Nos arredores de Washington há um bairro ostentando o nome do lendário jazzista Duke Ellington. No seu tempo viviam maioritariamente negros – como ele – que foram “varridos” para zonas menos hospitaleiras, por gente endinheirada e por infl uência de interesse dos mais variados. Hoje são esses poderosos que lá habitam, rodeados de tudo o que o dinheiro pode comprar e fazer, distanciando-se cada vez mais dos desgraçados que de lá foram sacudidos. Mas há uma coisa muito importante e sublime que esses ricos fi zeram: respeitaram o nome do jazzman e, o bairro, arrancado aos negros, continua a hastear o nome de Duke Ellington.
Em Maputo, e um pouco por todo o Moçambique, isso não acontece. Quem tem dinheiro e poder, pode chegar a um lugar pertencente ao nosso percurso colectivo, comprálo e fazer dele o que quiser, mesmo que a sua intervenção venha a signifi car o desrespeito pela história de uma cidade tão bela como é a capital do nosso país. O novo proprietário pode mudar os nomes a seu bel-prazer e, pior de tudo, ainda escrever mal esses mesmos nomes, ferindo a nossa inteligência e vituperando toda uma toponímia construída com sabedoria. Há um lugar histórico-cultural na baixa da cidade de Maputo. Em relação a ele nunca será demais dizer que ali existia um verdadeiro centro de música: chama-se Djambu. Hoje o Djambu desapareceu, mesmo que o pequeno bar anexo ao edifício, que marcou gerações inteiras, queira resitir, mantendo esse nome mítico. Djambu não era só o bar, era tudo aquilo: o salão onde se bebia um copo, ouvia-se boa música, teciamse cumplicidades e desembrulhavam- se tertúlias de não acabar. Porém, tudo isso acabou. Chegou ali alguém com dinheiro e o poder deste, comprou o “nosso” Djambu e montou uma seguradora. Como se isso não bastasse, “matou” o nome do Djambu, que permanecerá apenas na memória daqueles que o conheceram porque, com o andar do tempo, esse nome vai desaparecer. Vai morrer para sempre, e ninguém se lembrará dele.
Pois é: a “matança” dos nomes faz-me lembrar o Prédio Pot, também na cidade de Maputo, onde Naguib – esse artista plástico que está em permanente recriação – promoveu em tempos uma exposição, levando os visitantes para um espaço arruinado, ao mesmo tempo que chamava a atenção às estruturas governamentais, para a valorização e preservação dos nossos monumentos.
Ponto Final
A zona do Ponto Final, localizada no centro da cidade, é, na verdade, um ponto nevrálgico, desde que os autocarros desaguam ali e saem para vários pontos de Maputo. Hoje os “chapas” têm o Ponto Final como marco de indicação nas suas rotas. As pessoas – que se dirigem a diversos destinos – também encontram no Ponto Final a sua “rampa de lançamento” ou o seu local de encontro e de cumplicidades, sendo uma referência com longa existência na nossa história. Ponto Final é o nome que baptizou a casa de pasto instalada nas esquinas das avenidas “Eduardo Mondlane” e “Guerra Popular”, onde já funcionou um restaurante chinês. Hoje está lá a KFC: um nome americano ligado à confecção de frangos e sorvetes, entre outros.
Ninguém estará completamente contra esta metamorfose, porém, a grande tabuleta colocada na fachada principal da casa, com o logótipo da KFC, bem como a retirada do reclame “Ponto Final”, vão, aos poucos, apagando um nome histórico. Aliás, os jovens urbanos e semi-urbanos, já chamam aquele lugar de KFC do Alto-Maé, o que signifi ca que o “Ponto Final”, daqui a nada, desaparecerá. Estes são alguns exemplos de uma cidade depreciada e ferida que propomos evocar num momento em que os riscos que corremos de ser apagados culturalmente são enormes.
Como o Djambu e o Ponto Final, temos muitos exemplos de triste menção nesta grande cidade. Onde está o John’Ors? Os possuidores da “mola de impulsão” montaram, no seu lugar, um banco. Onde está a Casa Fabião? Também estão lá os homens da “mola” que se marimbam para tudo o resto em nome desse dinheiro. Onde está a Pandora? Onde está o saudoso Scala, proposto para se converter em ferragem? Onde está a nossa história?
O problema não está no revocacionamento das casas, mas na extinção dos nomes. Os nomes que marcam o nosso percurso colectivo são sagrados, ninguém tem o direito de os matar. Porque, matandoos, desprezamos e calcinamos tudo o que fi zemos.
Porquê “25 de Junho” e não Choupal?
A par destes rebaixamentos, temos, por exemplo, o bairro do Choupal, rebaptizado “25 de Junho”. O nome foi atribuído na euforia do mito e da utopia de Samora Machel, porém, os que apadrinharam essa reorientação nominal provavelmente fizeram-no de um modo emocional, sem grande ponderação. Se calhar não se sentaram para procurar saber o que signifi ca choupal, porque se o soubessem, acreditamos que o nome nunca teria sido alterado. Aquele bairro é fértil em choupos – árvores enormes – que até hoje se podem lá encontrar, daí o nome de Choupal, ou seja, o conjunto de choupos chama-se choupal. Agora, porque mudar o nome para “25 de Junho”, se aquele bairro é mesmo um choupal? Ainda vamos a tempo de corrigir os nossos erros.
Ortografia urbana
Encontramo-nos, empurrados ou puxados pela globalização, numa era de acordos. Hoje, fala-se de um acordo ortográfi – co entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) CPLP que muitos consideram não ser urgente por existirem diferenças insignifi cantes na escrita de cada um dos países da Comunidade. Há também quem ache que há questões bem mais importantes do que a ortografi a a dividiremnos, devendo aquelas ser prioritárias. No Bairro do Jardim, junto à paragem dos “chapas”, no desvio para o Estádio da Machava, há uma casa de pasto onde, em letras “garrafais”, ao invés de estar escrito Pastelaria, gravou-se “Pastalaria”. Este erro já foi criticado pela Imprensa. Porém, volvido mais de um ano, o erro lá continua, sob o olhar impávido do Conselho Municipal, que ignora os apelos da ética e da correcção. Na zona de elite da nossa querida cidade das Acácias, o antigo restaurante Princesa – hoje Mimmo’s – tem, num dos seus letreiros-chamariz, “Café Espresso” com “s”, em vez de “Café Expresso” com “x”. Mais grave ainda: o letreiro é luminoso. O Mimmo’s é um ponto importante de passagem. Por ali transitam estudantes do ensino de diversos níveis, incluindo os do nível primário, que aprenderão a escrever Expresso com “s” e não com “x”. Estes são alguns exemplos dos muitos erros ortográfi cos que se podem encontrar em locais públicos da nossa cidade, sem que as estruturas municipais façam algo para corrigi-los.