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Tratamento de SIDA no interior atinge poucas pessoas

Serenamente sentado por cima de uma mantinha de algodão, no tronco de uma bicicleta, Rui, 3 anos, apoia-se ao volante e anuncia a mãe estar pronto para seguir a viagem. Deslumbrado com o ambiente da viagem, Rui não parece estar a vir da ala pediátrica do Hospital Rural de Chitobe para o tratamento da SIDA, doença com a qual nasceu.

Ele e sua mãe, que vai pedalar a bicicleta, vão percorrer de regresso os 25 quilómetros que separam a sua aldeia do único hospital de referência no distrito de Machaze, em Manica, centro de Moçambique. A razão para a viagem, que demora em média seis horas (ida e volta), é a consulta médica por causa de diarreia e vómito persistentes, doença oportunista mais comum entre as crianças seropositivas.

“Que mãe não se sacrifica pela saúde de um filho?”, questionou Sara Kuchata, afirmando que percorre sempre que necessário os 50 km de distância entre a casa e o posto de saúde “de bicicleta para meu filho ser assistido pelo médico ou para levantar os seus medicamentos”.

Pouco alcance do tratamento

Rui pertence a um pequeno grupo de crianças que recebe antiretrovirais (ARVs) pediátricos no distrito de Machaze. Machaze apresenta uma seroprevalência de 16,7 por cento entre adultos, superior à seroprevalência nacional de 16 por cento.

Dados oficiais indicam que apenas 16 crianças seropositivas receberam a terapia antiretroviral desde a sua introdução, em Setembro de 2006, no distrito de Machaze. Nos primeiros cinco meses de 2009, somente seis crianças receberam a profilaxia antiretroviral naquele distrito. O tratamento pediátrico com ARVs começou a ser implementado na província de Manica em 2003 e, até Maio do ano passado, 759 crianças estavam em tratamento na província toda.

“Ainda temos um número muito pequeno de crianças a beneficiar-se do tratamento antiretroviral no distrito de Machaze”, reconheceu Dércio Manuel, médico generalista e director distrital dos serviços de saúde e acção social de Machaze.

Perdem-se candidatos

Manuel explica que perdem-se candidatos ao tratamento pediátrico em cada etapa do processo – no teste de HIV realizado no país quando os bebés completam 18 meses, na espera dos resultados e no início de tratamento. “Várias mães não voltam para testar os seus filhos depois do parto. As que testam os filhos às vezes abandonam o resultado, porque receiam a discriminação nas suas comunidades,” disse o médico. Ir à consulta para o teste pós-parto é por si um desafio nas zonas rurais.

“A razão fundamental das desistências no processo de tratamento antiretroviral (TARV) pediátrico é a distância que separa o hospital. Há mulheres que pedalam até 100 km de bicicleta para encontrar um hospital de referência que ofereça este serviço”, disse Manuel. Entre os partos feitos no hospital, algumas recusam testar os filhos aos 18 meses de vida, apesar do número de testes de HIV/SIDA estar a aumentar. Em 2008, 65 por cento dos bebés foram testados; em 2009, a percentagem se situou em 80 por cento.

Mas entre as crianças seropositivas menos de metade chegam a receber antiretrovirais, pois as mães têm medo de revelar a seropositividade aos maridos e familiares, receando a culpabilização e o abandono. Segundo dados da Direcção Provincial de Saúde (DPS) de Manica, do número de crianças em tratamento antiretroviral, 759 representa uma percentagem baixíssima se comparada à população adulta de mais de 10 mil pessoas beneficiadas. Cerca de metade das crianças que iniciam o tratamento em Manica vive na capital, Chimoio. O obstáculo das grandes distâncias no resto da província dificulta o acesso aos ARVs.

“Várias mulheres que frequentavam comigo o hospital abandonaram, porque não aguentavam fazer o percurso de bicicleta todas as semanas, nalgumas vezes duas vezes por semana”, disse Kuchata. Há mulheres que pedalam até 100 km de bicicleta para encontrar um hospital que ofereça este serviço.

Desafios para expansão

Apesar dos esforços para expandir a terapia a todos os postos administrativos do distrito de Machaze, a maioria das crianças que podem receber a medicação não se apresenta para tratamento. A solução para aumentar a cobertura é conhecida. “Seria importante aumentar a consciência sobre o SIDA pediátrico em famílias e aumentar a procura de serviços para crianças infectadas, incluindo o diagnóstico infantil precoce”, explica Manuel.

Mais do que isso, é necessário o recurso financeiro para expandir a testagem para crianças nos postos administrativos, além de melhorar a oferta para os testes de Reacção de Cadeia Polimiraze (PCR, em inglês) – um exame mais sofisticado para testar crianças com menos de 12 meses – actualmente apenas disponível da capital do país, Maputo.

Igualmente reduzir o tempo de diagnóstico de HIV para o início do TARV (actualmente entre 21 a 30 dias) e fortalecer as ligações entre os serviços e os beneficiários para reduzir as desistências e oportunidades perdidas. Além de Chitobe, uma clínica móvel disponibiliza teste e antiretrovirais no posto administrativo de Save, que dista cerca de 200 km do hospital de referência.

Escassez médica, dosagens complicadas

O último dos problemas, segundo Manuel, é a escassez de pessoal médico especializado. Poucos profissionais têm formação para tratar crianças seropositivas, pois os cuidados pediátricos envolvem conhecimento médico e medicamentos especializados, como xaropes de AZT e materiais de testagem de sangue seco. “O distrito de Machaze tem um único médico e o tratamento pediátrico exige uma observação médica regular da criança, o que se torna um desafio”, explica.

Para atingir os pontos mais recônditos do distrito, uma equipe móvel desloca-se para os postos administrativos para oferecer teste e tratamento para adultos e crianças. O TARV Pediátrico em Moçambique foi inicialmente baseado em xaropes e, a partir de meados de 2007, a terapia de combinação de dose fixa (CDF) da primeira linha começou a ser disponibilizada. Porem, os ARVs pediátricos existentes são difíceis de determinar, administrar e armazenar. Alguns comprimidos devem ser partidos segundo o peso da criança. Outros são grandes, difíceis de tragar. E os xaropes têm gosto desagradável.

Sacrifício materno

A dose deve ser ajustada segundo o peso da criança, que pode mudar de mês a mês ou mesmo semanalmente. Xaropes e comprimidos pediátricos não são adequados para crianças mais crescidas, que precisam de doses maiores, mas não há comprimidos para adultos com baixa dosagem. As fórmulas pediátricas existentes, assim como os ARVs de primeira e segunda linha para crianças, são entre cinco e oito vezes mais caras que a medicação para adultos.

Mas para combater o principal problema, quem tem a receita é Kuchata, a mãe dedicada: “Há necessidade das comunidades fazerem grupos de apoio para informar as parturientes a importância de cuidar da saúde dos filhos, sobretudo quando se trata de seropositivos”, resumiu.

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