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Timbila do (des) entendimento marital!

Timbila do (des) entendimento marital!

Se o ancião Carlos Cumbane não fosse um homem longânime e altruísta, aos 50 anos de idade, Florência Benjamim, a bailarina do mestre Venâncio Mbande, estaria condenada a conhecer a amargura da solidão. Devido à dança da Timbila (des) entendeu-se com o marido. Há vezes que o que associa as pessoas (também) as desune. A Timbila é um exemplo…

Quando Florência Benjamim dança, o seu corpo maduro movimenta-se, encanta as pessoas que demandam o espectáculo em virtude da harmonia dos seus movimentos, invariavelmente, afrodisíacos e sensuais e das sonoridades incríveis da Timbila – perante os quais nós, como povo chope, como moçambicanos, ou como homens do planeta terra, rendemos homenagem – ninguém resiste. Algumas pessoas acorrem ao palco e oferecem-lhe alguns bens materiais, abraçando-a. Instala-se a festa. Nessa altura Florência torna-se uma divindade. A deusa da Timbila.

Outros cidadãos, provavelmente os mais acanhados, limitam- se a observar e do lugar onde se encontram deixam- se encantar. É bonito! Naquele dia que se perde no roldão da memória de Florência, naquele lugar, algures na província de Inhambane, encontrava-se Carlos Cumbane a contemplar a beldade que se produzia do corpo dançante de Florência, uma dançarina nata de Timbila.

Enquanto, em Florência, algumas pessoas que constituíam o público nada mais encontravam do que uma figura exacta para ser considerada a deusa da Timbila, outros achavam tal designação muito elevada para ser feita a um simples mortal. Por isso, para eles a senhora Florência continuava uma bailarina devotada à dança de Timbila e, exactamente por essa razão, merecia o seu respeito.

Entretanto, Cumbane não se aliou ao primeiro nem ao segundo grupo: com uma deusa não se pode partilhar o mesmo espaço físico. Elas, as deusas, possuem uma dimensão metafísica. Mas também considerar Florência uma simples bailarina era muito humilde.

Carlos Cumbane decidiu fazer de Florência a sua rainha, melhor, a rainha da Timbila. Naquela ocasião, não lhe faltaram argumentos: os mesmos movimentos dançantes eroticamente invulgares que esta bailarina produzia, a sua destreza na dança, fruto da sua relação de nascença com o referido instrumento serviram de pretexto para que Cumbane se rendesse perante Florência e lhe pedisse em namoro.

A coragem valeu-lhe uma mais-valia. Florência avaliou-lhe e, para a sua felicidade, foi aprovado. Na verdade, naquela ocasião, a Timbila estava a ser responsável pela formação de uma comunhão, pela criação de mais um caso de amor na terceira idade.

Se foi a partir daquela ocasião, ou muito antes de conhecer Florência que Cumbane começou a praticar Timbila não se sabe. O facto é que Carlos Cumbane (também) é/ era dançarino. Em resultado disso, partilhava o mesmo palco, na qualidade de bailarino, com a sua esposa.

Passado algum tempo, em resultado dos seus movimentos angelicais, sensuais e espectaculares na dança, Florência continuou a granjear a simpatia do público. O coração de Carlos Cumbane encheu-se de ciúmes: “mulher, é melhor parar de dançar Timbila!”.

Debalde, Cumbane ordenou, o que imediatamente recebeu um não categórico. Para Florência, praticar a dança da Timbila tem o sentido da própria vida. Abandoná-la equivale a desistir de viver. Na verdade, encontrar a morte. Nesta ocasião, quase que se desfazia a relação dos dois por causa de um instrumento a partir do qual se conheceram e se tornaram marido e mulher, a Timbila.

De qualquer forma, a história de Florência Benjamim podia ser contada de outra maneira. Mas um facto é verdadeiro: o que une os homens também pode desuni-los. A Timbila não é excepção.

Quem é Florência

Cumbane Para o nosso repórter sociocultural recolher os dados para a composição de uma possível minibiografia de Florência Benjamim não foi tarefa fácil. A memória desta bailarina possui um roldão de base de dados. Por isso, um dos anos entre 1968, 1964 e 1961 pode ter sido a ocasião em que, pela primeira vez, ela conheceu a luz do dia. Ou seja, nasceu. Quando se lhe pergunta a data do seu nascimento, numa ocasião Florência diz uma data, mas noutra ela refere outra diferente.

