Elas formam um grupo que pretende lutar por uma sociedade mais justa e equilibrada no que a questões do género diz respeito. Chamam-se Frente Feminina e fazem parte do Parlamento Juvenil. O seu objectivo é ter mais mulheres a participar nos processos de desenvolvimento do país a todos os níveis: político, social, económico e cultural.
Porém, a sua luta tem como obstáculos os preconceitos masculinos segundo os quais a figura feminina não tem as mesmas faculdades, daí que, para além de questionarem a fraca presença deste género em sectores de tomada de decisão, defendam que “é preciso que à mulher seja dada a oportunidade para que demonstre as suas capacidades”.
“A Frente Feminina é o viveiro das lideranças jovens do sexo feminino, e não pretende usurpar o espaço do homem, mas sim buscar, em coordenação com este, soluções para os problemas que afligem a sociedade”, tranquilizam.
@Verdade – O que é a Frente Feminina?
Frente Feminina (FF) – Frente Feminina é o braço da mobilização estratégica do Parlamento Juvenil (PJ) para o engajamento construtivo da mulher jovem na vida política, económica, social e cultural do país. É um movimento apartidário, pois acreditamos que os problemas das mulheres moçambicanas, de forma geral, são os mesmos, independentemente da sua cor político-partidária, daí que todas são chamadas a fazer parte desta organização rumo à igualdade. Como Parlamento Juvenil temos consciência de que a revolução rumo à edificação de uma sociedade justa só será possível quando as mulheres e os homens caminharem juntos para o alcance de objectivos comuns. Esta é a razão da criação deste braço. Somos o viveiro das lideranças jovens do sexo feminino.
@Verdade – Quantos membros compõem a Frente Feminina?
FF – Somos várias. Não vamos falar de números, mas devemos dizer que temos coordenadoras da Frente ao nível de todo o país, desde os distritos até às províncias. Temos representantes nas escolas secundárias e igrejas. Ainda tencionamos alargar a base no sentido de termos representação em todos os locais onde podemos encontrar uma concentração de mulheres jovens. A Frente mobiliza mulheres para se engajarem na política e terem uma participação consciente, que não se limita a uma simples participação simbólica na Assembleia da República, ou noutros órgãos, como acontece nalguns casos. As mulheres constituem a maioria da população. Aliás, não só ao nível do país, mas também no mundo. Mas sentimos que esse facto, muitas vezes, não passa de um elogio demográfico e cosmético, sem efeitos concretos na vida da mulher.
@Verdade – O que significa isso?
FF – Significa que ainda não sentimos uma participação efectiva das mulheres na definição dos destinos da sociedade, não obstante sermos a maioria. Perante isso nós questionamos: “o que significa sermos maioria? O que as mulheres vêem como benefício por serem a maioria? E será que o ser a maioria em termos populacionais reflecte-se na inclusão das sensibilidades das mulheres no exercício de tomada de decisão, de planificação e no exercício de implementação e monitoria de políticas públicas?”. A resposta ainda é: “não”. Por outro lado, sentimos que quando falamos da questão da mulher o assunto é remetido a um espaço privado e não para o espaço público.
E nós questionamos: “como é que nós, de facto vemos, a participação da mulher em termos de política pública, na identificação de uma sociedade democrática?”. Por exemplo, o país está a viver, neste momento, uma situação de conflito político-militar, mas quando olhamos para as equipas negociais não conseguimos ver lá mulheres. São duas equipas negociais constituídas por homens. Quando olhamos, também, para os “mediadores” que têm ido tanto para Santundjira, assim como para reunir com o Presidente da República, só temos homens lá. Olhando para os partidos políticos que se reuniram com as duas partes, vemos apenas homens, até os jornalistas que fazem a cobertura da mediação também são maioritariamente homens. Ou seja, a nossa sociedade, em termos de participação política através de partidos políticos, com ou sem assento no Parlamento, ainda é masculinizada.
@Verdade – O surgimento da Frente parte destas constatações?
