Se, por um lado, nos dias actuais, os jovens têm-se voltado contra as línguas locais, profanando-as de diversas formas, que em nada contribuem para o desenvolvimento social do país, por outro, inspirando-se, como uma verdadeira tradicionalista, muito recentemente, a cantora moçambicana Teresa da Graça, ou simplesmente Tchakaze, lançou uma música com a qual ganhou o Prémio Revelação Feminina do Ngoma Moçambique 2014.
Em todos os casos, diríamos que conversar com Tchakaze tem sido uma verdadeira terapia, uma aula de sapiência e auto-estima.Ela descreve o que sente com muita simplicidade. Não teme represálias ou mesmo ser adjectivada. É segura e sabe o que quer. Por essas e outras razões, reflectindo sobre a cavaqueira mantida com a artista, nada mais nos resta senão admitirmos que ela é, fundamentalmente, uma tradicionalista que valoriza o “inútil”.
Quantas vezes assistimos na nossa comunidade a casos de abandono de lares por parte das mulheres e/ou de homens, pura e simplesmente por vontade de vaguear ou de viver sem compromissos? Diz-nos a artista que, materialmente, a prática só é feita e defendida por pessoas ambiciosas que pensam que o dinheiro é o epicentro da felicidade. No entanto, segundo ela, sob o ponto de vista moral, só o amor sustenta a família.
Mas, tanto o que ela descreve, em Donguissa, como a forma como ela vê as peripécias da vida, essa sua múltipla missão, são factos que nos mostram que Tchakaze possui um feminismo excepcional, de quem vê e reprova algumas práticas da sociedade. E argumenta: “Ultimamente, tem-se notado que o abandono do lar não é só feito pelo género feminino, mas os homens também têm abandonado a família. Isso, na verdade, está associado a assuntos financeiros. Grosso modo, ao interesse, materialismo…”.
Tchakaze nasceu na cidade de Maputo, no bairro de Mahlazine. Como muitos artistas da nossa Pérola do Índico, a sua relação com a música começou na igreja aos nove anos de idade. Volvido algum tempo, enquanto se empenhava na descoberta da sua vocação, entrou para o grupo de dança formado pela bailarina da Companhia Nacional de Canto e Dança, Pérola Jaime, onde foi “diagnosticado o vírus do canto em estado avançado”.
Nesse sentido, e porque na altura já se sentia preparada para trilhar os caminhos da música, não obstante a sua idade, aos 15 anos, começou a subir aos palcos com os mais audaciosos músicos de África, como é o caso de Pen Pen. Era já o início de uma verdadeira história musical.
Explique-se que no começo, para além do sul-africano Pen Pen a cantora continuou a trabalhar como corista com outros vários artistas. Embora a sua paixão ainda seja pelo coro – além de mais tarde ter descoberto a sua nova identidade – Tchakaze abandonou a área para dar lugar à carreira a solo.
“Sempre gostei de fazer coros, de tal sorte que costumo dizer que se fosse possível fazer carreira como corista eu até faria. Só a abandonei porque me casei com um músico que não aposta nesta vida de corista. Ele sempre achou que eu podia fazer uma coisa minha e melhor”, explica-se.
Duas músicas com múltiplas facetas
Tchakaze inspira-se no Xichangana. Canta e encanta com a sua língua materna. Por isso, a par de muitos outros que valorizam os seus idiomas, a artista entrou no panorama musical não só para mover massas, mas para trazer reflexões em torno dos nossos malvistos hábitos.
Não é obra do acaso que, na sua primeira aparição na música, a cantora propõe um debate em torno da violência doméstica. É, portanto, com o referido propósito – colocar as pessoas a debater sobre a violência – que Tchakaze lançou Nkata.
Trata-se de um trabalho cuja realização – além da pertinência que possui – é movida por vários motivos. Primeiro, quer-se que as mulheres parem de “engolir sapos dos homens”. Segundo, que os homens seja respeitosos e que não escondam a sua covardia nas bebidas alcoólicas.
“Nkata é uma música de ouro para mim, porque foi o meu primeiro trabalho. Ela faz uma abordagem sobre a violência doméstica. Falo de um homem que, sempre que volta para casa embriagado, espanca a sua esposa. Portanto, a mulher de tanto levar “porrada” mostra-se disposta a abandonar o lar. Isso é, na verdade, diferente do que acontece nas nossas comunidades. Infelizmente, há mulheres muito conformistas. Ninguém pode acostumar-se ao sofrimento e, pior, com pancadaria”, esclarece.
Por outro lado, Donguissa versa também sobre assuntos familiares. Retrata a recorrente situação do abandono dos filhos. Na verdade, há muitas questões que se podem levantar sobre esta temática. Mas Tchakaze acredita que o grande problema é o dinheiro. Além do mais, e por todas estas razões, “as pessoas acabam por se envolverem com senhores/as mais velhos/as só para ter melhores condições de vida”.
De todos os modos, a sua experiência acumulada mostra-nos, igualmente, que ela sonha com um mundo de paz e harmonia, onde o amor é visto como tudo de que uma família precisa para viver. Por isso, em Donguissa, no fim da história apresenta-nos o arrependimento das pessoas que perderam “o eterno pelo provisório”.
Um sonho real
Actualmente com 25 anos de idade, Tchakaze tem duas músicas no mercado, Nkata e Donguissa. O que se sabe sobre ela tem a ver com facto de que não é novata nos prémios. Há anos ganhou, com Nkata, o galardão do Top Moz Moçambicando da 99 FM. No mesmo rol, neste 2015, venceu a categoria de Revelação Feminina, com a música Donguissa, no Ngoma Moçambique.
De todas as formas, se calhar devido à sua evolução na música, a artista sonha. Idealiza porque é típico de um ser humano e também porque sente que tudo pode ser realizado. E explica-se: “Agora que ganhei o prémio do Ngoma, os meus maiores objectivos são lançar um “single” e voltar a concorrer no programa, pois para mim estar no Ngoma não implica necessariamente ganhar o prémio e o dinheiro, mas sim ter a certeza de que estou num caminho certo. É uma honra e um privilégio”.