As violações sexuais que têm assolado as comunidades do vasto território nacional, principalmente os menores de idade, resultam de vários problemas sociais, dentre eles os desequilíbrios psicológicos, o obscurantismo, e o assédio associado a novas experiências sexuais suscitadas pela dinâmica da própria sociedade, principalmente de uma crise de valores morais e éticos, segundo defendem alguns sociólogos moçambicanos. Estes apelam a quem de direito para que estude e encontre explicações sobre a persistência desta prática e formas de desencorajá-la, supostamente porque tende a ser costumeira.
O sociólogo Hélder Jawana entende que se está perante um fenómeno que deve, urgentemente, ser analisado e discutido em dois campos de conhecimento, o sociológico e o psicológico porque a sociedade, para além de tomar a violação sexual como uma acção normal, não está suficientemente preparada para combatê-la.
José Jeque, outro sociólogo, considera que este é um problema que tem trazido traumas, às vezes, irreparáveis para as suas vítimas. Trata-se de um acto próprio de uma sociedade que leva uma vida sem regras, repleta de ilegalidades, especialmente porque ninguém sabe qual é o seu papel, sem descurar a falta de interacção social entre os diversos actores desta mesma sociedade.
Jeque diz notar, com preocupação, que o Homem tende a escamotear as normas de convivência social, toma condutas socialmente cada vez menos aceites e pauta pela falta de respeito mútuo e de diálogo. “Como é possível que uma pessoa considerada idónea e maior de idade tenha a coragem de violar a sua própria filha?”, questiona e conclui que isto reflecte uma perda acentuada de valores morais, éticos e de humanismo.
Em relação aos problemas de fórum psíquico, Hélder Jawana explica que em casos de violação sexual é preciso que os protagonistas destes actos repugnantes, especialmente aqueles que violam pessoas indefesas como crianças, tenham um acompanhamento clínico.
A alteração psíquica do indivíduo leva a que ele manifeste atitudes desumanas, tais como violar sexualmente ou intentar uma agressão física contra alguém sem no entanto medir as consequências. Este acto pode ocorrer, para além do uso da força física, com o auxílio das drogas ou de objectos contundentes, pois nesse memento a pessoa não goza, integralmente, das suas faculdades mentais.
Para Jawana, a evolução do conceito da sexualidade levou, em parte, à crise de valores morais. Banalizou-se o sexo. Temos pais que violam as próprias filhas, irmãos que violam as suas irmãs, numa clara promiscuidade apavorante.
Aliás, o sociólogo refere que se todos os casos de violações sexuais fossem comunicados à Polícia, a situação seria deveras dramática. Algumas pessoas, não poucas, mantêm-se caladas perante a situação porque ainda têm vergonha, preservam as suas imagens e, às vezes, protegem os violadores por causa dos laços de parentesco.
Ele suspeita que algo esteja a falhar nas relações sociais dentro das comunidades, o que contribui para que certos indivíduos forcem os outros a consumarem um acto sexual não consentido.
Os jovens, de acordo com Hélder Jawana, nascem numa altura em que há um novo paradigma do conceito sexualidade e eles encaram o sexo como algo não afectivo entre dois seres opostos, mas sim como um simples prazer que deve ser satisfeito sempre que acharem conveniente. Devem ser educados no sentido contrário.
“Estamos hoje numa sociedade em que o sexo virou uma acção de prazer carnal e está a ser consumado sem nenhum compromisso entre as partes. Estamos perante um rompimento do amor partilhado e mútuo que no passado norteava as nossas sociedades”, refere Jawana, para quem o outro facto pode estar relacionado com a importação, por parte dos jovens, de novas referências sexuais em detrimento das orientações culturais nativas, colocando, desta maneira, toda uma sociedade em crise e com os seus valores a degradarem- se de forma paulatina.
O sociólogo conta que a mini-saia, por exemplo, que tem sido criticada, já era usada na década de 80, mas não tinha as várias conotações a ela impingidas actualmente, dentre elas a de “prostituta” a quem veste. A globalização também tem feito com que os moçambicanos encarem a sexualidade de uma outra maneira.
Aliás, “Os madjermanes regressaram da Alemanha com os vídeos pornográficos e, consequentemente, trouxeram consigo novas experiências sexuais que afectaram e permitiram uma mudança cognitiva”.
Enquanto nenhum método é encontrado para desencorajar o fenómeno, Hélder Jawana apela à família, como instituição social básica, para que intervenha e assuma o papel de sensibilizar as comunidades a encontrar uma outra maneira de educar e incutir nos filhos valores úteis. Eles devem também ser educados no sentido de se abdicar ou reduzir o materialismo a qualquer preço.
Por sua vez, José Jeque desafia as famílias, escolas e confissões religiosas a empenharem-se no restabelecimento das regras de convivência social e de valores morais que tendem a perder-se.
A maior aposta deve ser a restituição da conduta humana porque, por exemplo, aqueles que violam sexualmente as suas filhas e depois alegam razões obscurantistas, sempre vão existir, mas devem ser contrariados com medidas audazes no sentido de não continuarem a manchar a honra das suas vítimas.
Em relação ao obscurantismo, Jawana diz que é um dos factores que concorrem para a ocorrência de violações sexuais, devido a crenças e vivências centradas na constante relação com os curandeiros. Há que estudar a história de vida dos violadores para encontrar as reais causas do fenómeno porque alguns violam para cerrar pactos com os curandeiros.
“As crenças existirão sempre nas comunidades e fazem parte da nossa identidade, mas é necessário um trabalho de desmistificação dos mitos e encontrar soluções para o resgate de valores morais”.
O país, de acordo com aquele sociólogo, precisa de instrumentos eficientes e arrojados para combater este mal, sem com isso dizer que a legislação existente sobre a matéria seja inadequada, mas deve, de forma incomplacente, ser posta em prática.
“Não existe perda de valores”, Carlos Bavo
O sociólogo Carlos Bavo nega qualquer relação entre a onda de violações sexuais e a crise de valores morais. Na sua opinião, trata-se de um fenómeno que decorre de vários outros factores, entre eles o desvio de normas de conduta social e o obscurantismo, este com o propósito de curar certas doenças e salvar o próprio praticante e a sua família de alguns problemas que o afligem, tais como a pobreza.
De acordo com Bavo, cada época tem os seus valores éticos e morais e o Homem ganha uma nova consciência e acompanha a dinâmica da evolução social na qual está inserida. Todavia, ele subscreve a opinião de Hélder Jawana, segundo a qual as violações sexuais estão, de certa forma, ligadas aos novos paradigmas sexuais e podem também contribuir para a existência de seres que buscam, a qualquer preço, satisfazer os seus desejos. O grande desafio para as instituições sociais, na óptica daquele sociólogo, é adaptarem-se às novas circunstâncias.
A finalizar, recomenda que os diferentes actores da sociedade reflictam em conjunto e encontrem um antídoto para combater o problema que nos últimos tempos está a ser muito mediatizado.