FF – Em 2010, nós surgimos como um mecanismo para mobilizar a participação da mulher na vida política do país. Para que seja ela mesma a fazer as suas próprias escolhas e definir o rumo que pretende dar à sua vida, mas também para colaborar no processo de aprofundamento da democracia. A nossa questão foi: “será que as questões das mulheres têm sido levadas em conta neste processo de construção da democracia e tomada de decisões?”. Também fomos inspiradas por vários movimentos de mulheres que foram surgindo ao longo do tempo e foram ganhando as suas batalhas criando, por exemplo, o direito ao voto, ao serviço de saúde sexual e reprodutiva de qualidade, direito à educação, e muitos outros.
@Verdade – Como olham para os resultados dessa vossa luta?
FF – Temos consciência de que as mudanças sociais são lentas. Mas acreditamos que é possível, neste momento, criar mais avanços e liderar um processo em que as mulheres, ao nível das escolas, das igrejas, mercados, possam ter um processo de iniciação política, ter a consciência do que é democracia, o que é cidadania. Acreditamos também que uma sociedade escolarizada pode fazer a diferença, daí a nossa aposta nas jovens.
Uma mulher com conhecimento vai fazer algo de diferente daquela que é inteiramente submissa. E para além do engajamento na política, lutamos em torno da questão da violência doméstica, temos visto que a mulher continua a ser a principal vítima da violência doméstica, embora os homens também passem por essas situações. A sociedade olha para a mulher e diz que ela é elo mais fraco. Mas como Frente metemos na cabeça da mulher que nós não somos o elo mais fraco. Nós não só servimos para ficar em casa a cuidar dos filhos e das panelas. Podemos também ir à luta e conseguirmos alcançar os nossos objectivos.
@Verdade – Concretamente, que actividades a Frente Feminina desenvolve?
FF – Há uma série de actividades que temos consolidado desde a nossa criação. Temos um programa de debate chamado “Mulheres em Chamas”, que realizamos de dois em dois meses. O objectivo é a criação de consciência política nas mulheres jovens com vista a uma participação plena na vida da sociedade. Neste programa elegemos diferentes assuntos que dizem respeito à mulher e à sociedade no seu todo. Mostramos às jovens que elas não devem debater somente questões que têm a ver com saúde, educação, embora reconheçamos que estas sejam prioridades estratégicas do nosso país, mas é necessário que se engajem e procurem ter, de facto, um papel mais activo em todos os processos.
@Verdade – Onde é que actuam?
FF – A nossa actividade é um processo que se pretende inclusivo. Por isso, nós procuramos a mulher onde ela se encontra e tentamos perceber os problemas que ela tem. Ou seja, trabalhamos nas escolas, igrejas, mercados e outros espaços de aglomeração da mulher. Articulamos com ela e tentamos perceber os seus desafios. “Mulheres em Chamas” é um programa embrionário no qual pretendemos que o diálogo e a participação sejam a tónica dominante.
A nossa meta é, futuramente, olharmos para essa mulher e sentirmos que ela está preparada para ocupar lugares de liderança a partir da base. @Verdade – Qual é a situação actual da mulher? FF – Sentimos que a mulher ainda tem um baixo poder negocial, mesmo quando olhamos para questões como o uso de preservativo, a decisão de quando ter um filho e quando não ter, entre muitas outras questões. Entretanto, queremos deixar claro que não é um processo de inversão de papéis entre homens e mulheres que nós buscamos, mas uma maior participação da mulher jovem nos processos de tomada de decisão sobre questões que digam respeito à sociedade.
@Verdade – Qual são as prioridades dessa luta pela busca de uma maior participação da mulher?
FF – Uma das questões prioritárias para nós é a advocacia em prol de uma agenda de género na educação. É um desafio muito grande que levamos a cabo. Neste momento, estamos a definir novas estratégias de como é que podemos influenciar os currículos do Sistema Nacional de Ensino para que tenham de facto uma agenda de género. Para nós os currículos devem ter uma agenda que não se resuma apenas a termos uma percentagem de participação das mulheres nas escolas, mas a forma como os mesmos se desenrolam no sentido de garantir que as mulheres tenham acesso à educação de qualidade e tenham igualdade de oportunidades que os homens nas salas de aulas.
@Verdade – O que há de errado nas actuais políticas?
