Nas equipas de formação do Vilanculos Futebol Clube (VFC) há crianças a partir dos 9 anos, escolhidas uma a uma por uma equipa de recrutamento no torneio Marlins do Futuro. Algumas percorrem longas distâncias para encurtar o sonho de vestirem a camisola do único representante de Inhambane no Moçambola.
Pires brincava com uma bola no quintal da sua casa enquanto Yassin Amuji comprava, sem gastar um tostão, o VFC. Na verdade, o clube estava afundado em dívidas e não se vislumbrava nenhuma perspectiva de crescimento. A mudança de mãos foi a única solução para resolver esse problema.
Pouco depois, com o clube já na primeira divisão do Moçambola, Édio mostrava o seu talento nos escalões de formação da única equipa de Inhambane na competição principal de clubes do país. Nessa altura Pires era apenas um miúdo com talento para o futebol. Nos seus tempos livres jogava nos campeonatos que aconteciam um pouco por todos os pelados de Vilanculos. O jeito como corria e dava pontapés na bola chamou de imediato a atenção dos olheiros do VFC.
Nessa altura, a ideia de formação não era uma das prioridades do VFC. Ainda assim, a equipa técnica resolveu abrir uma excepção e Pires passou a treinar com miúdos mais velhos. Hoje, aos 19 anos, é um dos três juniores que chegou ao escalão principal do clube e uma das promessas da sua geração em Vilanculos.
São casos de sucesso como este que os treinadores tentam reproduzir nas equipas de formação do VFC (que neste momento têm atletas a partir dos 9 anos). Os treinos acontecem cinco vezes por semana num pelado no centro da vila. Aos fins-de-semana, quando a equipa joga em casa, os miúdos lutam para dar uns toques na bola antes dos jogos dos seniores. No fundo, correr no impecável relvado do Estádio Municipal de Vilanculos é um incentivo para os atletas dos escalões de formação.
Apenas os mais comportados e com boas notas na escola é que gozam desse privilégio. “É um forma de colocar o desporto de mãos dadas com a educação. Afinal nem todos os miúdos vão dar em bons jogadores. O que não pode ocorrer é que sejam maus estudantes”, diz um sorridente Yassin Amuji. A equipa treina no centro da cidade para facilitar o acesso à maioria das crianças.
“Decidimos no início de 2011 que devíamos apostar seriamente na formação”, afirma. Em Moçambique muito se fala da formação como base para construir o sucesso da selecção principal. Porém, não existe um padrão que sirva, quer os escalões de formação, quer os seniores nos clubes moçambicanos. Portanto, os jogadores com talento para singrar no mais alto escalão não resultam de uma ideia de formação, mas sim do acaso.
Para colmatar tal situação, o VFC foi buscar Chiquinho Conde, num contrato de 10 anos – um caso inédito no futebol nacional –, com a ideia de criar um estilo de jogo que permita ao clube, por um lado, executar uma selecção (e evolução) dos seus jovens jogadores; por outro, facilitar a introdução de jovens talentos no plantel principal (fruto da identificação dos jogadores com o modelo que vão encontrar).
O custo anual com a formação é de cerca de um milhão de meticais. O clube conta no seu plantel actual com três jogadores oriundos dos escalões de formação. Pires, Onésio e Abdul. O primeiro tem merecido a confiança de Chiquinho Conde em alguns jogos. O futebol de Pires é simples. As suas decisões, não raro as melhores, são a sua imagem de marca. Não inventa, não complica; tudo o que saia dos seus pés é simples. A matemática exacta do seu jogo, não sendo este muito extravagante, muito imaginativo, sustenta-se por si mesma.
Chiquinho Conde, o maior jogador moçambicano do pós-independência, é o responsável pelo modelo de jogo. Os quatro treinadores que trabalham com as camadas jovens usam uma base desenhada pelo ex- -camisola 10 dos Mambas. Engana-se, porém, quem julga que tudo começou com Chiquinho Conde.
No ano em que a direcção do clube decidiu investir na formação a escolha recaiu sobre Rogério Mariani. No mesmo ano foram finalistas do “Nacional” de juniores. Perderam na final, mas deixaram claro que os pilares para o futuro estavam a ser implantados numa base sólida. Repetiram o feito em 2012.
Yassin diz que o mais importante, nesta fase, não é conquistar troféus, mas garantir um padrão de jogo que sirva para todos os escalões. “Queremos que seja fácil a transição de um escalão para O outro. O talento do jogador poderá acrescentar valor ao modelo, mas ele tem de ser a pedra angular de tudo o que fizermos”. “É um sonho sabemos, mas ninguém nos pode impedir de sonhar. Até porque, dizem, o sonho comanda a vida”.
Édio
Édio Moisés é um lateral esquerdo de 14 anos. Joga nos iniciados do Vilanculos Futebol Clube. Foi descoberto num campeonato organizado ao nível do distrito pela sua actual equipa para detectar novos talentos. Dele há a dizer, em primeiro lugar, que foi um dos jogadores que mais impressionou no torneio Marlins do Futuro em 2012.
Soberbo, com um sentido posicional perfeito, apesar da idade, e uma simplicidade de processos ao nível de poucos miúdos da sua faixa etária, o jogo de Édio destaca-se mais pela sobriedade e pelas capacidades de liderança do que pelos atributos atléticos. Não tendo um porte extraordinariamente alto é, no entanto, muito forte fisicamente.
Isso não o impede, como é hábito acontecer, de ser tecnicamente evoluído e de privilegiar o intelecto. Jogando na posição de lateral esquerdo, sente-se confortável com o papel posicional que desempenha, sendo especialmente forte nas coberturas defensivas, aparecendo invariavelmente perto dos médios em todas as situações do jogo.
Com a bola, é também muito bom. Não exagera no passe à distância, nem parece ter necessidade de fazê-lo para se impor, e percebe bem as reais necessidades da equipa, a cada momento. Tem uma facilidade de passe invejável e muito critério quando tem de entregar a bola. Percebe que a sua posição não implica apenas recuperar e entregar, e toma invariavelmente boas decisões, não deixando de procurar soluções verticais, com passes entre linhas, quando assim se exige.
Curiosamente, a equipa principal do Vilanculos Futebol Clube não joga com um lateral esquerdo de raiz. Édio só tem 14 primaveras, mas acredita que essa contrariedade se pode afigurar uma vantagem quando ascender aos seniores. Paradoxalmente, o ídolo do miúdo no campeonato doméstico mora no Futebol Clube de Chibuto e chama-se Johane. “Eu gosto de Johane porque marca golos e gostar é gostar”, responde convicto quando é questionado sobre o facto de que não é normal um lateral admirar atletas da sua posição.
Chegar aos Mambas é um sonho, mas o maior é atravessar o continente e brilhar num clube europeu. Admira, também, Chiquinho Conde de quem ouviu dizer que a coisa mais importante no futebol é o respeito pelo corpo e pelos colegas.