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“Tacho” para os deputados, ninharia para o povo

“Tacho” para os deputados

Todos os anos, os trabalhadores moçambicanos têm enfrentado a resistência dos parceiros sociais (Governo e o empresariado nacional) em ajustar o seu vencimento ao valor do cabaz mínimo de uma família-tipo em Moçambique (com cinco pessoas). Este ano, como sempre, não se fugiu à regra: os salários mínimos aprovados continuam baixos. Todavia, o Estado moçambicano não mede esforços e dá aos dirigentes, juízes e deputados a prerrogativa de usar e abusar do dinheiro público. A título de exemplo, num furor inédito, o Parlamento apressou-se a aprovar uma proposta bizarra, lavrada pelos próprios parlamentares, que garante o seu conforto para o resto da vida.

Na última terça-feira (29), foi divulgada a tabela de salários mínimos referentes ao presente ano de 2014. Como sempre, o momento tão aguardado pelos trabalhadores moçambicanos não trouxe novidades. Pelo contrário, o anúncio sedimentou a certeza de que os trabalhadores vão continuar a fazer “malabarismos” de modo a ajustar o orçamento doméstico às despesas relacionadas com bens de consumo, material escolar, transporte e pagamento da conta de água e luz.

Tudo porque os ordenados mínimos nacionais, ajustados na última Concertação Social, rondam em torno de 2.800 a 7.500,00 meticais, longe dos aproximadamente nove mil meticais que propunha a Organização dos Trabalhadores de Moçambique – Central Sindical (OTM-CS). Ou seja, os acréscimos variam de 200,00 a 600,00 meticais. A tabela aprovada esta semana pelo Conselho de Ministros mostra que o salário mais baixo é o do sub-sector de pesca da kapenta que teve um acréscimo de 212,00 meticais, passando o salário mínimo a ser de 2,857,00 meticais.

O sector das actividades dos serviços financeiros, no sub-sector de bancos e seguradoras o aumento é de 9.5 porcento, passando o salário mínimo a ser de 7.465,00 meticais. No mesmo sector, as microfinanças, os micro-seguros e outras actividades auxiliares de intermediação financeira, o aumento é de 6.21 porcento, um acréscimo de 423, 68 meticais, passando o salário mínimo a ser de 7.241, 00 meticais.

Cesta magra

Apesar dos reajustes, os salários mínimos continuam a não cobrir o cabaz para o sustento de um agregado familiar constituído por cinco pessoas durante um mês. Diga-se em abono da verdade que, desde a sua fixação, não há nenhum registo de que, em algum momento, o ordenado básico cobriu, ao menos, metade das necessidades de alimentação dos trabalhadores moçambicanos. Mesmo com as actualizações anuais, o aumento não tem efeito no orçamento doméstico, uma vez que o poder de compra dos consumidores tem vindo a agravar-se.

A cesta básica foi desenhada para a fixação do salário mínimo nacional e é composta por arroz, açúcar, farinha de milho, pão, amendoim, sabão, feijão manteiga, óleo vegetal, peixe e hortofrutícolas. E, diga-se, a mesma nunca chegou a cobrir tal necessidade. Segundo os cálculos da OTM-CS, o custo do cabaz, para o sustento de um agregado familiar composto por, pelo menos, cinco pessoas durante um mês, pondo de lado despesas de higiene, carne vermelha e entretenimento, está estimado em mais de oito mil meticais.

O @Verdade deslocou-se até aos principais mercados e estabelecimentos comerciais da cidade de Nampula e constatou que os preços de produtos alimentares, nomeadamente arroz, farinha de milho, trigo, tomate, cebola, peixe, óleo e batata têm vindo a sofrer um aumento significativo, variando entre 20 e 30 porcento. Por exemplo, o quilo de arroz é comercializado a um valor que oscila entre 29 e 30 meticais. O saco de 10 quilos de batata é vendido a 250 meticais.

O quilograma de tomate custa 50 meticais. Há um mês, no mercado central, o custo de uma cesta básica, para o sustento de um agregado familiar composto por, pelo menos, cinco pessoas rondava os nove mil meticais. Já nos mercados da Resta, 25 de Junho (Matadouro), Memória e Pinto Soares (Faina) o preço oscilava entre oito mil e 10 mil meticais.

Presentemente, naqueles locais onde a maior parte dos munícipes de Nampula obtém os produtos de primeira necessidade, o cabaz ronda os 10 mil meticais, em alguns casos chegando a atingir os 12.500,00 meticais. Refira-se que a relação de produtos que constituem o cabaz mantém-se, apesar de, desde a sua instituição, o salário mínimo nacional sofrer várias alterações.

Fraco poder negocial dos sindicalistas

Todos os anos, a história repete-se: o sindicato dos trabalhadores organiza-se para vencer a batalha de ver ajustado o salário mínimo ao cabaz do empregado moçambicano. Porém, a organização encontra a resistência do Governo e do empresariado nacional que acreditam que o aumento exigido pelos sindicalistas pode tirar a economia nacional dos carris.

Os resultados alcançados das negociações dos salários mínimos por sector de actividade continuam aquém de satisfazer as necessidades elementares de alimentação do cidadão comum. Por outro lado, o poder de compra do consumidor tem vindo a decrescer. Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que o país continua a registar uma escalada de preços de bens alimentares.

