Por estes dias, tenho-me deliciado com o Dockanema, o festival internacional de cinema documentário de Maputo que este ano vai na sua quarta edição. Vontade de ver todos os fi lmes e de assistir aos debates paralelos não me falta, o problema é o tempo que é sempre escasso. Pedro Pimenta e a sua equipa estão de parabéns.
Sem qualquer ajuda estatal conseguem pôr de pé todos os anos um evento que já é uma referência no panorama cultural do nosso país. Apenas um senão: a falta de pontualidade nos moçambicanos é tão gritante que nem a sessão de cinema começa a horas! Entrei na sala dois minutos antes da hora e estavam duas pessoas. Vinte minutos volvidos, quando já havia meia casa, a fi lme começou a rodar, numa atitude semelhante ao do “chapa” à espera de clientes.
Mas vamos ao que interessa. Na terça-feira assisti a um fi lme que todos os descrentes, os cépticos, os “ateus” de África em particular e da condição humana em geral, deveriam ver. Chama-se ‘One Goal’(Um Golo), é da autoria do espanhol Sergi Agustí e o cenário é a Serra Leoa, esse pequeno país da costa ocidental de África que acumulou na última década uma boa cota-parte do sofrimento humano do mundo, indubitavelmente desproporcionado em relação à sua dimensão.
No meio da maior miséria – económica e física – há jovens que se levantam todos os dias e, tal como os maiores claques do futebol mundial, treinam arduamente em busca da uma “performance” cada vez maior. Mas não são jovens normais. Estes jovens só calçam uma bota e com ela, amparados por um par de canadianas, rematam com uma convicção e vontade como se estivessem a disputar a fi nal do campeonato do mundo. Que força física e sobretudo psíquica têm de possuir estes jovens para lutarem contra todas as adversidades.
Nascer na Serra Leoa já não é fácil. Fazer a vida só com uma perna, menos ainda. Jogar futebol a um ritmo alucinante só com uma perna, pior ainda. E o entusiasmo posto na disputa de cada lance só pode fazer corar de vergonha os profi ssionais da bola que ganham milhões sem fazer um décimo do esforço. Aqui não há tempo para fi tas no chão, para quezílias, para protestar com o árbitro. Tudo é pacífi co, tudo é entusiasmante, tudo é vibrante. Medido só o esforço na balança, um golo aqui é dez vezes mais pesado do que num desafi o normal.
Uma defesa do guarda- redes também – os guarda-redes só possuem um braço – porque normalmente rematam-lhes para o lado onde, em vez do braço, há um espaço vazio. Os treinos não são para brincadeiras. Fazem- se fl exões, alongamentos, corre-se na areia da praia, à beira-mar com água pelos joelhos. Aos fi ns-de-semana há campeonato entre os bairros.
Aquilo sim, é uma verdadeira Liga dos Campeões. Because they are the champions.
São campeões do esforço, são campeões da determinação, são campeões da esperança.
Eles são os verdadeiros ícones da metamorfose do ser humano.