Começou mais ou menos pacificamente, na Tunísia, há cerca de um mês. Comunicou-se, depois, inesperadamente, ao Egipto. Com alguma violência inicial mas que acabou numa euforia generalizada, com a demissão de Mubarak e a neutralidade das Forças Armadas. Mas Mubarak ainda está no seu Palácio de Sharm el Sheikh, apesar de as Forças Armadas terem prometido “eleições livres e justas”. Não devemos esquecer que o Egipto é um país-chave do Próximo Oriente, cujo povo se revelou politicamente muito maduro.
Na Argélia, uma manifestação tentada foi desfeita pela violência policial, com bastantes feridos, um morto e muitos presos. Mas nem por isso os protestos acabaram, sendo cada vez maiores.
Veremos se a semente do descontentamento vai germinar ou não, como parece nos últimos dias estar a acontecer. Há também manifesto mal-estar e inquietação em Marrocos, onde, no sábado passado, houve em várias cidades grandes protestos mais ou menos pacíficos. E na Mauritânia, onde o mesmo sentimento de revolta está a amadurecer.
Para Leste, o contágio dos acontecimentos da Tunísia, e depois do Egipto, foi mais rápido e muito mais violento. A repressão parece ter sido brutal e imediata, sobretudo na Líbia, onde Kadhafi estabeleceu um muro de silêncio para o exterior e provocou um verdadeiro massacre no plano interno.
A Polícia não bastou e o Exército teve de intervir, fazendo, segundo as agências, duas centenas de mortes, para evitar que em Bengasi e noutras cidades, mesmo em Tripoli, gritassem “Morte ao tirano!” Um militar que governa o país, com mão-de-ferro, há mais de quarenta anos.
No Bahrein, um dos emirados, as manifestações começaram por ser pacífi cas. Reclamavam, tão-só, liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos, como por toda a parte. Mas, após a morte de três manifestantes, os protestos endureceram, os reformistas que gritavam nas ruas tornaram-se revolucionários e o exército reagiu com fogo real, fazendo mais de cem feridos, alguns dos quais em estado muito grave.
O príncipe Salman demitiu o Primeiro-Ministro e falou ao país, dizendo que a monarquia do Bahrein “nunca foi um Estado policial e que estava pronto a negociar”. Mas alguns observadores acham que será demasiado tarde. Na Jordânia, as manifestações parecem ser menos violentas, dado que o Rei Abddullah II se tem mostrado mais aberto.
No Irão, pela voz do Presidente, Ahmadinejad, comparouse a revolução vivida agora no Egipto com a revolução iraniana de 1979. Não têm nada a ver uma com a outra! Foi um erro tal comparação, num Estado teocrático cuja população está extremamente tensa desde as últimas eleições, que tiveram como resultado a prisão de alguns dos líderes da oposição.
Os oposicionistas, em consequência, vieram para a rua pedir liberdade e mudança do regime teocrático. Foram presos e espancados pelas forças repressivas. Na Assembleia, os deputados, favoráveis ao regime, pediram, a gritar, a pena de morte para os líderes da oposição. Foi como deitar gasolina numa fogueira…
No Iémen, a repressão foi enorme. Mas houve também contra-manifestações em favor do ditador Saleh. Na cidade portuária de Áden houve igualmente protestos que se saldaram por vários mortos.
No Iraque, onde há ainda forças americanas, também há sinais de que o tsunami egípcio, que varre o mundo árabo- muçulmano, pode igualmente fazer das suas. Assim como na Síria e na própria Arábia Saudita. Quer dizer, o mundo assiste a uma viragem histórica, como só sucede de longe em longe.
Trata-se, portanto, de um fenómeno político e social novo – que envolve fortemente a juventude – e que está a marcar a segundo década do século XXI, bem como o mundo complexo do nosso tempo. Diga-se que sem os progressos informáticos de telemóveis, Internet, blogues e Twitter, é possível que nada tivesse acontecido.
Ninguém, com consciência política, pode ser indiferente às revoluções em curso. A América, de Obama, a seguilas com manifesta simpatia e atenção – sobretudo no que se refere ao Egipto –, mas também com a prudência que resulta das contradições internas americanas, da força do lobby judaico nos Estados Unidos e da situação de isolamento em que parece ficar Israel, face às manifestações de regozijo e incontido entusiasmo com que a Palestina tem saudado as mudanças na região.
Mudanças que, aliás, nada têm a ver com o fanatismo religioso nem, menos ainda, com o terrorismo islâmico. Por toda a parte onde se manifestam, ninguém atacou Israel nem, menos ainda, o Ocidente. Pelo contrário.
São os valores do Ocidente – direitos humanos, democracia pluralista, justiça social, direito e dignidade no trabalho, valores éticos, etc. – que os jovens muçulmanos defendem, lutando contra os ditadores que se eternizam nos lugares, a corrupção e as teocracias obsoletas.
Por isso, talvez, a União Europeia dirigida por conservadores, em sociedades em que os valores éticos não abundam – e o supremo valor é o mercado – tardou tanto em reconhecer o que se passa no mundo árabo-muçulmano.
O apoio que lhes tem dado tem sido escandalosamente discreto. Até parece que os dirigentes europeus lamentam que os ditadores corruptos, seus antigos aliados e amigos, que podem vir a cair como um castelo de cartas, lhes façam alguma falta… Sobretudo os que ganharam o hábito de passar férias na região.
Numa entrevista dada ao ‘El País’, de sábado, Javier Solana, que foi responsável, durante vários anos, pela diplomacia europeia, escreveu: “O esquema de só haver um Islão radical, desapareceu.”
E acrescentou: “Quem se levantou contra o regime de Mubarak não são perigosos islamistas radicais. São jovens que querem dignidade e exigem respeito.” E ainda: “Israel não será mais a única democracia da região. Deverá adaptar-se para poder garantir de outro modo a sua segurança.”
Palavras sábias. Pena é que a actual União Europeia – e os seus dirigentes – as não queiram compreender…