Ele não se cansa de trovejar enquanto o rio não voltar para o seu curso normal. Está sentado no cume da montanha observando tudo, atirando várias redes de emalhar para impedir que esses homens continuem a caminhar em direcção as espigas de aço. Não pára de dissuadir a todos esses que descem e sobem montes e montanhas transportando armas para matar. Atira flores para as suas cabeças para ver se o perfume emanado lhes demove e… nada! Canta para eles na esperança de receber em troca outras notas em barítono ou em tenor ou em contrabaixo… também nada. Revolve nos alfobres sagrados que traz no espírito e de lá retira a mirra que é ignorada pelos homens que já enlouqueceram em definitivo.
E toda essa brutalidade lhe amedronta. Já amanhou as melhores palavras da sua sabedoria para ver se toda aquela avalanche de morte retrocede, mas o que vem em ricochete são os insultos dos mabecos, que se riem nas matas, dos jovens sucumbidos as balas. Já derramou todas as mensagens e mesmo assim a saga do demónio continua. Ela arrasta-se agora para o espírito tribalista. Aguçado pelo carvão ensanguentado que brota do subsolo. Ele tem medo de toda essa maldição que aumenta com o gás e o petróleo descobertos onde os Macondes já vêm dizer que “nós somos macondes”, por isso temos direito a esta riqueza. Dizem isto e não sabem que estão a atiçar o fogo demoníaco provocado pela insensatez. Pela ganância.
É isso: No princípio todos esses homens e mulheres se orgulhavam de ser nyungwes e senas e makondes e changas e chopes e Bitongas e ndaus e macuas e chuabos e tudo. Porque sentiam o valor elevado de juntar vários retalhos valorosos e produzir uma única manta que vai cobrir a todos. No princípio todos se uniam e diziam: A luta continua! Mas hoje já ninguém celebra esse cântico.
É isso que amedronta esse homem sentado no cume da montanha, receoso de que toda esta lama acumulada degenere amanha, e haja um banquete do demónio. Ninguém percebe isso porque os homens que vão a frente estão cegos. Estão surdos, e não ouvem as palavras que descem em ira. Estão surdos porque no lugar de terem um ouvido, como seria recomendável, têm dois. Por isso as parábolas entram de um lado e saem do outro. E o resultado de tudo isso é que eles se tornaram ocos. Perigosos.
Mas o homem não pára de falar. Brame que brame, olhando para a carne humana que cheira no asfalto, assada pela pólvora que não deixa de brotar dos canos de aço. Os jovens morrem no mato enquanto eles se refastelam no hall de luxo, com os Mercedes a espera lá fora. No lugar de fumar o cachimbo da paz, lá no mato fuma-se o cachimbo estimulante para plantar com mais crueldade a morte em si. É o vulcão que está anunciando o pior, porque as últimas lavas já ninguém as poderá dissipar.