Este facto deve-se ao sistema de fixação ao valor base do ordenado básico e, sobretudo, ao fraco poder negocial dos sindicatos, segundo alguns economistas. Em 2013, a economia moçambicana apresentou um crescimento robusto de cerca de 7,1 porcento (um dos maiores da África a sul do Sahara) e uma inflação moderada de 4,2 porcento, além de um desempenho fiscal que superou as metas previstas, influenciado pela cobrança de mais-valias no sector dos recursos naturais.

São estes os principais indicadores usados na fixação do salário mínimo. Apesar desses resultados animadores, a OTM-CS não conseguiu convencer os seus parceiros sociais de que os trabalhadores moçambicanos e as suas respectivas famílias necessitam de levar uma vida com o mínimo de dignidade com vista ao alcance do progresso do país, mostrando claramente que os sindicalistas precisam de desenvolver a sua capacidade negocial.

Benesses para os dirigentes

Enquanto os sindicalistas lutam para ver ajustado o salário mínimo ao cabaz que custa oito mil meticais, o Estado moçambicano paga ordenados milionários a juízes, deputados e aos gestores públicos. Na Função Pública, por exemplo, os professores, os agentes da Polícia da República de Moçambique e os profissionais da Saúde (médicos, enfermeiros e serventes) são os que auferem os salários mais baixos. O mesmo Governo que alega não ter capacidade para melhorar os salários dos trabalhadores moçambicanos paga pensões chorudas a antigos dirigentes.

Por mês, o Estado gasta 2.382.229,72 (Dois milhões e trezentos e oitenta e dois mil, duzentos e vinte e nove meticais e setenta e dois centavos), e 28.586.756.64 MT (vinte e oito milhões e quinhentos e oitenta e seis mil, setecentos e cinquenta e seis meticais e sessenta e quatro centavos), por ano. Actualmente, os deputados auferem, no mínimo, mais do que 27 salários mínimos.

Além disso, têm direito, dentre outras coisas, a uma viatura, despesas de representação, e subsídio de renda. Como se não bastasse, à luz do seu novo Estatuto, aprovado, na generalidade e por consenso pelo Parlamento, eles passam a beneficiar de um conjunto de direitos e benesses.

“O aumento continua insignificante”

Ambrósio Sitoe é docente afecto ao ensino primário. Ele disse ao @ Verdade o seguinte: “Não posso dizer quanto é que aufiro como professor porque o valor é um insultou para mim mesmo. Com o salário até sinto vergonha de dizer que sou professor. Sou pai de quatro filhos, todos eles estudam, e com o dinheiro que eu ganhava antes do referido aumento não dava para sustentar a minha família durante 30 dias. O reajuste do salário continua insignificante. Talvez a situação poderia ser melhor, mas surgem mais despesas na família”.

Danilo Timóteo é agente da Polícia da República de Moçambique (PRM) e considera também que o aumento não vai mudar a sua vida. “Para mim o melhor salário devia ser 10 mil meticais porque o custo de vida tende a agravar-se. Devido a este reajusto os preços de alguns produtos alimentares serão agravados e os operadores de transporte de passageiros também irão agravar a tarifa. Isso faz com que tudo seja nulo e a gente continuará a viver à míngua”.

Abdul Mário é técnico auxiliar na Saúde. Antes do aumento salarial, ele auferia 2.700 meticais e o seu acréscimo é de 240 meticais. “Quero manifestar o meu desagrado diante dessa situação. Enquanto os deputados distribuem benesses entre si, nós (o povo) temos de nos contentar com 240 meticais. Este aumento será destinado à compra de carvão e de energia eléctrica. Portanto, apesar do incremento, vamos continuar a passar por necessidades.”

Matias Manuel é empregado de uma empresa de segurança privada. Na sua firma, o ordenado mínimo é de 3.000 mil meticais e deverá passar a auferir 3.240 meticais. Ele considera que não é preciso fazer um plano de gestão deste dinheiro. Do bairro de Natikiri para a zona dos Limoeiros, onde ele trabalha, gasta mensalmente 250 meticais, o que significa que o valor nem cobre as suas deslocações.

Zacarias Zandamela é funcionário da Escola Primária 3 de Fevereiro. Ele aufere uma remuneração mensal de 3.000 meticais. O seu desejo é passar a ganhar 7.000 meticais e considera que não se combate a pobreza absoluta com incrementos salariais magros. “Não faz sentido que a agricultura, por exemplo, seja considerada a base de desenvolvimento enquanto as pessoas que a praticam ganham um salário de miséria”.

Adolfo Betuel reside na capital do país e é pedreiro numa empresa de construção civil. Ele não revelou o seu vencimento mas comentou o seguinte: os professores, médicos, agricultores, por exemplo, auferem ordenados bastante magros. “As famílias desses trabalhadores não desenvolvem porque os ordenados das pessoas de quem dependem não chega para nada. Os nossos governantes aumentam as suas mordomias e salários regularmente e o povo continua na miséria”.

Cacilda Tembe é funcionária pública há 24 anos. Para ela, o aumento salarial continua longe de satisfazer as necessidades da sua família porque é muito baixo. “Tenho filhos que estudam e tem sido difícil assegurar que todos tenham material escolar. Um acréscimo de 300 ou 500 meticais nos ordenados dos trabalhadores é insignificante”.

Crispim Mabuluco é professor do ensino primário. Para ele, os reajustamentos salariais não chegam para cobrir as despesas de saúde, de transporte, de alimentação e de educação durante um mês. “Os preços de produtos alimentares, o carvão, a energia e o “chapa” vão disparar, encarecendo ainda mais a vida”.

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