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Moatize corredor aberto para o HIV

Devido à sua localização geográfica Moatize, na província de Tete, tornou-se um foco de irradiação de HIV, o vírus transmitido sobretudo quando se tem relações sexuais desprotegidas. Ao pôr-do-sol camionistas e prostitutas ajustam preços que dependem muito da utilização ou não do preservativo.

A tarde espreita e um cansado Farai Mbonde, 39 anos, caminha para a clínica nocturna de Moatize, estrategicamente montada à beira da longa estrada, que liga Moçambique a Malawi, Zâmbia e Zimbabwe. Segundo o médico da clínica, Mbonde, que é camionista de longo curso, tem sífilis.

 

“Tenho uma DTS [doença de transmissão sexual] que me está a provocar muito cansaço na condução quando tenho uma longa viagem pela frente”, conta Mbonde. O camionista acredita ter contraído a sífilis numa relação sexual desprotegida na vila de Moatize, a 20 quilómetros da cidade de Tete, capital da província de mesmo nome. “Só depois me apercebi que o preservativo tinha arrebentado e que eu tinha tido uma relação sexual desprotegida”, conta Mbonde, que garantiu ter exigido às parceiras preservativos em todas as relações sexuais ocasionais.

Como Mbonde, uma média de 150 camionistas estacionam diariamente na vila de Moatize à noite, aguardando para atravessar a fronteira do Malawi ou continuar a viagem até o porto da Beira, no oceano Índico. E, como ele, muitos frequentam prostitutas que trabalham na área. Esta paragem atrai profissionais do sexo e está a causar uma proliferação de casas do género, o que preocupa as autoridades devido aos grandes riscos de infecção por HIV.

O negócio fecha-se junto das portas dos camiões. A partir das 18 horas, as prostitutas começam a circular e a insinuar- se aos camionistas estacionados ao longo dos corredores que cortam Moatize.

 

Erro de estratégia

 

Moatize é hoje uma das áreas mais afectadas pela SIDA na província de Tete, principalmente devido à sua localização: a vila fica no corredor que liga o Zimbabwe, Malawi e Zâmbia, países cujas taxas de infecção pelo HIV estão entre as mais altas do mundo. Com uma população de cerca de 33 mil habitantes, Moatize tem uma seroprevalência de 23%, enquanto a média nacional, entre os adultos, é de 16%.

“A grande concentração de camionistas e trabalhadoras de sexo em Moatize, acompanhada de desinformação sobre a SIDA, incentiva a proliferação de DTS e infecção por HIV”, explica Luísa Cumba, directora provincial de Saúde de Tete.

Não se trata de uma preocupação recente. Em Novembro de 2002, o Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade Ghent, na Bélgica, abriu uma clínica nocturna com serviços de aconselhamento e testagem em Moatize voltados exclusivamente para camionistas e trabalhadoras de sexo. Porém, a estratégia teve o efeito contrário ao desejado. A exclusividade fazia com que muitas profissionais do sexo passassem longe da clínica, com medo de serem reconhecidas. Naquela época, cerca de 10 pacientes procuravam diariamente os serviços da clínica, que funciona das 16 às 22 horas, de segunda a sexta-feira. Em 2006, o número duplicou quando os serviços se estenderam a outros grupos da comunidade, como adolescentes e jovens. “Tivemos que atender também outras pessoas da comunidade, que a priori não estavam no plano, como forma de atrair mais utentes para a clínica”, diz o enfermeiro Jovinário Magasso.

 

Preservativo duplica preço
 

 

No primeiro semestre de 2008, perto de 3500 pacientes foram atendidos na clínica – um aumento significativo quando comparado com os três mil pacientes que foram atendidos no primeiro ano de funcionamento do serviço.

Para Magasso, “este corredor é o de maior risco em toda a província, porque a ele converge gente de vários países, com comunidades em contacto permanente, inclusive relações sexuais.” Por isso, a organização Visão Mundial e a Direcção Provincial de Saúde de Tete estão a efectuar campanhas de prevenção do HIV voltadas a prostitutas e camionistas na região. A iniciativa transforma as trabalhadoras de sexo em activistas, para oferecer prevenção do HIV aos camionistas e outros transeuntes enquanto exercem a sua actividade. “Elas sensibilizam os camionistas a usarem preservativos, convencendo-os a optarem por sexo protegido”, explica Magasso. Porém, a campanha transforma-se em desafio quando é o bolso que está em jogo: uma relação sexual custa em média 75 meticais (US$ 3) com preservativo e mais do dobro – 175 meticais (US$ 7) – sem protecção.

Uma profissional do sexo atende em média cinco clientes por dia. Se o preservativo não fosse usado em nenhuma das relações, a facturação no final do mês situava-se nos mil dólares norte-americanos, ou seja quinze vezes o salário mínimo em Moçambique – uma quantia atraente, porém acompanhada de um risco altíssimo de infecção.

Além do desejo de um rendimento mensal mais alto, muitas profissionais do sexo têm relações desprotegidas a pedido dos clientes. Porém, uma maior consciencialização – em parte devido à morte de algumas prostitutas locais devido a doenças relacionadas com a SIDA – já está a surtir efeito.

“Agora já são muito poucas as que aceitam ter relações sexuais sem preservativo, apesar de ser mais caro, porque mesmo os camionistas já não aceitam sexo desprotegido”, diz Jacinta M.*, 19 anos, trabalhadora de sexo.

Em Moatize, os preservativos masculinos são distribuídos gratuitamente junto à clínica. Nas barracas informais, os preservativos custam entre um e 25 meticais (USD 0,03 a USD 1).

Para Mbonde, o camionista com sífilis, o dinheiro não justifica a opção pelo sexo sem camisinha. “Os preservativos não são caros, portanto o sexo desprotegido não tem razões de ordem económica. Os camionistas sabem dos riscos que correm quando optam por ele”, refere Mbonde.

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