FF – Nós criamos espaços de debate para que não sejamos nós a decidir pelas outras mulheres. Para que as mulheres jovens nos digam como é que elas vêem o seu futuro, nos os homens também possam participar e dar o seu ponto de vista sobre como é que podemos ultrapassar essas dificuldades todas. Um dos princípios da Frente Feminina é a inclusão. Inclusão de todos os grupos sociais, sejam mulheres com deficiência, do sector informal, ensino superior, das diferentes confissões religiosas, domésticas. Queremos perceber os problemas de todos esses grupos sociais. Entretanto, na essência, o que queremos é uma educação de qualidade e que olhe para a perspectiva do género. A política de formação de professores deve envolver uma forte componente de género e direitos humanos, relações de género e equilíbrio. Essas situações devem estar espelhadas nos currículos e, também, nas actuações dos professores.
@Verdade – E como têm sido recebidas as vossas mensagens, principalmente nos locais onde ainda prevalece o conservadorismo, tal é o caso de algumas igrejas?
FF – Primeiro, nós reconhecemos que as mudanças socais são lentas, então o importante é ter uma abordagem suave ao nível da sociedade. Nós sempre procuramos deixar claro que não somos pela inversão de papéis, mas sim por uma participação e colaboração entre mulheres e homens. E com essa abordagem as mulheres aos poucos vão-se abrindo a esses processos, embora não seja em todas as igrejas. Mas também não buscamos resultados imediatos.
@Verdade – Tendo em conta as eleições que se avizinham, existe um programa específico direccionado para as mulheres?
FF – Neste período, um dos papéis da Frente Feminina é mobilizar jovens para que façam parte deste processo, para que exerçam o seu direito cívico. Agora, em relação aos candidatos, gostaríamos que, pelos menos, das 53 autarquias, houvesse mulheres candidatas a representar-nos. Ninguém nos vai dar um espaço, a não ser que nós o conquistemos através da luta e da demonstração de capacidade. Olhando para o facto de haver eleições neste e no próximo ano, colocámos como desafio a nós mesmas. Queremos que pelo menos 50 porcento dos candidatos (a edis ou às assembleias municipais) sejam mulheres.
É que os jovens e as mulheres são a maioria, mas no fim do dia olhamos e temos apenas dez porcento, por sorte. São poucas as mulheres que ocupam o cargo de presidente de município e este ano invertemos esse cenário. E, para tal, as mensagens que passamos aos partidos políticos com assento no Parlamento e aos extra-parlamentares é que nós queremos mulheres candidatas. Depois o eleitor na mesa de voto vai decidir a quem eleger. Também não queremos eleger simplesmente por ser mulher, queremos eleições competitivas. Queremos olhar para o projecto social que cada um traz, queremos sentir que as mulheres estão lá.
@Verdade – Como foram definidas as metas?
FF – As metas são flexíveis. A questão é que nós queremos promover um engajamento construtivo da mulher jovem ao nível do país. Queremos sentir que ao nível de todas as províncias temos mulheres a participar nos debates públicos como painelistas, queremos mulheres nos partidos políticos como candidatas. Claramente que há prioridades em termos de educação formal. Reconhecemos a importância da educação informal. Percebemos com satisfação que a consciência política não está apenas naqueles que se sentaram no banco da escola, aqueles que fizeram o ensino superior. Sentimos que há mulheres que, por exemplo, mesmo não tendo avançado muito no que diz respeito à educação formal, nos últimos dias, conseguem discutir a situação política do país.
@Verdade – Não estarão a generalizar algo que ocorre apenas nas cidades?
FF – Para nós o facto de essa situação ocorrer na cidade é um passo necessário para que o processo seja activado. As mudanças sociais nunca foram suscitadas por toda a população, sempre há um núcleo activador. Estaríamos a ser muito ambiciosas se quiséssemos que esse processo ocorresse em todos esses locais simultaneamente.
@Verdade – Nas eleições autárquicas que se avizinham, pretendem que metade dos candidatos sejam do sexo feminino. Tiveram em conta as competências das mulheres que fazem parte dos partidos?
