Diante da perda dos pais ou da falta de condições, a maioria das crianças moçambicanas recorre ao comércio informal para sobreviver, muitas vezes abandonando a escola. É uma parcela da população economicamente mais activa, apesar de não figurar nas estatísticas oficiais de forma expressiva.
O número de petizes trabalhadores cresce a olhos vistos, particularmente na cidade de Maputo. Os esquemas de sobrevivência são semelhantes e os objectivos que perseguem também: ajudar no sustento da família. De diferente apenas têm a idade e os sonhos, mas todas são crianças na faixa etária dos 7 aos 14 anos e buscam, no comércio informal, um meio de sobrevivência. Salomão Josef, de 10 anos, contou ao jornal @Verdade que começou a trabalhar em Fevereiro do ano em curso para reforçar a renda familiar.
Oriundo da província de Gaza, o petiz abandonou a sua terra natal para morar com uma parente que há muitos anos se encontra a residir na capital do país. O seu objectivo era dar continuidade aos seus estudos, facto que veio a acontecer até a família acolhedora se aperceber de que as despesas aumentaram com a vinda de mais uma pessoa.
No entanto, depois de algum tempo vivendo apenas com a tia, é-lhe dado a conhecer que o dinheiro já não chegava para as despesas, era preciso arranjar algum para suprir a falta razão pela qual teve de abandonar a escola. Vender ovos cozidos pelas ruas da zona baixa da cidade tem sido a sua ocupação nos últimos dias. Nunca tem tempo para brincar, só horário para começar o negócio (às 7horas), mas o mesmo não acontece em relação ao término do seu trabalho.
“Às vezes, vou para casa às 18 ou 20 horas. Outras vezes, só vou quando vendo todos os ovos”, conta. Por dia, em média, Salomão vende 36 ovos, o que lhe permite obter 180 meticais, sendo, deste valor, apenas 45 o lucro. Com o dinheiro que amealha dia após dia, “ajudo a minha tia lá em casa, outro mando para os meus pais em Chibuto e o resto guardo”, diz. Com a sexta classe por fazer, Salomão diz querer voltar à escola, pois almeja realizar o seu sonho e o dos seus pais tornando-se doutor, não especificando porém a área na qual se pretende formar. “Vim para Maputo para estudar e ser doutor”, diz, confiante e acrescenta que “quando for doutor, vou buscar os meus pais e os meus irmãos para virem morar aqui em Maputo”.
Daniel Macamo, de 14 anos, tem uma história um pouco diferente da de Salomão. Desde os 10 anos que vende refresco e iogurte na paragem do Museu para ajudar a mãe, uma vez que ela não tem recursos para sustentar os seus cinco filhos.
“O meu pai faleceu e era a única pessoa que trazia comida para casa”, comenta. Face à situação, ele e os seus irmãos viram-se obrigados a arranjar dinheiro para a sobrevivência da família, apesar de a mãe “tudo fazer para que não morrêssemos a fome” socorrendo-se da comercialização de couve e alface. Dos cinco irmãos, Daniel é o filho mais novo, trabalha para a sua tia e aufere 700 meticais por mês, quantia com a qual ajuda nas despesas da casa. Vende todos os dias, das nove às sete horas da noite, e, à semelhança dos seus irmãos, teve de interromper os estudos.
“Quero ser advogado quando for grande”, revela Daniel Macamo. Deixou de estudar em 2008 quando frequentava a sétima classe porque, segundo ele, estava cada vez mais difícil conciliar a escola e o trabalho e, por esta razão, teve de optar entre continuar com os estudos e o trabalho para garantir o seu sustento. Diariamente, consegue vender produtos no valor que varia dos 150 aos 350 meticais, mas garante que, às vezes, não atinge os 100 meticais.
Refira-se que os seus irmãos mais velhos vendem recargas de telemóvel. Quem também tem uma infância roubada pela necessidade de levar dinheiro para casa é Samito Raimundo, de 11 anos, estudante da sexta classe. Esta criança não se lembra do dia em que começou a circular nas ruas da baixa com uma pequena bacia cheia de laranjas nas mãos, porém, afirma que tudo começa logo após a separação dos seus progenitores. “Quando o meu pai saiu de casa, deixou de ajudar a minha mãe.
Tive de ajudar a minha mãe a vender laranjas para arranjar dinheiro para casa e para comprar cadernos para eu ir à escola”, diz. Ele trabalha no período da manhã, e à tarde vai à escola sendo que o dinheiro da venda de laranjas que obtém diariamente entrega à sua mãe para as necessidades da casa.
CRIANCAS NO SECTOR INFORMAL
Os resultados do primeiro inquérito nacional ao sector informal realizado em 2004 pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), revelam que em todo o país existem, pelo menos, 504.3 mil crianças trabalhadoras dos 7 aos 14 anos, o que corresponde a 6.6% da população que viram na actividade informal a maneira de ganhar a vida. Na zona urbana, são estimadas em cerca de 68.4 mil crianças de ambos os sexos nesta situação, contra os 435.9 mil no campo.
Nos sectores de actividades como a agricultura, 497.2 mil são crianças; o comércio e o turismo abarcam cerca de 4.6 mil; a indústria e construção 0.9 mil, e outros serviços 1.6 mil.
TRABALHO INFANTIL REDUZIU
Segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a tendência para a utilização do trabalho infantil diminuiu. Porém, em todo mundo mais de 215 milhões de crianças são forçadas a trabalhar, na sua maioria na agricultura para o sustento da própria família sem qualquer retribuição.
Ainda de acordo com OIT, mais da metade delas (115 milhões) são postas a trabalhar em actividades perigosas, embora sem chegar às formas de escravidão. O relatório refere ainda que, entre 2004 e 2008, o número de petizes trabalhadores registou uma descida de 222 para 215 milhões, com uma queda de apenas 3%, enquanto entre 2000 e 2004 a diminuição foi de 10%. Para algumas faixas etárias, a luta contra o trabalho infantil tem vindo a regredir. Constata-se, por um lado, que relativamente aos adolescentes com idades compreendidas entre 15 e 17 anos, houve um aumento de 20%, de 52 para 62 milhões.
Por outro, o progresso maior foi registado entre as crianças de 5 e 14 anos, com uma redução significativa de 10%, embora com dados contraditórios, tanto por regiões como por tipo de trabalho. Para estas idades, de qualquer maneira, o número de crianças usadas em trabalhos perigosos diminuiu 31%. A situação mais preocupante é observada na África subsaariana, onde uma em cada quatro crianças é forçada a realizar trabalhos perigosos.
Mas, em valores absolutos, verifica- se que a maioria das crianças trabalhadoras se encontra no continente asiático, enquanto a redução mais significativa foi registada nos Estados Unidos da América.