Na noite de 3 para 4 de junho de 1989, o Exército Popular de Libertação chinês disparou contra manifestantes, maculando com este ato o até então quase celestial mandato da República Popular da China, proclamada 40 anos antes na mesma praça Tiananmen – ou da Paz Celestial, pelo primeiro “imperador” vermelho, Mao Tsé Tung.
O drama estava há seis semanas em gestação. Durante 46 dias, os estudantes, aos quais se juntaram progressivamente operários, funcionários e vendedores, acamparam na imensa esplanada, bem no centro de Pequim, desafiando o totalitarismo.
O pretexto inicial – o desaparecimento do ex-chefe reformista do Partido Comunista Chinês, Hu Yaobang- cedeu lugar a uma reivindicação fundamental que se repetia incansavelmente nos dazibaos (jornais murais, panfletários) e nos slogans. Deng Xiaoping havia iniciado a política de reforma e de abertura em 1978, dois anos depois da morte de Mao, com um programa de “quatro modernizações (da indústria, da agricultura, da educação, da ciência, e da defesa). Mas os estudantes exigiam uma quinta modernização: a democracia.
Quando foi decretada a lei marcial, dia 20 de maio, colunas militares se dirigiram para a cidade, mas ficaram bloqueadas nos subúrbios por uma verdadeira maré humana. Na noite de 2 de junho, jovens soldados desarmados tentaram reconquistar pacificamente o centro da cidade, mas a multidão os repeliu. Dia 3 de junho, o clima se tornou bruscamente violento. Enquanto milhares de soldados tomavam posição no Palácio do Povo (um típico expoente da arquitetura stalinista, junto da praça) através de túneis que levam a esse lugar estratégico, os manifestantes, em pequenos grupos, se armavam com picaretas e paralelepípedos.
Aqui e ali, erguiam-se barricadas com veículos revirados, com os quais se pretendia bloquear os acessos à praça Tiananmen. Às 20H00, hora local, um apresentador de TV pediu às pessoas para que ficassem em suas casas. Às 22H00, os primeiros tiros foram ouvidos no bairro operário de Muxidi. E caíram as primeiras vítimas. A partir daí, a matança prosseguiria com armas automáticas e depois com armas pesadas. A esperança dos estudantes de escrever a história foi esmagada pelos tanques.
A luta era desigual, embora alguns soldados tivessem sido apedrejados ou linchados. Os regimentos 27, 39 e 65 do exército não demoraram muito em esmagar a rebelião, em garantir o controle da simbólica praça e em destruir a réplica de gesso da estátua da liberdade erguida pelos estudantes em frente ao retrato do Grande Timoneiro.
Rumo à economia socialista de mercado
Segundo o governo americano, a operação deixou 2.600 mortos e 7.000 feridos. A repressão que se seguiu envolveu milhares de dissidentes, atirados em prisões, executados ou condenados ao exílio. A intervenção do Exército Popular de Libertação apenas adiou em algumas semanas o início do desmoronamento do comunismo em todo mundo.
Em Berlim, Praga ou Bucareste, o comunismo desabava como um castelo de cartas. Deng Xiaoping e seu primeiro-ministro Li Peng justificaram “a repressão ao movimento contrarrevolucionário orientado para a implantação de uma república burguesa na China” pelo imperativo de estabilizar a nação mais povoada do mundo. Enquanto isto, Wang Weilin ainda espera uma hipotética releitura oficial dos acontecimentos de Tiananmen para sair da clandestinidade.
Ele é o misterioso homem de camisa branca que se colocou diante dos tanques blindados, na Avenida da Paz Celestial, obrigando os monstros de aço a parar. A imagem ficou como um símbolo daqueles dias. Enquanto isto, a economia socialista de mercado e seu corolário -o muito burguês enriquecimento individual- continuam levando o país para um comunismo do qual só ainda resta o nome.