-se para um destino incerto na cidade da Beira.

A mulher e o seu esposo acabavam de conseguir uma boleia para deixar Gorongosa para trás. Levavam penosamente nos troncos cansados os poucos pertences que conseguiram carregar e juntar ao longo da vida. E deram imediatamente o rosto às câmaras de televisão, necessitados de contar o seu drama. “Isto tem de parar”, repetiam.

“O que será de nós de agora em diante?”, perguntam duas mulheres que estavam com cinco crianças. Os esposos tinham ficado atrás, incorporados nas fileiras dos guerrilheiros da Renamo. Os depoimentos desta gente desesperada, sem eira , nem beira, recordam histórias tristes do passado e que já estavam esquecidas. Uma era onde o Governo e a Renamo trocavam tiros que decepavam os sonhos deste povo, na qual minas interrompiam futuros e a terra recebia cadáveres. É isso que transmitem essas pessoas que deixam o aconchego do lar. Elas não querem ver novamente crianças mortas, algumas irreconhecíveis, com a cara destroçada ou sem cabeças. É isso que devemos contar às novas gerações para que todos se lembrem dos efeitos nefastos da guerra e exijam que se acaba com a barbárie.

Vendo o rosto daquela gente sofrida e que vive do que a terra dá é complicado não se deixar engravidar pela revolta. É impossível não sentir uma raiva tremenda de quem colocou o país nesta encruzilhada. É desesperante compreender que houve um diálogo que não resolveu nada e que até desembocou no empobrecimento de moçambicanos. Esses rostos anónimos que deixam tudo o que têm para viver mais um pouco. Essas pessoas que sempre viveram no campo e do campo e que agora têm de tentar ganhar a vida nos grandes centros urbanos, onde é possível fugir da morte, mas também é certo abraçar a fome e a penúria. Onde será necessário construir uma nova teia de mecanismos de sobrevivência para não perecer nas engrenagens próprias de um meio que não escolheram.

E são idosos. Pessoas de quem poderíamos deduzir que já não há muitas coisas há perder. Ainda assim, fogem das agruras da morte. E serão eles, com certeza, que cuidarão dos órfãos. Ou seja, depois dos 16 anos e das suas mazelas, pretendemos construir um país de órfãos, no qual as raparigas se prostituem e os adolescentes viram larápios? A guerra tem de deixar de desestruturar as nossas famílias.

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