Por essa razão, em qualquer ano ao longo da década de 1960, em Zavala, na província de Inhambane, Florência Benjamim nasceu, e, ainda na infância, instigada pelos pais e pela tradição e cultura locais começou a praticar a dança da Timbila.

Ou seja, “ainda na infância praticava várias danças dentre as quais o xingomana e a marimba. Os meus pais tinham um ritual a partir do qual, a par do fabrico dos instrumentos de música tradicional local, ensinavam os seus filhos a exercitar as danças”, refere acrescentando que “os meus pais praticavam a Timbila, por essa razão eu tenho uma relação umbilical com o referido instrumento, os movimentos e as manifestações artístico-culturais que a sua sonoridade instiga os homens da minha terra a produzirem”.

Porque vive maritalmente com Carlos Cumbane, podemos considerar que Florência Benjamim é casada, mas não possui filhos. “O meu marido praticava a dança da Timbila, mas, em determinada altura, incomodou-se com o facto de eu igualmente dançar. Em certo grau, ele não gosta de partilhar o palco comigo. Por isso, desistiu de dançar”.

Florência confidenciou-nos que Carlos Cumbane aborreceu-se com o facto de ela dançar Timbila. E não lhe faltam razões, pois “não aprecia alguns dos meus passos como, por exemplo, a forma como levanto os meus pés, as minhas pernas no palco”, revela a bailarina que acrescenta que, em resultado disso, “ele desistiu, mas eu vou continuar”. De qualquer forma, é importante que se tenha em mente que “continuamos juntos. A sua decisão não influenciou a nossa relação marital”.

Dançar por necessidade

Quando Florência dança mostra-se (muito) feliz. Talvez realizada como pessoa. É encantadora a forma como a Timbila a liberta de si mesma, das sua limitações, ligando-lhe ao público que demanda os seus concertos. Fica-se com a impressão de que a Timbila preenche uma série de necessidades suas como pessoa humana.

Algumas perguntas, por si formuladas, podem explicar parte das necessidades que essa dança lhe garante satisfazer: “Se não praticar a dança da Timbila, como é que me vou sustentar?

Como é que vou satisfazer os meus vícios? Como é que vou comprar a roupa, a comida para assegurar a minha subsistência?”

Por exemplo, “toda a roupa que possuo comprei com base no dinheiro que ganho da Timbila. Se não comprei, então, foi-me oferecida num contexto similar. Eu danço para ganhar dinheiro para garantir o meu sustento”.

Além do mais “o que mais me fascina quando danço é o reconhecimento do público em relação à beleza, à sensualidade dos movimentos que o meu corpo produz. Tal reconhecimento, muitas vezes, é expresso sempre que alguém sai da plateia para o palco a fim de me oferecer alguns bens que podem ser monetários, vestuários, alimentícios, ou mesmo, um simples e fraterno abraço”, comenta Florência.

“O meu marido não me proíbe de dançar, mas sinto que como ele já está (fisicamente) debilitado não pode realizar muitas actividades.

A sua sorte é que, contrariamente a mim, ele tem filhos. Mas abandonou a sua mulher para viver comigo, na minha residência.

Foi por essa razão que lhe expliquei que aqui não há nenhuma figura paterna e, por essa razão, não há dinheiro. Havia a necessidade de cada um de nós trabalhar para garantir o nosso sustento. Ele aceitou”, realça Florência.

Uma vez que já não pratica a dança de Timbila, Carlos Cumbane “resolveu fazer tectos de palha os quais vende às pessoas que edificam palhotas. Isso também nos tem ajudado a garantir que não passemos necessidades na família”.

De qualquer modo, se a dança garante o sustento de Florência e o seu marido, a actividade agrícola que realiza em Zavala, onde cultiva produtos alimentícios como, por exemplo, a mandioca, o amendoim, a couve, o milho, é outra prática que a desvia de outras actividades perniciosas na luta pela sobrevivência.

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