O chefe da equipe de negociadores para a actual crise do Madagáscar, o antigo presidente moçambicano, Joaquim Chissano, disse, nesta quarta-feira, em Maputo, não duvidar do patriotismo dos rivais malgaxes, pois todos querem o bem do seu povo, diferindo apenas nos pontos de vista e o caminho a seguir. As históricas negociações, que decorrem no Centro de Conferências Joaquim Chissano, deverão ser concluídas no Domingo próximo.
“Não encontro razões para duvidar do patriotismo de cada um de vós. Sinto que todos querem o bem do povo malgaxe, embora com pontos de vista diferentes quanto ao caminho a seguir”, disse Chissano, que falava durante a sessão de abertura das negociações para a busca de uma solução consensual para a crise que se instalou naquela ilha do Oceano Índico, e que culminou com o derrube do presidente eleito, Marc Ravalomanana, ocorrido no 17 de Março último.
Chissano disse, na ocasião, ter aceite o desafio de Todos querem o bem do povo malgaxe: Chissano chefiar a equipe de negociações com um duplo dever, sendo o primeiro de apoiar um povo da Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral (SADC) na busca de uma “cura definitiva para a sua cíclica doença de instabilidade e insegurança, de alternâncias de poder com pouca ou quase nenhuma transparência democrática com todas as consequências nefastas ao bem estar dos 20 milhões de malgaxes”, cujas consequências também são nefastas para o bloco regional.
Chissano citou como segundo dever o imperativo de transmitir ao povo irmão de Madagáscar as ricas experiências do povo moçambicano na sua luta pela liberdade, pela paz e democracia. Refira-se que Chissano foi nomeado como chefe da equipe de mediação da SADC, na última cimeira desta organização realizada em Julho ultimo, em Sandton, Africa do Sul. Segundo Chissano, “já não se deve esperar que ardam grandes fogos nos países para se tentar evitar danos humanos e materiais”, pois todos sabemos que mais vale prevenir que remediar. Prosseguindo, o antigo estadista disse que ninguém no mundo deseja a deterioração da situação política, económica e social de qualquer ponto do globo, pois quando esta deterioração se faz sentir retarda o desenvolvimento contínuo e célere das nações em vias de desenvolvimento, tais como Madagáscar, Moçambique e outros países africanos.
Por isso, Chissano apela ao diálogo que, Moçambique por exemplo, demonstrou ser possível tornar o seu mosaico étnico linguístico numa força transformadora do “atraso em desenvolvimento e da nossa pobreza em riqueza”. Historiando sobre a luta de libertação e depois sobre a guerra dos 16 anos que dilacerou o país, Chissano disse que, a primeira vista, parecia impossível os moçambicanos voltarem a falar com os autores de todas estas bárbaras atrocidades, mas a razão indicou que o único meio eficaz de acabar com o sofrimento do povo era através do diálogo paciente, que exigia a superação do ódio e do espírito de vingança. “Aprendemos pela prática que no diálogo construtivo ninguém sai derrotado, todos são vitoriosos.
Ganha o povo”, vincou Chissano. Assim sendo, Chissano disse esperar que esta fase do diálogo malgaxe que se inicia em solo moçambicano seja o princípio de uma marcha irreversível rumo à estabilidade, paz e harmonia da nação malgaxe. Tomando a palavra, o presidente da Assembleia da República (AR), o parlamento moçambicano, Eduardo Mulembwe, explicou que as negociações constituem mais uma etapa de uma jornada difícil, que vai exigir de todos os actores e demais intervenientes, “uma clarividência, perspicácia, tolerância e paciência sempre para o bem da maioria”, neste caso o povo malgaxe.
Mulembwe falava em nome do estadista moçambicano, Armando Guebuza, que inicia na quinta-feira a sua última etapa da Presidência Aberta à província meridional de Inhambane, que já o levou a escalar 10 das 11 províncias moçambicanas. “Apraz-nos assinalar que uma luz no fundo do túnel se vislumbra, considerando o facto de as partes terem aceite enveredar por um processo negocial e pelo percurso realizado de alguns meses a esta parte dos quais podemos registar algumas realizações como atesta o relatório do enviado especial da SADC”, disse Mulembwe, frisando que “acreditamos que um acordo de paz negociado e inclusivo é a única alternativa viável que nos resta seguir em frente no final da qual nos iremos proclamar todos vencedores”.
Participam nas negociações o autoproclamado presidente malgaxe, Andry Rajoelina, o presidente deposto, Marc Ravalomana, e os antigos presidentes Didier Ratsiraka, Albert Zafy, bem como representantes de partidos da oposição malgaxe. Rajoelina ascendeu ao poder a 17 de Março do corrente ano, com o apoio dos militares, um acto considerado pela SADC e a comunidade internacional golpe de estado. Por isso, Madagáscar encontra-se actualmente suspenso de todas as actividades da SADC e da UA.
Vários países suspenderam a ajuda económica àquele país insular do Oceano Indico, mantendo apenas a assistência de emergência e ajuda humanitária. A cerimónia de abertura contou com a presença de membros do governo moçambicano, representantes do corpo diplomático acreditado em Maputo, da SADC e da UA. Um pormenor interessante e bem visível era o ar jovial, sereno e sorridente que Ravalomana apresentava, enquanto que o seu rival Rajoelina se apresentava com um aspecto carrancudo. O Madagáscar possui uma população estimada em 20 milhões de habitantes, dos quais cerca de 70 por cento vive abaixo da linha da pobreza, ou seja com menos de um dólar por dia.