Quase todos os dias assistimos, imperturbados, neste extenso Moçambique, à reiteração do alheamento do Governo do turno e do Estado em relação aos diversos grupos de moçambicanos que sucessiva e frequentemente saem à rua para exigir o cumprimento dos seus legítimos direitos, mas têm sido tratados como lixo da sociedade. Referimo-nos, a título de exemplo, aos madjermanes e desmobilizados de guerra.
Na última terça-feira (25), voltámos a testemunhar mais um descaso a que os desmobilizados de guerra dos 16 anos são votados pelos dirigentes – e, em tabela, pelo povo –, não obstante o papel preponderante que jogaram durante a guerra civil. Na sua maioria, inebriados pela ideia de “defesa da pátria”, abdicaram da sua adolescência e juventude, e abandonaram as famílias e os estudos, não imaginando o (deplorável) futuro que lhes aguardava.
Certo dia, um dos “donos do país” cantou, sem que a voz lhe tremesse, que eles e os outros antigos combatentes tinham todo o direito de levar uma vida abastada/folgada à custa do Estado porque libertaram a pátria. Hoje, sem a mais pequena réstia de escrúpulo e sentimento, abocanham toda a riqueza nacional em detrimento do povo.
Paradoxalmente, depois de 16 anos de guerra, os desmobilizados experimentam o sabor amargo da miséria, a dor de não ter o que dar aos filhos para comer. Vivem a pão e água, com uma pensão que não atinge os 1500 meticais mensais.
Sempre que se fazem à rua para reivindicar os seus direitos, invariavelmente os desmobilizados recebem em troca escárnio, abandono e humilhação pública, quando não são promessas infundadas ou uma polícia armada até aos dentes e com o aval do Governo do turno para atirar a matar, num claro acto de demonstração de falta de respeito ou consideração por aqueles que sonharam e lutaram pela paz e liberdade de que presentemente temos vindo a usufruir.
Assistimos impávidos e serenos à crispação do povo. Aliás, como moçambicanos, o que mais nos tem faltado – e vai ficando bem à vista a cada dia que se levanta – é a consciência, a sensibilidade e/ou a compaixão pelo próximo, pelos nossos compatriotas. E, no seu lugar, cresce a mentalidade dos condomínios, facto que deveria fazer corar de vergonha a todos nós.
Até porque se trata de homens e mulheres que perderam a oportunidade de dar uma educação e uma vida condigna aos filhos – crianças essas que tiveram de crescer sem os abraços e os afectos dos seus progenitores.
Os que hoje exigem uma pensão de 12 mil meticais – quantia que grande parte da sociedade considera absurda – não são mais do que homens e mulheres, viúvos e viúvas, e jovens que viram a guerra tirar-lhes os seus entes queridos. São pessoas, de carne e osso, que sentiram na pele a dor da guerra e sobreviveram à fúria de um projéctil.
Ignoramos os problemas reais que afligem essa população de desmobilizados (e os moçambicanos em geral) que são obrigados a viver à intempérie, enquanto os dirigentes, ou seja, o Presidente da República, os ministros disto e daquilo, os gestores públicos, em suma, os donos do país, prosseguem, de vidros fechados, nas luxuosas viaturas custeadas – desde a aquisição, passando pela manutenção até ao combustível – pelo suor e sangue do povo.
É contra esse desdém e esse vírus de insensibilidade que se espalha a partir da capital do país para todo o território nacional que afirmamos: “Temos vergonha deste Governo e deste país”.