– Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique *
– Senhora Luísa Diogo, há um aspecto muito transparente em si, a mudança constante de penteados do seu cabelo, e isso revela, na minha opinião, a sua intensa preocupação com a imagem que deve mostrar às pessoas, sobretudo por ser uma figura pública…
– Você está-me mostrando, e eu não estou espantado com isso, que é daquelas pessoas que se revestem de muita pequenez, ou seja, preocupam-se mais com aquilo que a pessoa tem como vitrina e não com a profundidade do seu ser, com o porte da sua dimensão intelectual, da sua honestidade e sobretudo da sua capacidade de inventar um novo fim para a humanidade.
– Mas é verdade ou não que se tem preocupado com a sua imagem diária?
– Um dia, você mesmo perguntou ao meu conterrâneo, o Daniel da Costa, sobre o signficado da capa do seu livro que fala do sexo das borboletas. Você interrogava a ele acerca do facto de ali estarem dois meninos, um branco e um negro e ele respondeu que nem tinha reparado nisso, o que ele via na capa do seu livro eram dois meninos que brincavam no jardim.
– Senhora Luísa, mas o que é que têm a ver as palavras do Daniel da Costa com a questão que eu lhe coloco agora?
– O Daniel da Costa estava a dizer-te que não estava preocupado com as aparências, mas com algo mais profundo.
– Acha que as mulheres africanas que aparecem nas galerias mundiais com vestes ocidentais, perdem o seu carácter africano?
– Estás a colocar a mesma questão, com outras palavras. O próprio Altíssimo já não é o mesmo, quem somos nós para continuarmos os mesmos?
– Já se esforçou alguma vez em disfarçar o sotaque nyúngwe que subjaz em si quando articula a língua portuguesa?
– Gostei muita da crónica que publicaste uma vez no jornal Savana e que falavas da beleza do sotaque das nossas línguas. Apesar de sermos globais, sinto-me orgulhosa quando me reconhecem como sendo de Tete.
– Tete, aonde?
– Em Nyabulebule.
– A senhora Luísa sabe dançar nyau?
– Eu sou de Nyabulebule e, em Nyabulebule, não há memória de um dia ter havido nyau. O nyau predomina na zona norte de Tete, particularmente em Chiuta, Chifunde, Macanga, Maravia, Moatize… É aí onde avulta o nyau, mas de qualquer forma se farejares cuidadosamente ao longo do meu corpo, vais sentir o cheiro do nyau.
– Gosta do peixe pende?
– Quem é o tetense que não gosta de pende? O que falta é uma indústria para processar o nosso pende e exportá-lo. Um dia fui à Pemba e, na praia do Wimbe serviram-me bife de marlim e eu perguntei, porquê não oferecermos também bife de pende nos restaurantes do mundo?
– Comemorou-se no dia quatro de Outubro o vigésimo aniversário dos Acordos de Roma. A senhora Luísa, particularmente, celebrou em paz esta data?
– Sinceramente que não. Nunca estarei em paz enquanto o nosso país vive de injustiça em injustiça. Apeteceu-me ser poeta naquele dia e dizer, procuramos a paz em todo o lado, quando a paz reside dentro de nós. Infelizmente temos pessoas que ainda guardam farpas dentro de si para arremessá-las contra os outros e isso amedronta-me. Muitas vezes sinto-me na corda bamba, como se estivesse por de cima da calçada, sem poder cair nem para um lado, nem para outro.
– Vai continuar por de cima dessa calçada, sem saber se vai cair para um lado ou para o outro?
– Não quero perder a alegria de viver apesar de tudo isso. A vida é muito bela por demais para desistir dela. Vou continuar viva, a espera da jangada que me vai levar de volta para o ventre da minha mãe (Risos)
– É religiosa?
– Se acredito em alguma coisa aqui nesta Terra movediça, será em Deus, o Princípio e o Fim.
* Entrevista fictícia