FF – Essa questão é importante e nós olhamos para esse aspecto. Mas quando se diz que as mulheres não têm capacidade, quem é o culpado por essa situação é a sociedade. Porque é que não temos mulheres capacitadas? Por que é que não podem participar nas eleições autárquicas? Temos 39 porcento de mulheres na Assembleia da República, temos ministras e vice-ministras e vemos mulheres empresárias. Será que ao nível das bases não existem mulheres como estas? Pensamos que é uma questão de oportunidade. É preciso que haja oportunidade para que as mulheres demonstrem as suas capacidades. Mas também é preciso que os próprios partidos políticos invistam mais na capacitação dos seus quadros. E esse é um desafio da sociedade. É preciso que o nosso sector da educação se preocupe em formar pessoas com as componentes “saber fazer e saber estar”.
@Verdade – O que é feito nos encontros da Frente Feminina?
FF – Discutimos assuntos sociais ou acontecimentos relevantes que merecem ser revistos. Temos muitas questões que preocupam as mulheres que nós identificamos: violência do género, assédio sexual, educação inclusiva e transformadora, saúde sexual reprodutiva e VIH/SIDA. Mas também dizemos que há temas sobre as quais as mulheres pouco discutem. Por exemplo, sobre o estado da Nação; agora a questão da tensão político-militar. Então nós levamos esses assuntos à mesa de debate e ouvimos o que elas pensam sobre isso e o que podemos fazer. E um exemplo dos resultados disso é o debate que houve em Maputo sobre o estado geral da Nação, que reuniu mais de mil cidadãos.
@Verdade – Quando debateram sobre o estado da Nação, a que conclusão chegaram como Frente Feminina?
FF – Concluímos que o estado da Nação é preocupante. Nós pensamos que o conflito que existe hoje não é só entre o Governo e a Renamo. O nosso país está na iminência da vários outros conflitos que se forem não geridos devidamente podem criar problemas que vão ser difíceis de resolver no futuro. Falamos disso porque quando olhamos para a greve dos profissionais da Saúde, a situação de Cateme, estudantes menores no curso nocturno, sector informal, transporte que já trouxe manifestações no país, percebemos que, embora as questões estejam a ser bipolarizadas, é necessário um diálogo que inclua todos os sectores da sociedade. Todos nós estamos a ser vítimas dessa situação.
@Verdade – E como é feita a réplica dos debates ao nível das escolas, igrejas, …?
FF – Com base nas recomendações que saem do debate, vamos às escolas e elegemos um tema para ser discutido. Ouvimos nas escolas o que é que elas gostavam que fosse debatido a nível da Frente. Igualmente, temos a reunião nacional da Frente Feminina, para a qual seleccionamos as mulheres mais activas ao nível das escolas, igrejas, mercados, etc., para aprovarmos a nossa estratégia de actuação, e delinear como abrir novas frentes. Na reunião nacional, reflectimos sobre a posição da mulher jovem em relação a questões que não são meramente femininas. Usamos a poesia e a música, mostrando que a questão de participação política não é feita só ao nível do debate. Realizamos feiras, onde apresentamos obras feitas com material reciclável. Apostamos na reciclagem por também ser um acto de cidadania e que contribui para a conservação do meio ambiente.
@Verdade – Como são recebidas as mensagens da Frente Feminina?
FF – De uma forma positiva e a participação nos debates é massiva. As mulheres que antes se auto-excluíam do debate político, agora vão ganhando mais consciência. Todavia, nos distritos sentimos que a participação ainda é fraca. Ainda há uma série de constrangimentos que enfrentamos, quer sejam colocados pela família, quer por elas mesmas para participar. Nas cidades sentimos que há uma preferência por entretenimento comparativamente à participação no debate política. Entretanto, até finais de 2014, a Frente Feminina deverá ser de facto um movimento de referência das mulheres.
Não excluímos nenhuma mulher jovem, independentemente da sua filiação partidária, principalmente porque sentimos que nalguns casos a sua voz, em certos partidos, é suprimida em nome dos interesses superiores da organização. Ela é proibida de falar. Mas aqui na Frente elas são totalmente livres de se expressar e deixar as suas opiniões.