Ninguém acreditava que ele fosse realmente se matar. “O meu irmão tinha comentado que pensava em suicidar-se, porque não podia viver infectado (com o HIV), mas nunca imaginamos que ele estivesse a falar a sério”, disse Júlia Matavel, residente de Xai-Xai, capital da província meridional moçambicana de Gaza.
Segundo Matavel, o seu irmão era trabalhador, dedicado e pai de um filho. Depois que recebeu o diagnóstico positivo, em Agosto de 2008, atirou-se no caudaloso rio Limpopo, juntamente com dois outros rapazes, que haviam recebido o resultado positivo, na mesma altura.
“Não entendemos por que ele teve essa coragem. Mas sabemos que isso aconteceu depois de ele saber que era seropositivo. Ficou uma semana desaparecido e depois foi encontrado no rio”, contou Matavel.
Na mesma época, um homem atirouse do sétimo andar de um prédio na cidade de Maputo. Ele também havia acabado de saber que era seropositivo.
Deficiência no aconselhamento
Não há números oficiais referentes a suicídios motivados pelo HIV em Moçambique, mas Rafael Cossa, psicólogo e formador da organização internacional Pathfinder, em Xai-Xai, destaca que tais ocorrências mostram uma deficiência no sistema de aconselhamento do país.
“Aqueles rapazes não tiveram um aconselhamento eficaz. Eles meteram-se no rio simplesmente porque foram mal aconselhados”, disse. O estigma é a principal razão por que o suicídio atrai a muitos.
A vergonha de assumir a seropositividade, principalmente porque ela é associada à promiscuidade sexual, e o medo da rejeição social torna-se tão grande que a pessoa não vê outra saída.
“O indivíduo chega a um tal estado de depressão que não consegue visualizar o lado positivo da vida”, disse Clarice Samo Gudo, psicóloga da ONG Médicos Sem Fronteiras, em Maputo. “Vive alimentando-se do seu sofrimento e acaba decidindo tirar a própria vida”, acrescentou.
Daí a importância do bom aconselhamento. Um relatório de 2006 sobre informação do aconselhamento e testagem em saúde mostra que existem cerca de 360 centros de aconselhamento e testagem em todo o país. O aconselhamento enfatiza a adesão ao tratamento e os cuidados na vida com HIV, destacando a possibilidade uma vida normal e produtiva.
O aconselhamento – pré e póstestagem – é considerado um momento ímpar para avaliar a estrutura psicológica do indivíduo. O descontrole mesmo antes do resultado, por exemplo, pode indicar que o paciente precisa de um apoio psicológico maior.
Gudo acredita que o suicídio relacionado ao HIV não deve ser encarado como ignorância ou falta de informação. “O HIV é um medo constante, relacionado à morte. Todos nós fazemos essa associação. Ele também está ligado à sexualidade, ao tabu, à promiscuidade.
Tudo isso contribui para a discriminação”, disse. “Por isso é importante trabalhar com a família e o próprio paciente, porque antes de ele saber que é seropositivo, ele também é preconceituoso”.
Moçambique tem uma seroprevalência nacional de 16,2 por cento, para uma população de cerca de 20 milhões. Culpa pela morte do paciente Virgínia Mondlane é conselheira do Hospital Dia do Alto Maé, em Maputo.
O seu trabalho é encorajar os seropositivos a aderir ao tratamento e a entender que é possível viver bem com o HIV. “As pessoas vêm decididas para fazer o teste, mas não estão preparadas para o resultado positivo”, disse Mondlane.
“Quando recebem o diagnóstico, não acreditam nele e ficam desesperadas. Muitas falam em matar-se”. Em 2006, um dos seus pacientes suicidou-se. Ele havia repetido o teste algumas vezes e o resultado sempre voltava positivo.
Começaram com as sessões de aconselhamento e, depois de muita relutância, o seu paciente aceitou iniciar o tratamento. Pouco tempo depois, ele atirou-se de um prédio.
Segundo Mondlane, o jovem ficou especialmente abalado porque o teste de sua mulher havia voltado negativo. “Ele provavelmente ficou com vergonha de partilhar a vida com uma mulher seronegativa, pois isso mostraria que ele é o culpado”, disse.
Por algum tempo, Mondlane culpou-se pela morte do paciente. “Pensei que tinha feito um mau aconselhamento, mas fui compreendendo que ele tinha preferido traçar daquela forma o seu destino”, afirmou. “Eu não poderia ter feito mais nada para reverter a situação”. Embora concorde que haja casos como esse, Manuel Cândido, activista da Associação Kindlimuka, primeira associação para seropositivos no país, diz que um bom aconselhamento pode fazer a pessoa mudar de ideia.
Ele fala por experiência: quando adoeceu, em 2005, ficou de cama por cerca de quatro meses. Ao retornar ao trabalho descobriu que o seu posto já havia sido ocupado. “Pensei no suicídio”, admitiu. Ao invés de levar o plano à frente, foi à Direcção da Mulher e Acção Social, onde o encaminharam à Associação Kindlimuka.
Lá recebeu aconselhamento e desistiu da ideia. “Quando chegam até mim notícias de que alguém se suicidou devido ao HIV, sinto-me triste, porque eu sei que estar doente não significa o fim”, disse Cândido.
“As pessoas precisam de mais conhecimento para poderem lutar pela vida”.