O Sudão, o maior país africano, está agora mais perto da secessão, após o referendo sobre a independência do Sul ter ultrapassado, na passada quarta-feira, a fasquia de 60% dos eleitores inscritos, participação mínima necessária para validar o escrutínio. Um residente de Juba, capital do Sul, refere que “é tempo de abrir bem os olhos, defender os direitos e obter a independência, para depois desfrutar da liberdade do território”. No Sul, têm-se multiplicado as manifestações para frisar a identidade cristã daquele que já é visto como o 54º Estado de África.
Ao quarto dia, a barreira dos 60% de participação foi atingida no referendo que está a decorrer no Sul do Sudão que teve o seu início no domingo e que se prolonga até amanhã (sábado). Recorde-se que 60% de participação era o mínimo exigido para que a consulta popular fosse considerada válida.
Agora só falta saber para que lado pendeu a escolha dos cerca de quatro milhões de votantes. “Os 60% já foram atingidos mas nós queremos que sejam atingidos os 100%”, declarou Anne Itto, porta-voz do antigo grupo rebelde SPLM (Movimento Popular de Libertação do Sudão, sigla em inglês) à BBC, não especificando dados exactos mas disse basear-se nos relatórios emitidos pelo centro de votação nos quatro primeiros dias de votação.
Sabit Alley, membro da comissão do referendo, disse à BBC que não tinham ainda estatísticas exactas devido a falhas nas comunicações. Mas a última informação dava conta de que ao fim do segundo dia 46% dos votantes já haviam colocado o seu boletim na urna no sul do país.
“No Norte já votaram 25%, sendo a região de Cartum, a capital, a que registou maior participação, superior a 50%.” O voto destina-se só aos sulistas e, de acordo com as indicações, espera-se que o Sim à independência vença, dividindo o país em dois, nascendo desta forma o 54º país de África. Entretanto, os Estados Unidos já vieram dizer que poderiam retirar o Sudão de lista de países que apoiam o terrorismo se o Norte reconhecer o resultado do referendo, qualquer que ele seja.
Recorde-se que o Norte e o Sul do Sudão travaram uma sangrenta guerra civil devido fundamentalmente a questões de natureza étnica e religiosa que fizeram para cima de um milhão e quinhentos mil mortos.
Alguns dados sobre o referendo
• Dias de Votação: de 9 a 15 de Janeiro.
• 3.930.016 é o número de eleitores inscritos.
• Para que a consulta seja válida é necessário que a afluência às urnas atinge os 60% dos eleitores inscritos.
• O referendo é uma condição do acordo de paz de 2005 que pôs termo a duas décadas de guerra civil.
• A zona de Abyei, rica em petróleo, conhecerá um processo de votação à parte para decidir se pretende juntar-se ao Norte ou ao Sul.
• O resultado final será conhecido entre os dias 6 e 14 de Fevereiro.
• O Sul poderá tornar-se o mais novo país africano a 9 de Julho de 2011.
• O hino e a bandeira nacionais já estão escolhidos mas o novo país ainda não tem nome.
O homem do chapéu à cowboy
O chapéu à cowboy de Salva Kiir Mayardit, líder do SPLM, sobressaía da bicha no passado domingo numa das mesas de voto de Juba, capital do Sudão do Sul. Kiir esperou cerca de 20 minutos para depositar o seu voto na urna e no final, depois de ter colocado o dedo na tinta azul indelével, falou ao jornalistas dizendo que a democracia pode finalmente ter chegado ao Sul do Sudão.
Kiir, ao que tudo indica, poderá ser o primeiro presidente do país mais jovem de África. O antigo comandante rebelde tem estado à frente dos destinos da sua pátria desde que o acordo de paz foi assinado em 2005, pondo fim a duas décadas de conflito com o Norte. Desde essa altura tem estado sobretudo preocupado em assegurar que o referendo sobre o futuro do território – o clímax desse acordo de paz – se efective num ambiente de serenidade.
Kiir, segundo o acordo de paz, é também Vice-Presidente do Sudão, mas há muito que defende a independência do Sul. Em 2009, clarificou definitivamente o seu lado: “O referendo é uma escolha entre ser um cidadão de segunda no seu próprio país ou uma pessoa livre num Estado independente.”
A sombra de Garang
A sua decisão de não se candidatar à presidência nacional em Abril de 2010 serviu sobretudo para não deixar dúvidas a ninguém de que lado estava. Em vez disso, optou por um mandato democrático como o líder do Sul do Sudão – uma posição que ele já tinha decidido desde a morte repentina do seu carismático antecessor, John Garang.
“O presidente Kiir pode-nos manter unidos, e hoje não há mais ninguém que possa fazê-lo”, referiu Agnes Mojona.
Kiir tornou-se líder do sul e deputado nacional após a morte de John Garang num acidente de helicóptero em Agosto de 2005, somente três semanas depois de ser designado Vice-Presidente.
Kiir era um importante membro do círculo íntimo de Garang, tendo sido comandante militar dos rebeldes sulistas do SPLM. Ao invés do seu antecessor, Kiir não é um intelectual. E, apesar de não ser orador nato, ele sabe como se comportar diante das multidões, sendo muito afectuoso quando discursa nos comícios.
Cristão fervoroso, Kiir fala regularmente na catedral católica de Juba, a capital do Sul-Sudão. Tal como Garang, Kiir pertence à etnia Dinka – o maior grupo étnico do Sul – embora os dois sejam de clãs diferentes. Em relação à idade, Kiir diz ter 59 anos, mas ninguém no SPLM confirma.