Francisco Alfredo Mabele é mais do que um simples artista plástico, pois ele explora as ambiguidades, deambula por dentro e fora das suas obras e cria um mundo imaginário onde tudo é simultaneamente eterno e estático: desde o tempo, passando pela ideia até o espaço. Diga-se, o jovem transforma em ouro tudo que toca.
Começou por pintar com recurso ao pó de carvão vegetal e um pequeno ramo de árvore servia de pincel, transcorria o ano de 1995. Mas, hoje, com 28 anos de idade, Francisco usa tinta de óleo para verter numa tela os sentimentos mais profundos que há si.
Mora no bairro Acordos de Lusaka, algures no Posto Administrativo do Infulene, no município da Matola, na casa dos seus pais. Órfão de mãe desde de 2002, o jovem deu os seus primeiros passos no mundo das artes plásticas, quando contava com apenas 12 anos de idade, copiando retratos de astros do universo de cinema e da música.
“Batia pernas pelas artérias da cidade à procura de retratos de Michael Jackson, Silvestre Stallone, entre outras personalidades. Quando apanhasse as fotos em revistas ou outro lugar, levava-as à casa e passava o dia a copiar-las”, conta.
A partir de 1997, optou por fazer desenhos de personalidades locais em pequenos quadros. Se condições para comprar tinta, moía o carvão para compor as suas obras e no seu primeiro quadro retratou a figura do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel. “Nunca me esquecerei desse quadro porque marcou uma outra fase da minha vida, no que concerne às artes plásticas”, lembra com satisfação.
Nem a dor lhe tira a criatividade
Em 1998, Francisco viu o corpo do seu trabalho ganhar ânimo, uma vez que passou a fazer quadros a cor e com tinta de água. O sucesso era inevitável. Começou a viver o momento mais alto da sua carreira em ascensão. Mas foi sol de pouca dura, pois, uma enfermidade cruzou o seu caminho, tendo levando-o ao leito hospital. “Fiquei muito doente. Os meus problemas de saúde arrastaram- se por quase um ano”, diz.
Porém, a doença não foi argumento suficiente para fazê-lo desistir do seu sonho, até porque a paixão pela arte foi-se intensificado ao longo do tempo.
Mesmo internado no Hospital Central de Maputo, punha-se a fazer o que mais gosta de fazer: desenhar. “No hospital, pegava uma folha A4, lápis de cor e um lápis grafite para fazer alguns desenhos. Os médicos e alguns cidadãos chineses visitantes apreciavam os meus trabalhos”, conta.
O hospital deixou de ser um lugar moribundo para o jovem Francisco e tornou-se num espaço de troca de experiência. “Conheci um paciente oriundo do norte do país que também fazia artes plásticas e trocámos muita experiência”, afirma. Durante o tempo que esteve internamento, perdeu quase todos o material, o que dificultou retomar as suas actividades. A enfermidade não só afectou o seu trabalho como também os seus estudos.
Em 1999, Francisco, vendo-se sem ocupação, rumou para a vizinha África de Sul em busca de “el dourado” a convite de um amigo do seu irmão. Saiu de casa sem ter se despedido da família. Em 2002, foi repatriado após de ter sido interpelado pelas autoridades policiais sulafricanas. “Alguns dos meus compatriotas que também se encontravam na mesma situação [imigrante ilegal] foram levados à cadeia de Tembissa, e outros tiveram a sorte de serem deportados”, lembra.
Francisco nunca se resignou da pintura. Na terra do rand, trabalhou numa firma vocacionada à pintura de edifícios e produção de imagens publicitárias. “Só deixei de desenhar em telas, mas continuava a pintar as paredes. Eram desenhos relativamente enormes que os que estava habituado”.
Na lógica de “a união faz a força”, o artista plástico aliou-se a um amigo de nome Vasconcelos, por sinal também artista plástico. Desprovidos de condições, faziam as pinturas a preto e branco mas na expectativa de, menos dias ou mais dias, poderem pintar a cores.
Em 2003, Francisco e o seu amigo afastaram-se das artes plásticas e passaram a dedicar-se à construção civil com intuito de amealhar algum dinheiro para investi-lo no que mais se identificam: as artes plásticas.
Nos princípios de 2007, ambos retomar às artes plásticas. “O irmão do Vasconcelos disse-me que sou talentoso e não podia sofrer fazendo trabalhos pesados”, comenta. O tal irmão de companheiro apresentou-o a um conceituado artista plástico, chamado Domingos.
Domingos reconheceu o talento dos dois jovens e convidouos para a sua empresa vocacionada às artes plásticas. Na firma, Francisco ocupou o cargo de supervisor do material de trabalho e também desenhava, e o seu companheiro, por ter um grau académico superior ao dele, foi nomeado encarregado.
“O senhor Domingos é que me ajudou aperfeiçoar na pintura de quadros. Ele teve a formação nas artes plásticas e fazia a questão de me emprestar o material didáctico que usara nessa altura. Esclarecia as minhas dúvidas e por isso não posso me esquecer dele”, confessa.
Francisco e Vasconcelos trabalharam na empresa de Domingos durante dois anos. “Foram dois anos de muita aprendizagem e aperfeiçoamento. Neste momento, faço quadros em casa, ainda com algumas dificuldades de matéria-prima, como tintas e pincéis”, acrescenta.
Pintar África do Sul
Regularmente, Francisco Mabele vende os quadros na vizinha África do Sul. Neste momento, encontra-se produzir 16 quadros que, até Abril, terá de enviá- los para aquele país. “Não tenho passaporte, o meu companheiro é que vai transportálos para lá”, comenta.
Na África do Sul, vende a preço que varia entre 100 e 150 rands. “Para os revendedores, fazemos um abatimento”, conta para depois acrescentar que, em cada quadro, tem um lucro que ronda entre 200 a 300 meticais, pois os custos de produção de um quadro “são elevados”.
Além de pintar quadros, Francisco tem feito pintura nas paredes de diversos tipos de estabelecimento comerciais e de serviço como, por exemplo, barracas e salões de cabeleireiro. Com o dinheiro que amealha nesses pequenos trabalhos e na venda de quadros, retira uma parte para ajudar a família e, a outra, usa para a comprar a matéria-prima e sustentar as suas despesas escolares.
Deus dá apenas um talento
A sua relação com os estudos não é dos melhores. Para Francisco, o sucesso escolar parece-lhe algo de outro mundo. Esforça-se mas nada certo, pois sempre aparece-lhe algum infortúnio. Com 28 anos de idade, faz a sétima classe numa escola algures no município da Matola. “Na verdade, tudo começou a complicar-se quando, em 2002, perdi a minha mãe”, justifica-se.
O seu maior sonho é formar-se em artes plásticas. “Se terminar a sétima classe, vou inscreverme na Escola de Artes Visuais para aperfeiçoar os meus conhecimentos”, diz.
O artista plástico diz que, apesar de fazer trabalhos de reconhecido mérito, enfrenta sérias dificuldades no que concerne aos instrumentos de trabalho. “Se conseguisse um financiamento no valor monetário de 25 mil meticais, poderia comprar quase todo o material necessário para a produção dos meus quadros. Hoje os meus quadros não são nenhuma cópia, inspiro-me no real e faço os quadros”, diz.