Activistas humanitários pedem que as novas autoridades do Sudão do Sul cuidem do endémico e devastador problema da violência contra as mulheres, tolerada neste país, oferecendo capacitação em direitos femininos, especialmente aos soldados.
“Trabalhei com muitas mulheres e meninas vítimas de violência, que apanhavam dos seus maridos ou foram violentadas por soldados rebeldes e sofrem em silêncio”, afirma Loise Joel, responsável da organização Direitos Humanos para os Vulneráveis, no Estado de Equatoria Central, no Sudão do Sul.
Após 21 anos de guerra civil, é fundamental que o novo governo, que assumiu formalmente o poder no dia 9, acelere os julgamentos por graves violações de direitos humanos, para dar esperanças aos sobreviventes.
“A violência contra as mulheres é um problema perverso, devastador e tolerado neste país. É um legado da guerra civil brutal, durante a qual foi moeda corrente. A ajuda às sobreviventes é escassa”, afirmou Susan Purdin, supervisora de programas da Comissão Internacional de Resgate no Sudão do Sul.
As ameaças não desaparecem com a independência, pois continuam os confrontos étnicos e tribais. O próprio exército do Sudão do Sul é conhecido pelos seus métodos violentos para combater os rebeldes.
“O Sudão do Sul nasceu em crise. A violência obriga ao deslocamento de pessoas, coloca em perigo a vida dos civis vulneráveis, dificulta o acesso às comunidades mais necessitadas e a crise humanitária agrava-se”, destacou Purdin.
Anim Yei foi sequestrada por soldados rebeldes, que a obrigaram a viver dois anos na selva, onde a violaram repetidas vezes. Segundo Purdin, o governo deve criar um tribunal para reunir informação sobre violações de direitos humanos contra as mulheres e punir os culpados.
“É desumano falar sobre o que aconteceu comigo e outras pessoas vítimas da violência reinante no nosso país. O Governo precisa de criar uma comissão que garanta a segurança das vítimas para podermos falar sem medo”, afi rmou Yei.
Ela não é a única. De todas as mulheres com as quais Louise Joel trabalhou, a maioria tem medo e não denuncia os abusos. “Temem represálias dos seus maridos ou dos soldados. A sociedade também despreza-as. É preciso explicar que são violações dos direitos humanos e que há tribunais para processar os responsáveis”, afi rmou.
A violência de género é extremamente frequente no Sudão do Sul e a maioria das vítimas sofre em silêncio, afirma um estudo feito por Leora Ward, da Unidade de Protecção de Mulheres e Empoderamento Técnico, da Comissão Internacional de Resgate. Quase 52% das vítimas não apresentam denúncia. Há mais registos de abuso psicológico, 31% dos casos, seguido de violência física, 29%.
O estudo diz que a violência contra as mulheres também é resultado de confrontos tribais e furto de gado. “O assassinato de mulheres e meninas costuma motivar represálias e deixar mais vítimas”, disse Ward. Contudo, agora acrescenta-se “o alto custo do dote”, acrescentou.
Os homens que não podem pagar a quantia solicitada violam uma mulher para poderem casar com ela. “O descontentamento pelo custo do dote leva-os a tratarem as suas mulheres como sua propriedade e a bater nelas”, acrescentou.
Os problemas de segurança têm origem na violência económica, no casamento precoce ou forçado, na violação conjugal, nas agressões conjugais e nos confrontos tribais, diz o estudo da Comissão Internacional de Resgate. Há, ainda, uma carência generalizada de centros de saúde para as vítimas e as clínicas existentes não podem atender de forma adequada a violações, gravidez não desejada e infecções com vírus HIV (causador da SIDA).
“O Governo deve prevenir, dissuadir e responder à violência e às ameaças contra as mulheres”, disse Purdin. “São necessárias leis específi cas para protegê-las. A educação feminina deve ser prioritária para que elas possam integrar o desenvolvimento comunitário do novo país. Isso permitirá diminuir a desigualdade de poder entre homens e mulheres”, acrescentou.
“Temos casos de soldados que invadem as casas, levam as jovens, violentam-nas e transformam-nas em suas mulheres”, contou Lillian Omariba, directora regional de media do Plano Internacional, organização que há sete anos trabalha no Sudão do Sul.